Opinião
O leilão do pré-sal e o novo regime fiscal
A coluna trimestral de Ieda Gomes
Em outubro de 2013 teremos o primeiro leilão do pré-sal já no regime de partilha da produção, na área de Libra. O governo fixou bônus de R$ 15 bilhões (US$ 6,7 bilhões), percentual mínimo de 40% de óleo-lucro para a União e um máximo de 50% das receitas para a recuperação de custos, caindo para 30% a partir do terceiro ano de produção.
O valor recorde para o bônus de assinatura só encontra precedente em aquisições de ativos em produção combinados com potencial exploratório, como a compra da Progress Energy pela Petronas (US$ 6 bilhões) ou dos ativos da Devon no Brasil, Golfo do México e Azerbaijão pela BP (cerca de US$ 7 bilhões). Esse bônus deverá requerer a formação de consórcios ou limitar a concorrência a um número pequeno de players, as supermajors ou estatais chinesas. A título ilustrativo, o capex das principais supermajors para 2013 varia de US$ 30 bilhões a US$ 39 bilhões para todo o seu leque de investimentos internacionais. Já a Petrobras, que deverá ter participação de 30% do consórcio vencedor, terá de contribuir com US$ 2,2 bilhões do bônus, a não ser que negocie o deferimento ou carregamento pelos parceiros.
Segundo estudo da Gaffney Cline preparado para a ANP em 2010, Libra exigirá investimentos de US$ 56 bilhões e vai começar a produzir mais de 100 mil barris por dia somente a partir do quinto ano de produção. Assim, com a imposição de um alto bônus de assinatura, os licitantes buscarão manter a rentabilidade através de uma oferta mais conservadora de óleo-lucro para a União. Além disso, o percentual de 30% para recuperação de custos a partir do terceiro ano de produção parece baixo, à luz de outros contratos de partilha pelo mundo, que variam de 40% a 60%. Nesse cenário, uma parte substancial dos custos terá de ser acumulada para ressarcimento nos anos subsequentes, resultando em custos financeiros elevados, já que a ANP não está permitindo atualizar esses valores monetariamente, mas abriu uma brecha para voltar aos 50%, caso os 30% sejam insuficientes.
Outro ponto importante em contratos de partilha refere-se à comercialização e à avaliação do preço do gás natural associado que venha a ser produzido. Há uma grande incerteza quanto ao volume de gás que poderá ser de fato comercializado, diante das necessidades de reinjeção e do elevado teor de CO2. O edital não deixa muito claro se o volume de gás produzido, que é computado no Valor Bruto da Produção, seria também computado na oferta do percentual de excedente para a União. Além disso, nos contratos de partilha os volumes do contratado e do governo variam a cada mês, em função dos custos e da produção. Assim, embora os membros do consórcio possam dispor livremente de suas parcela de óleo e gás, vai ser necessário constituir um representante único do consórcio e da União para garantir a comercialização de volumes constantes em contratos de gás take or pay. O estudo da Gaffney prevê uma produção acumulada em Libra de 8,7 TCF de gás natural, atingindo um pico de 49 milhões de m3/dia no 13º ano de produção, o que equivale a 2/3 da atual produção nacional. Os desafios para comercializar esse gás serão significativos, em face da profundidade e da distância até o litoral.
O modelo brasileiro definiu que a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) será a representante da União nos consórcios formados e a gestora dos contratos. A operacionalização de contratos de partilha se dá através da criação de um comitê operador, que deverá se constituir em até 60 dias após a assinatura do contrato, ou seja, até 21 de janeiro de 2014. Esse comitê é responsável por aprovar e revisar todos os procedimentos técnicos e operacionais do contrato, aprovar investimentos e despesas e acompanhar e aprovar os relatórios financeiros e contábeis.
Apesar de criada por lei em 2010, a PPSA ainda não foi constituída e necessitará de quadros técnicos, legais e contábeis de alta qualidade para gestão efetiva dos contratos. Caso a ANP a substitua no comitê, criará a situação esdrúxula de fiscalizador e tomador de decisões no contrato. Como a PPSA tem direito a 50% dos votos e poder de veto em todas as decisões, além de marginalizar os membros privados do consórcio, a gestora tem a responsabilidade, mas não o ônus, de decidir sobre todas as instâncias do contrato.
A coluna de Ieda Gomes é publicada a cada três meses
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