Opinião
Petrobras concentra a contratação de bens e serviços
A organização apresentada pela Petrobras foi uma ousadia gerencial interessante, uma quebra de paradigma, uma inovação estratégica
O propósito básico para a Petrobras aglutinar todas as atividades de compras e contratações de bens e serviços em uma Gerência Executiva única provavelmente deve ter sido motivado pela visão de “compliance”.
Por ter passado por fragilidades importantes nas questões de não conformidade e desvios, a empresa parece ter sido radical na concentração da atividade em um só órgão. Interpretou que, possivelmente, estando todas as contratações em um só local, conseguirá conter as diferenças de tratamento com o mercado e reduzir efeitos indesejáveis de negociação dentro da corporação.
Sem dúvida, poderá haver uma uniformização maior no relacionamento com os fornecedores, menores variações de atitude de seus colaboradores, padronizando-se ainda mais os procedimentos.
O mercado costumava dizer que havia “Petrobrases”, e não uma só “Petrobras”, pois cada órgão negociava de maneira distinta. Uns com rigidez demasiada, outros como se fosse uma empresa privada sem leis ou decretos a serem seguidos (DL 2.745). Não é um assunto fácil, porém não é construtivo ter diferentes formas de atuar por simples interpretação ou ideologia.
Se por um lado ganha-se na uniformização, perde-se na eficiência e lógica empresarial. Olhando-se para a sequência produtiva Upstream e Downstream de óleo e gás, esta contém diversas categorias distintas de contratação de materiais e serviços, como as seguintes:
• Serviços especializados, como aquisição sísmica, logging, perfuração, etc.
• Equipamentos e materiais especiais, como árvores de natal, linhas flexíveis, aditivos de produção, equipamentos de poço, etc.
• Engenharia Básica, Engenharia de Detalhamento, Engenharia de Projeto, Engenharia de Produto, Engenharia Geral, construção e montagem de partes, módulos, unidades de exploração ou refino, com ou sem material próprio.
• Manutenção, reparo, inspeção de máquinas e equipamentos de propriedade da contratante.
• Logística aérea, marítima e terrestre, de pessoas e bens.
• Materiais e serviços ditos indiretos, que não são parte integrante do processo produtivo, apesar de essenciais, como alimentação, hotelaria, SMS, treinamento, copinho de café, papel de impressora, etc.
A sequência produtiva pode ser listada da seguinte forma simplificada: Exploração, Desenvolvimento da Produção, Operação da Produção, Escoamento por dutos, Transferência por navios, Engenharia de Refino, Operação de Refino, Distribuição de Derivados.
Aquisições de serviços ou bens mais sofisticados requerem maior participação do usuário final. Por exemplo, contratar serviços de logging sem conhecer o mercado de duas ou três empresas mundiais detentoras de 95% da atividade ou não conhecer em detalhes as ferramentas e perfis de ponta tecnológica e seus valores mundiais pode não ser interessante em negociações complexas. Nem sempre, nestes casos, a negociação se dá puxada pelo menor preço, mas sim pelo maior valor agregado, diferencial tecnológico, não tão fácil de explicar para um comprador mais generalista.
Para compras indiretas, quase não há participação do usuário final, a não ser o seu nível de satisfação sobre disponibilidade, qualidade e preços. Portanto, uma organização ajustada por categorias, percorrendo o processo produtivo de ponta a ponta, poderia ser nominada da seguinte forma teórica:
Cada combinação de categoria (vertical na tabela) e fase da cadeia produtiva (horizontal na tabela) possui uma célula de contratação, de maior ou menor dimensão, em função dos volumes de trabalho e dificuldades.
Algumas podem ser fundidas com outras, algumas requerem subdivisão pela complexidade. Assim, a organização apresentada pela Petrobras foi uma ousadia gerencial interessante, uma quebra de paradigma, uma inovação estratégica. Apesar de uma organização desse tipo ter poucas chances de sobreviver por tempo muito longo, pois as tensões entre “resolver” e “seguir as regras” provavelmente acontecerão, o movimento de concentração parece ter sido inevitável. Um dia, lá na frente, poderá haver o retorno seletivo da contratação especializada para mais perto das áreas de negócio, voltando a fazer parte da gestão direta de um conjunto completo, investimentos, operações e seus recursos adquiridos do mercado.
Armando Cavanha F. é professor da FGV/MBA