Opinião
O mercado livre de gás: perspectivas e desafios
Por Silvia Calou, diretora presidente da Arsesp
Recentemente, a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) autorizou os primeiros comercializadores de gás no estado. Duas empresas cumpriram os requisitos colocados pela agência e se credenciaram para comercializar gás para os consumidores livres.
Potencialmente há 180 consumidores industriais com consumo acima de 10 mil m3/dia, de início na área de concessão da Comgás, que podem contratar o energético com qualquer comercializador autorizado pela agência e pagar uma tarifa para que o gás seja distribuído pelo sistema da concessionária até seu ponto de consumo. O objetivo é criar oportunidades para que haja concorrência no fornecimento do gás, já que a distribuição na rede continua um monopólio natural regulado pela agência estadual.
Até o momento não foram registrados contratos com consumidores livres em São Paulo. Um dos principais motivos para uma movimentação tão pequena desse mercado é a falta de ofertantes de gás. Esse quadro também reflete quão jovem é ainda este mercado.
Apenas a partir de 1990, com a descoberta de reservas na Bacia de Campos e o início da construção do Gasoduto Brasil-Bolívia, é iniciado um período de evolução significativa do gás no país, cujo principal marco regulatório atual é a Lei 11.909/2009, a Lei do Gás. Nesse período, e comandado pela Petrobras, houve um crescimento muito significativo na prospecção de petróleo, que gerou uma elevação concomitante das reservas nacionais de gás, as quais passaram a 423 bilhões de m3 em 2010 – sem contabilizar as reservas do pré-sal. Considerando que o consumo nacional está por volta de 60 milhões de m3/dia, pode-se dizer que as perspectivas para a oferta são muito positivas.
Adicionalmente, no cenário mundial há valorização desse energético. O período futuro tem sido chamado de “Era de Ouro do Gás”, devido à revolução tecnológica do GNL, que permite o transporte do gás em navios a custos economicamente atrativos, e também pelas descobertas e pelo desenvolvimento de tecnologias viáveis de extração dos chamados gases não convencionais, sobretudo o gás de xisto (shale gás) e o tight gas. Nos EUA, o desenvolvimento recente envolveu uma consolidação dos negócios e o crescimento da oferta deste e de outros gases não convencionais. Por isso se prevê uma redução quase completa de importações de gás daquele país até 2030.
Outras significativas descobertas ao longo do planeta elevaram as reservas provadas de gás natural a 138 trilhões de m3, hoje suficientes para abastecer o mercado mundial por 62 anos, considerando-se o consumo estável. No Brasil, além das reservas mencionadas há descobertas de shale gas nas bacias do Paraná e do Parnaíba e de tight gas na Bacia de São Francisco. Então, pelo lado da oferta as perspectivas são bastante positivas. No entanto, para ancorar investimentos que permitam a elevação da oferta de modo a baixar os preços internos é preciso haver um mercado firme para o gás.
Podemos citar alguns desafios para que esse mercado floresça: o setor químico, grande consumidor de gás, sofreu estagnação nos últimos anos pela falta desse energético a preços competitivos. As unidades petroquímicas de primeira e segunda gerações são fundamentais para o desenvolvimento do gás no país. A cogeração, que é o aproveitamento mais eficiente do gás, ainda não decolou também em função do preço. Quanto às termelétricas, importante fonte de energia firme para nossa matriz elétrica, baseada na hidreletricidade, falta uma política integrada de gás e energia elétrica para seu desenvolvimento. E o GNV, usando uma expressão popular, também tem “andado de lado”, à espera de sinais claros de oferta e preço. Com tudo isso, o desenvolvimento das redes de distribuição também fica esperando que as âncoras se desenvolvam.
Para quebrar esse círculo vicioso algumas importantes medidas governamentais são necessárias, como a integração da política energética englobando gás e energia elétrica, envolvendo o futuro das termelétricas, da cogeração e do GNV. Além disso, cabe ao mercado ficar atento à evolução do shale gas, que agora desponta na Argentina com bastante força e pode representar a grande diferença aqui também, assim como já o fez nos EUA.
Silvia M Calou é diretora de Regulação Técnica e Fiscalização dos Serviços de Gás Canalizado e diretora presidente da Arsesp