Opinião

O primeiro carregamento de exportação de óleo cru dos EUA vai para...Venezuela!

Os EUA, reconhecendo a importância do tema, deliberadamente criaram uma política nacional bem-sucedida de segurança energética

Por Redação

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Ironia… O primeiro carregamento de exportação de óleo cru dos EUA vai para a Venezuela! Justamente o país que tanto criticou os EUA e que declarou que, como forma de punir os EUA por sua política em relação ao país (críticas à falta de democracia e direitos humanos), não ia mais vender petróleo para os EUA, como se isso fosse implicar algum prejuízo ou dificuldade para esse país.

Os EUA, reconhecendo a importância do tema, deliberadamente criaram uma política nacional bem-sucedida de segurança energética. Claro que não se trata de uma política de independência energética, pois os EUA ainda importam significativas quantidades de óleo, com dependência externa de petróleo de aproximadamente 37%, mas dependência externa energética de apenas uns 15%, pois o país exporta outros recursos energéticos, como carvão. Para o país, o importante é alcançar a segurança energética, até mais do que a independência energética, pois essa condição não exige medidas onerosas, como incentivos e restrições que introduzem ineficiências na economia, para estimular o atingimento da independência energética. A segurança energética implica poder assegurar que haverá disponibilidade para suprir a demanda, e de fontes confiáveis. Ao mesmo tempo, a política de segurança energética permitiu aos EUA desenvolver uma política externa que favorece seus aliados e priva seus desafetos da possibilidade de vender petróleo para os EUA.

Isso foi algo que o Brasil não entendeu, e ficou apenas no discurso raso e enganoso de termos atingido a autossuficiência em petróleo (em 2006), muito alardeada, e utilizada com fins políticos, porém não para a construção de uma política energética nacional que visasse a real independência ou segurança energética, ou mesmo uma discussão mais aprofundada sobre o assunto. Essa independência, inclusive, foi coisa que na realidade somente ocorreu no sentido de o volume da produção nacional ter sido igual ao volume dos derivados consumidos no Brasil. Entretanto, mesmo com esse equilíbrio volumétrico, houve gravíssimo déficit financeiro, devido ao valor muito superior dos derivados consumidos (com alto valor agregado em relação ao petróleo) e do óleo importado (leve, mais valorizado), em relação ao nosso óleo produzido e à parcela exportada (óleo pesado, de baixo valor).[3] Essa autossuficiência pouco durou, e mesmo hoje enfrentamos um déficit enorme quando consideramos o valor total das importações de óleo e derivados, versus nossas exportações dos mesmo produtos.

Como o exemplo da Venezuela mostra, não adiantou demonizar os EUA, numa atitude demagógica que buscava iludir seus próprios cidadãos com ilusões de grandeza que não tinham fundamento. Depois de anos de uma política energética e de petróleo que destruiu a empresa nacional, PDVSA, e sua capacidade de produção, agora o país se vê obrigado a importar petróleo norte-americano, leve, para permitir que o país produza seu péssimo petróleo extrapesado do Orinoco. Somente com essa mistura esse óleo pode ser produzido e transportado (a temperaturas normais, seria sólido sem a mistura!), e encontrar colocação no mercado internacional. Essa medida, além de irônica, é fruto do desespero de um país à beira do colapso, que necessita vender seu petróleo a qualquer preço para tentar evitar o caos financeiro.

A necessidade de importação de óleo leve, enquanto exporta uma mistura muito mais pesada e de menor valor, representa, como no caso do Brasil, um grande desequilíbrio nas contas externas. No fim de contas, a produção de óleo extrapesado do Orinoco provavelmente não se justifica de nenhuma forma, pois jamais seria viável atualmente, dados os diferenciais de preço dos dois tipos de petróleo, e os preços baixos reinantes.

A Venezuela tem as maiores reservas certificadas de petróleo do mundo, apesar de serem, em sua maioria, compostas de óleo extrapesado, muito difícil de extrair, e com valor comercial extremamente baixo em relação ao custo de extração. Se fosse realizada uma nova certificação, sem dúvida a inviabilidade de sua produção econômica aos preços atuais levaria a uma forte redução desses valores. Estamos assistindo, em tempo real, ao resultado de políticas nacionais que levaram um país com enormes recursos petrolíferos e uma empresa (PDVSA) − que exportava grandes quantidades de petróleo e derivados para os EUA e detinha uma significativa participação no mercado de distribuição de derivados nesse país − a uma situação crítica, em que toma decisões sem justificativa econômica, apenas pela premência de gerar receita.

O Brasil também ensaiou atitudes igualmente perigosas, em relação a sua política energética, sob a ilusão de que o país havia sido contemplado com um “bilhete premiado”, ao descobrir o pré-sal. Seguiram-se medidas como a abrupta suspensão de leilões de blocos exploratórios por conta do sucesso exploratório no pré-sal; o uso descabido da Petrobras para executar sua política de controle da inflação, fragilizando financeiramente a empresa; o desmantelamento de sua indústria de biocombustíveis, ao subsidiar (manipular) os preços dos combustíveis fósseis; a adoção de regras insustentáveis para a exploração do petróleo do pré-sal; outras mudanças num ordenamento (o sistema de leilões anuais de concessão de áreas exploratórias) construído durante quase dez anos, que era considerado um sucesso e modelo para outros países; e a introdução de regras e restrições que têm desestimulado investimentos em sua indústria de petróleo e gás.

Não faltam, pois, ao Brasil, exemplos do que não se deve fazer. Os resultados dos erros da Venezuela estão aí para todos verem – uma humilhante situação que esperamos que o Brasil possa evitar, traçando rumos que voltem a favorecer as atividades de E&P no país, em vez de afugentar possíveis investidores e empresas operadoras. O Brasil não pode se dar ao luxo de adotar políticas ideológicas falidas, quando padece de uma crise como a atual.


Cleveland M. Jones é pesquisador do INOG – Instituto Nacional de Óleo e Gás/CNPq FGEL – Faculdade de Geologia/UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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