Opinião

O “Risco Brasil” que não se vê

Artigo de Marcelo Carvalho Pereira, do escritório Gaia, Silva, Gaede & Associados

Por Redação

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Em tempos de novas rodadas da ANP, com destaque para a licitação do megacampo de Libra e para as novas fronteiras exploratórias na margem equatorial e em bacias onshore, ressurge a velha discussão acerca dos investimentos necessários para o atendimento à pujante indústria do petróleo, sempre difíceis de mensurar em razão das inúmeras variáveis que os compõem, sobretudo no Brasil.


Algumas dessas variáveis são certamente dimensionáveis, enquanto outras representam o risco econômico natural ao exercício de uma atividade em constante pressão exercida pelo preço do barril de petróleo. O Brasil, entretanto, ainda traz a essa complexa equação elementos peculiares, como o “Risco Fiscal”, irrisório em muitos países, mas bastante presente aqui.


Não estamos nos referindo a regimes aduaneiros específicos, como o Repetro, que, embora desonerem de forma considerável a atividade, ainda enfrentam percalços quase diários, fruto de uma legislação elaborada de modo casuístico e açodado, aliada à falta de boa vontade das autoridades fiscais. Trata-se, aqui, de um risco menos visível, mas que traz igual insegurança às empresas e poderia ser resolvido por uma simples iniciativa: a legislação que regula o fluxo de materiais e equipamentos nacionais e estrangeiros voltados ao atendimento à indústria do petróleo.


Será difícil encontrar uma empresa que nunca tenha experimentado o dissabor de ter suas remessas e retornos de equipamentos ou de materiais questionados pelas autoridades fiscais, por conta da adoção de procedimentos tidos como incompatíveis com “a legislação vigente”. Mas qual legislação? A raiz do problema é justamente essa. Inexiste uma legislação de alcance nacional que padronize essas operações, disciplinando a emissão de documentos fiscais para circulação dos bens empregados nas atividades de apoio à indústria do petróleo.


No dia a dia é sabido que as empresas buscam se adaptar, ainda que por equiparação, às normas existentes. Esses procedimentos ora são aceitos por algumas fiscalizações, ora questionados por outras. Aí está o risco até então invisível, já que, para diversos casos, não há solução totalmente segura – mesmo que alguns riscos possam ser evitados com uma postura preventiva e planejada.


É o caso dos equipamentos remetidos a embarcações. A rigor, como as embarcações não são “estabelecimentos” sob o ponto de vista fiscal, emitem-se notas fiscais consignando o próprio remetente como destinatário, esclarecendo, através de simples observação, o destino real dos bens como sendo uma determinada embarcação, atracada em determinado local. Eis uma solução simples, mas sem previsão legal. Imagine-se, então, que essa embarcação saia de um porto no Rio de Janeiro e atraque em São Paulo, após um serviço, para desembarque daquele equipamento. Por coerência, emite-se o mesmo documento (com remetente e destinatário idênticos), registrando-se o retorno rodoviário do bem ao Rio de Janeiro. Como se trata de um transporte interestadual, utiliza-se um código fiscal de operações (CFOP) interestadual; mas o sistema eletrônico não entende a operação, pois, afinal, remetente e destinatários estão no Rio de Janeiro. Se a opção é pelo CFOP retratador de operações internas, é a barreira fiscal que não entende, e retém o transporte.


O caso citado é apenas um pequeno exemplo de uma longa série de questões sem a devida retratação legislativa. O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne, entre outros, os secretários de Fazenda de todos os estados, poderia se movimentar para eliminar essas lacunas, trazendo maior segurança jurídica às operações das empresas. O momento é mais que oportuno, já que o alargamento das fronteiras exploratórias atrairá a competência de novas autoridades fiscais ainda não acostumadas com as soluções encontradas pela indústria em Estados já maduros. Sinal de insegurança no horizonte. Sinal de “Risco Brasil”.

Marcelo Carvalho Pereira é advogado responsável pelas áreas de Oil&Gas e Navegação no Escritório Gaia, Silva, Gaede & Associados

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