Opinião
O mercado de petróleo no Brasil
A coluna bimestral de Wagner Freire
Costuma-se dizer que o Ano Novo no Brasil começa depois do carnaval. Se isso é verdade, no setor petróleo está começando bem, com novos membros na diretoria da Petrobras e na direção geral da ANP, pessoas com excelentes currículos e indiscutível experiência gerencial. Tem tudo para dar certo, mas os encargos nas duas instituições são complexos e de difícil administração. Desejo todo o sucesso aos novos diretores.
A mídia noticia com frequência os problemas do setor, e eu mesmo tenho abordado esses temas na Brasil Energia. Entre os mais críticos, incluo a falta de licitações de novas áreas de exploração, o modelo de partilha, as reservas, o conteúdo local e a política de preço dos derivados. Esses temas, de algum modo, se entrelaçam e, no conjunto, tornam o país cada vez menos atraente para as petroleiras.
O abandono das licitações anuais de novas áreas é extremamente preocupante. A última rodada para áreas offshore, de onde provém a maior parte da produção brasileira, foi em 2007. Com isso, o staff de geólogos e geofísicos da maioria das empresas está sendo deslocado para outros países. E o paradoxal é que há muitas áreas no Brasil onde os investimentos em exploração seriam bastante atraentes, além de absolutamente necessários para que se possa manter uma boa razão reserva/produção nos anos a vir.
Quanto à partilha, não há justificativa técnico-econômica para sua introdução nas áreas do pré-sal – um polígono de 145 mil km2 onde se concentra atualmente quase 90% da produção brasileira, essencialmente não pré-sal. Ainda que os campos que vierem a ser descobertos tenham resultados altamente compensatórios, poderiam gerar recursos idênticos para o governo através da Participação Especial, de forma muito mais fácil de administrar. Pior foi a inclusão de “anomalias” não previstas nos contratos dessa natureza em outros países, como o operador único, a Petrobras, que terá no mínimo 30% de todos os contratos. Podemos arriscar que tais contratos tão cedo não serão celebrados, mas o problema é seu viés estatizante, inclusive na condução da cessão onerosa.
E as reservas do pré-sal? Lula, descoberto em 2006 e que, tudo indica, é a melhor descoberta do pré-sal, quando declarado comercial, em dezembro de 2010, contabilizou, na SEC, reservas (provadas) de 1,65 bilhão de BOE. Um ano depois, com mais poços perfurados, TLDs e piloto que totalizaram, em 2011, 42,80 mil BOE de produção, esse valor não foi reajustado. O comportamento dos reservatórios sotopostos à espessa camada de sal é de difícil previsibilidade e torna problemática sua explotação com poços horizontais. A presença de CO2, além da necessidade de descarte, requer proteção contra corrosão, fatores que, associados à distância da costa, aumentam muito os custos operacionais. Segundo a Gaffney Cline, contratada pela ANP por ocasião da cessão onerosa, as reservas do pré-sal são da ordem de 15 bilhões a 20 bilhões de BOE. Onde estão os 50 bilhões a 80 bilhões de BOE apregoadas pelo governo, que colocariam o país perto das grandes potências petrolíferas?
No conteúdo local, os concessionários lutam há anos com regras inadequadas e irracionais. Na produção industrial em geral, incluindo bens e serviços de petróleo, as empresas estabelecidas no Brasil, por razões bem conhecidas, não são competitivas. Ser obrigado a usá-las aumenta custos e prazos, podendo inviabilizar projetos, além de nem sempre atender aos requisitos de qualidade. Veja-se a dificuldade da Petrobras em contratar 28 sondas para fabricação no Brasil. Vai dar certo?
O preço de realização da Petrobras para os derivados, sobretudo gasolina e diesel, está há tempos abaixo dos preços internacionais. Mas o petróleo é vendido ou contabilizado por indexação ao Brent. Nos primeiros anos da Lei do Petróleo, o preço de realização dos refinadores era indexado aos preços do Golfo do México e à cotação do dólar. E o governo usava a PPE para atenuar a flutuação dos preços aos consumidores. A partir de janeiro de 2003, o preço de venda passou a ser acertado entre governo e Petrobras de forma aleatória e pouco transparente, com o governo, por vezes, recorrendo à Cide, nos moldes da PPE, ora beneficiando, ora prejudicando a Petrobras. Além disso, os pequenos refinadores, compradores habituais dos pequenos produtores independentes de petróleo, sofrem para se manter no mercado. É preciso corrigir essas distorções prontamente. A fórmula já foi bem testada no início das atividades da ANP.
A produção brasileira de petróleo estabilizou, mas o país está consumindo mais gasolina e diesel. Segundo dados da ANP, em 2011 o país deixou de ser autossuficiente, em termos precisos de suprimento líquido de petróleo e derivados. Apenas 11.640 b/d de déficit. Ainda somos razoavelmente autossuficientes. Por quanto tempo?
A coluna de Wagner Freire é publicada a cada dois meses