Opinião

A polêmica do gás natural não convencional e a falta de gás

Por Redação

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A polêmica sobre o gás natural não convencional é novidade. Faz eco a discussões feitas nos EUA há oito anos. A precaução foi o que motivou o deputado Sarney Filho, que propõe uma moratória de cinco anos à exploração de gás de folhelho. O estopim foi a 12ª Rodada da ANP com foco em gás natural. A eleição de 2014 deve trazer a moratória, ou até o banimento da lavra não convencional, à pauta política. Antes de qualquer radicalização, vale não esquecer que, sem gás, o Brasil pode até crescer, mas terá uma matriz energética “manca”, poluidora e cara.

Depois do pré-sal, se poucas dúvidas existem quanto à mudança de status do país – da precária autossuficiência a exportador líquido de óleo – o mesmo não ocorre com o gás natural. Hoje, falta gás ao Brasil e seu preço é elevado. Pior, o que veio a mais, foi capturado pelas térmicas. O abastecimento foi assegurado a alto custo. A indústria química, que apostou no gás em complemento a uma nafta escassa e cara, é a mais prejudicada. Seguem a cerâmica, o vidro e a indústria de alimentos que, por sua vez, substituíram o óleo combustível pela qualidade do produto final e ambiental que o gás proporciona. Matéria-prima e energia caras impedem a expansão. Não é à toa que a química brasileira anda de lado faz tempo.

Quanto à disponibilidade, metade do que é consumido é importado. O Gasbol opera a plena capacidade e crescentes importações de GNL complementam a oferta. O resultado pode ser visto nas contas externas. A despesa com a importação de gás natural só não é maior que a despesa com óleo diesel. Observe que a soma das importações de gás natural e nafta supera as importações de óleo diesel e gasolina. Matéria-prima e energia caras diminuem a capacidade da indústria nacional de competir, mesmo no Brasil. O saldo comercial do setor químico diz tudo: US$ 32 bilhões de déficit em 2013.

Foi para suprir a carência da fonte energética, que ganhou mais destaque depois de 1970, que a 12ª Rodada foi realizada. O objetivo era abrir fronteiras exploratórias, levar para o interior a atividade de prospecção e gerar conhecimento sobre as bacias terrestres, com atenção para o gás. Mas, nisso tudo, e o gás não convencional? Onde ele entra? Surpreendentemente, em lugar nenhum. No Brasil, não existe esse tipo de gás, nenhuma descoberta comercial foi feita e, para os próximos anos, pouco se espera. Reproduzir a revolução norte-americana não passa pela cabeça de ninguém.

Foram derrubadas, contudo, numerosas liminares para viabilizar a licitação. A proposta de uma moratória legal tem o mesmo sentido. Em dezembro de 2013, decisão de justiça monocrática embargou qualquer atividade que vise uma descoberta não convencional no Piauí. Em junho, foi do Paraná a determinação: nenhum contrato pôde ser assinado com os vencedores do leilão.  Em ano de eleição, há margem para confusão. O “fraturamento” é uma tecnologia convencional que, com os poços horizontais e a modelagem computadorizada dos reservatórios, deu origem à inovação.

É o “fraturamento” hidráulico que é questionado.  Ora, quanto menos porosa e permeável é uma rocha, maior a necessidade da operação. Se a técnica for banida, a produção local em reservatórios fechados e em campos maduros não ocorrerá. Outra confusão é a proibição na França, sempre lembrada. Enfatiza o ambiente, mas, esquece o principal: a posição do agricultor (determinante para o legislador) de não titubear entre vinhas e girassóis, ou dezenas de sondas e cavalos de pau.

Uma terceira confusão vem das ciências da terra. O óleo de xisto é produzido há décadas em São Mateus do Sul. São usadas técnicas de mineração; blocos são retirados e tratados numa retorta, para extrair o óleo. Nos EUA, a produção provém de outra rocha, o folhelho. Esse aproveitamento é recente e ocorreu a partir de técnicas petrolíferas. Em Alberta (Canadá), existe uma terceira fonte, a areia betuminosa; novamente são usadas tecnologias de mineração. Todas são não convencionais, mas diferentes quanto à fonte, à técnica de produção e ao dano ambiental.

A precaução é basilar na política ambiental e cabe ao Estado a proteção dos aquíferos. O fato de ser novidade, contestado por seus danos e de alta complexidade basta para o “fraturamento” ser avaliado em detalhe e só ser aprovado depois de definidos padrões operacionais específicos. É o estado de direito, se for decidido que estudos e regulamentos ainda não são suficientes. Ademais, no Brasil, vigora a livre convicção do magistrado. Mas daí a suspender os efeitos do leilão, configura-se mais uma confusão: tomar a parte pelo todo, e, neste caso, um apêndice. A probabilidade de descoberta não convencional é baixa e ainda menor é de extraí-lo. Melhor seria excluir a menção a este tipo de gás; continuaríamos sem ele e o interesse pela rodada não seria menor.

O gás é a fonte energética deste século, assim como o petróleo foi a do passado e o carvão, a do século 19. O impacto proporcionado pelo gás não convencional reforça essa percepção: um terço da recuperação dos EUA lhe é devido, assim como o renascimento do refino e da química do país. No Brasil, a oportunidade é o ultra-profundo, também pouco convencional porque na fronteira da tecnologia. O impacto, em encomendas de bens e serviço, será sentido nos próximos anos. Até a oferta de gás (associado ao petróleo do pré-sal) poderá ser ampliada a partir de 2022, mas, e até lá? Será que a indústria química e as demais dependentes do gás natural sobreviverão? Sem uma ponte, ou perspectiva de chegada, isso não ocorrerá. A descoberta do gás natural no interior do país é uma solução a ser tentada, e não postergada.

Luís Eduardo Duque Dutra é economista e professor adjunto da Escola de Química da UFRJ e Carlos Alberto Lopes
é economista e consultor

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