Opinião

Operação única da Petrobras é antinacionalista

Regime impede a exploração e a produção em escala total das reservas de óleo e gás a serem ainda descobertas no pré-sal

Por Redação

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Uma das definições de nacionalismo no Aurélio é “doutrina baseada neste sentimento (patriotismo) e que subordina toda a política interna de um país ao desenvolvimento do poderio nacional”. Poderio nacional significa um país forte, economicamente e socialmente. Neste sentido, a operação única da Petrobras (com um mínimo de 30%) no pré-sal, exigida pelo Marco Regulatório do Pré-Sal (2010), vai contra esta definição, já que impede a exploração e a produção em escala total das reservas de óleo e gás a serem ainda descobertas no pré-sal. Com isso, impede a criação de milhares de novos empregos e a arrecadação de bilhões de reais em bônus e royalties que seriam obtidos com a produção maximizada desses recursos. Impede o fortalecimento social e econômico do país. Vamos elaborar um pouco mais este raciocínio.

Todo fato histórico deve ser analisado à luz de seu tempo. Em 2007, por ocasião do Bid 9 da ANP, pouco mais de um ano havia se passado desde a primeira descoberta no pré-sal pela Petrobras. A empresa havia perfurado 15 poços e testado oito deles, todos com resultados excelentes. Os volumes descobertos e a qualidade dos reservatórios e do óleo impressionavam a todos e a notícia havia corrido o mundo. Sessenta e sete empresas (metade brasileiras e metade estrangeiras) se qualificaram. Rumores apontavam para políticas agressivas na aquisição dos blocos com potencial no pré-sal. A Petrobras não poderia competir com os bônus altos que se avistavam. Áreas de alto potencial seriam fatalmente perdidas pela empresa. O governo tomou a decisão de retirar 41 blocos da oferta inicial e instituir um programa de favorecimento à Petrobras que, na minha opinião, mostrou-se correto com o tempo. Criou-se uma política de contratação, exploração e produção específicas para o pré-sal. Hoje em dia, graças à sua competência técnica, à operação única, à Cessão Onerosa e ao Excedente da Cessão Onerosa a Petrobras amealhou recursos provados e contingentes da ordem de 40-50 bilhões de barris de óleo equivalente (28-35 bilhões recuperáveis, estimativa da PPSA). A produção diária já passa de 800.000 barris. Por isto, a empresa recebeu pela terceira vez o prêmio máximo da OTC (o Oscar industrial da área petrolífera). Fantástico resultado!

Mas o tempo passou. Muita, muita coisa mudou de 2007 para cá. Provou-se que há um significativo risco exploratório no play pré-sal, contrariando a premissa básica de 2007 de que não haveria risco na sua exploração. A Exxon perfurou três poços secos no coração do polígono do pré-sal. A Petrobras devolveu à ANP várias de suas propaladas descobertas com a argumentação de não serem comerciais. Poços secos foram perfurados pela Petrobras e outras operadoras. A Petrobras está combalida e a economia do país encontra-se em recessão. Os poderes Executivo e Legislativo perderam totalmente a confiança e a credibilidade do povo brasileiro. Há necessidade urgente de novos investimentos, de revitalização industrial, de ampliação do mercado de trabalho e de um aumento da arrecadação governamental sem aumento de tributos. A operação única da Petrobras no pré-sal impede tudo isso de acontecer no setor petrolífero. Por quê?

Porque torna remota a possibilidade de novos leilões de pré-sal. Anos seguidos de ingerência política no controle dos preços de seus produtos e na nomeações de agentes de roubalheira partidária e corrupção para cargos importantes na empresa, aliados à indiferença e conivência de seus principais controladores, fizeram a Petrobras desenvolver um prejuízo dinossáurico e uma dívida impagável. Sua receita prevista para os próximos anos não é suficiente e, ainda mais depois de cortar na carne sua própria produção em 1,4 milhão de bopd para o ano de 2020, aí é que não vai dar mesmo. Sem acesso ao mercado financeiro convencional (por causa dos escândalos de corrupção) e sem esperanças de cumprir o programa de privatização anunciado de U$ 57,7 bilhões de dólares, a Petrobras não tem outra saída a não ser focar seus parcos recursos na produção de seus ativos no pré-sal, abandonando desastradamente a aquisição de novas áreas exploratórias. Portanto, se a Petrobras combalida for a única que puder atuar como operadora de futuros empreendimentos no pré-sal morrem as esperanças de futuros leilões e da abertura de novas áreas exploratórias. Recentemente, os professores Cleveland Jones e Hernane Chaves da UERJ estimaram volumes entre 176-273 bilhões de barris de óleo que podem ainda ser descobertos no Polígono do Pré-Sal. Se a convalescente Petrobras for a única companhia permitida a operar no pré-sal, essas riquezas jamais serão adequadamente exploradas e produzidas e toda a nação será prejudicada com isso.

Em havendo leilões regulares anuais de áreas do pré-sal, abertas à livre concorrência, dezenas de empresas competirão por essas áreas e por esses volumes e pagarão altos bônus devido à  forte concorrência. Não há necessidade de mudar o regime de partilha da produção. Basta liberar a Petrobras do enorme fardo de ter que ser a operadora em TODAS as áreas que forem adjudicadas no pré-sal. A Petrobras, com seu enorme conhecimento técnico, poderá decidir livremente se deseja participar ou não. As vencedoras, brasileiras ou estrangeiras, criarão milhares de empregos diretos e indiretos na gigantesca cadeia de serviços que alimenta o segmento upstream da indústria petrolífera. E esses empregos serão aqui, no Brasil. Os royalties devidos pela eventual produção de hidrocarbonetos serão os mesmos que seriam pagos pela Petrobras. Ficam aqui. E o petróleo e o gás produzidos para onde irão? Ora, para os mesmos lugares que iriam caso fosse a Petrobras a operadora. Para as refinarias brasileiras ou exportados para o exterior, para onde o lucro da venda for maior. A Petrobras é uma empresa aberta, portanto visa (pelo menos, deveria visar) maximizar o seu lucro como toda companhia que possui ações no mercado. E lembrem-se que, por causa da partilha, o governo terá uma bela fatia desse óleo produzido. Ele poderá dispor desse óleo da maneira que for estrategicamente mais conveniente. As receitas do Fundo Social serão pagas tanto pela Petrobras como por qualquer outra companhia que produza no regime da partilha. Não há nada a temer quanto ao destino do óleo e quanto ao futuro do Fundo Social.

A operação única da Petrobras impede que companhias brasileiras de porte médio possam operar e produzir petróleo nas descobertas devolvidas pela Petrobras. Ora, se elas não são econômicas para uma empresa do porte dela, poderão ser para empresas menores. Por que impedir que, por exemplo, a Queiroz Galvão, empresa 100% nacional, ou outras empresas nacionais menores, possam tentar produzir as descobertas de Parati, Caramba, Bem-Te-Vi, Biguá, etc...?

Há muita área não licitada com razoável potencial para ser explorada no pré-sal das Bacias de Campos e Santos. Talvez não haja mais campos do porte de Tupi, Franco e Libra para serem descobertos. Mas, com certeza, prospectos já conhecidos pela indústria como Pau-Brasil, Peroba e Itaipava prometem reservas significativas para qualquer companhia. Falta ao Brasil o estabelecimento definitivo de empresas nacionais de porte médio no segmento upstream. A operação de campos menores mas altamente produtivos e lucrativos, típicos do pré-sal, poderia levar à independência várias companhias brasileiras hoje em estágio incubatório.

A operação única da Petrobras impede que milhares de pessoas possam trabalhar na indústria petrolífera, que normalmente remunera acima do mercado industrial como um todo. Novos operadores no pré-sal implicam a criação de novas vagas. Por que as lideranças sindicais atuais são contra a criação desses novos empregos? Ou só os petroleiros que já trabalham direta ou indiretamente para a Petrobras têm o direito de trabalhar na indústria petrolífera?

E, por fim, a reserva de mercado para a Petrobras no pré-sal deixou de ser lógica para ser incoerente. A Petrobras produz óleo atualmente no filé mignon petrolífero do Golfo do México dos Estados Unidos, no chamado trend terciário das águas ultraprofundas dessa região. Ora, então por que a Exxon e a Chevron, ambas legitimamente estabelecidas no Brasil, não podem também produzir no pré-sal da Bacia de Santos? A Petrobras acabou de fazer uma bela descoberta de gás na margem caribenha da Colômbia. Então, por que a Ecopetrol, legitimamente estabelecida no Brasil, não pode explorar o pré-sal? A Petrobras até pouco tempo atrás explorava o pré-sal de Angola (sem sucesso). Por que, então, a Sonangol, legitimamente estabelecida no Brasil, não pode igualmente tentar explorar o pré-sal daqui? A Petrobras produz mais de 100.000 bopd na Argentina. Então por que, por exemplo, a Pluspetrol não pode explorar e produzir no pré-sal do Brasil? Pura incoerência que desafia qualquer raciocínio lógico. Adivinhem se eu serei tachado de entreguista a serviço das multinacionais...

Por tudo isso discutido aqui, a operação única da Petrobras no pré-sal é antinacionalista, porque impede novos investimentos que poderiam ser feitos por dezenas de firmas de petróleo, impede a criação de milhares de novos empregos e impede o aumento da arrecadação do governo a partir do aumento de riquezas e não do aumento de tributos. Além de ser incoerente.

Pedro Victor Zalán foi funcionário da Petrobras por mais de 30 anos e é geólogo consultor da ZAG Consultoria em Exploração de Petróleo

Outros Artigos