Opinião
O complicado mercado de gás natural no Brasil
A coluna bimestral de Wagner Freire
A produção de gás natural no Campo de Liwan, no Mar do Sul da China, está prestes a ser iniciada. O campo situa-se a 320 km da costa, a sudeste de Hong Kong, em lâmina d’água de 1.450 m, com reservatórios a 3.600 m de profundidade. Um projeto de grande porte, com investimentos de US$ 6,5 bilhões, operado pela canadense Husky, com 49%, tendo a chinesa CNOOC como sócia, com os demais 51%. A incorporação ao projeto de dois outros campos vizinhos deverá fazer a produção atingir, em 2015, 14 milhões de m3/dia (88 mil BOE/dia) de gás. A imprensa divulgou que há um compromisso de venda para os consumidores locais por US$ 11 a US$ 13 por MMBTU, mais barato que no Brasil. Liwan faz parte da política chinesa de melhorar a matriz energética do país, dominada pelo carvão, responsável por 68% da energia consumida, e para a qual o gás contribui, atualmente, com apenas 5%. Em 2012, a China produziu 1,84 MM BOE/d de gás e consumiu 2,47 MM BOE/d, com 74,5% da demanda suprida pela produção doméstica e o restante por importação, metade dela via GNL. Com excelente potencial de shale gas, a China tem estimulado a associação de suas companhias com majors como ExxonMobil, Shell e ConocoPhillips, a fim de avaliar e desenvolver rapidamente esse potencial.
Por falar em shale gas, essa nova fronteira tornou-se possível nos EUA graças a um conjunto de circunstâncias: (i) mercado extremamente competitivo, com players de variados portes; (ii) um fabuloso número de poços, perfurados para exploração e produção dos trapas convencionais; (iii) uma invejável rede de dutos para escoamento e transporte; (iv) a experiência e a disponibilidade das tecnologias aplicadas em campos convencionais, como a perfuração horizontal e o fraturamento dos reservatórios fechados; (v) os direitos dos proprietários nas áreas terrestres do continente aos recursos minerais do subsolo – singular característica da legislação americana –, que acabam fazendo jus aos royalties devidos pelas companhias de petróleo; e (vi) os continuados estímulos do governo, via isenção ou atenuação dos impostos, a empresas de pequeno porte ou situações especiais (como a exploração em águas profundas). As questões ambientais vêm sendo bem monitoradas pelo governo, para garantia de preservação do meio ambiente. E, claro, o sucesso americano foi acompanhado por toda a indústria, e agora se procura, em todo o mundo, áreas onde a produção de óleo e gás de folhelho poderiam ser incorporadas à produção convencional de hidrocarbonetos.
De que modo e em que extensão – exceto quanto aos direitos dos recursos do subsolo – essas circunstâncias se aplicam ao Brasil? Há um fato histórico, associado à produção de óleo de folhelho, no campo de Candeias-Extensão, no Recôncavo, no início dos anos 60, que não chegou a ter maiores desdobramentos. O assunto voltou à baila com o boom dos EUA e a recente realização da 12ª Rodada da ANP, de áreas propensas a gás convencional e não convencional.
O Brasil consome atualmente 90 MMm³/d de gás natural, 50% supridos pela produção doméstica e 50% importados, 2/3 por dutos, da Bolívia, e 1/3 via GNL, de vários países. Boa parte do consumo, 45%, concentra-se na área industrial, e em 2013, em idêntica proporção, na geração térmica. Como operadora da maior parte dos campos, a Petrobras responde por 90% da produção de gás e ainda detém praticamente toda a malha de transporte. A distribuição de gás canalizado e sua comercialização é monopólio dos estados, mas a Petrobras participa do capital da maioria das companhias estaduais. Assim, há praticamente um único player no mercado. É atraente para investidores nacionais ou estrangeiros?
Sem dúvida essa foi uma das razões para a ausência de grandes petroleiras na 12ª Rodada. Mas houve outras: a não regulamentação dos procedimentos ambientais e operacionais e a esdrúxula disposição, sem paralelo na indústria, de proibir as companhias estrangeiras de entrarem em blocos situados na faixa de 150 km da fronteira (17 dos 31 blocos oferecidos nas bacias do Acre e do Paraná). A Petrobras, apesar de suas dificuldades financeiras, por ingerência do controlador, assumiu 59% dos bônus e programa exploratório mínimo e participa em 49 dos 72 blocos.
Há também boas expectativas de aumento expressivo da produção, no futuro, com o pré-sal. Entretanto, a possibilidade de o gás ser usado na recuperação poderá diminuir sua disponibilidade para comercialização, tornando o desenvolvimento do mercado mais precário pela escassez do produto, sobreposta às dificuldades de comercialização.
A coluna de Wagner Freire é publicada a cada dois meses
E-mail: wagner.freire@hotmail.com