Opinião
Porque o Brasil precisa cada vez mais de termelétricas a gás - e porque nenhuma é construída
A coluna bimestral de Ieda Gomes
Há uma indisfarçável preocupação com o risco da falta de energia elétrica no Brasil, evidenciado pelos blecautes ocorridos em fevereiro. Para tentar minimizá-lo, tem-se recorrido ao despacho de termelétricas, a gás natural e outros combustíveis fósseis. De acordo com o ONS, no período de 1 a 7 de fevereiro as termelétricas nos sistemas S/SE/CO/NE funcionaram quase a plena carga e despacharam 13.900 MW médios, enquanto foram despachados 40.760 MW pelas usinas hidráulicas. As eólicas contribuiram com apenas 566 MW médios.
O sistema elétrico brasileiro caminha para uma acentuada necessidade de backup termelétrico. Como não se pode mais construir hidrelétricas com reservatório, e com o agravamento dos períodos de seca, essas usinas estão perdendo a capacidade de regularização que tinham no passado. Por outro lado, os últimos leilões A-3 e A-5 têm se caracterizado por uma grande oferta de eólicas, de suprimento intermitente. Em 2013, de 5.639 MW ofertados, 3.204 MW (56%) são eólicos. As eólicas em operação apresentaram uma geração verificada média anual de 25% a 47%.
Assim, a seca e a diminuição das usinas com reservatórios coloca em relevo a necessidade do uso de gás natural, tanto como backup como para geração de base. No entanto, a despeito das vantagens do gás, tanto no quesito eficiência como na questão ambiental, e do interesse de vários empreendedores, os leilões A-5 se notabilizam pela total ausência de usinas a gás. Suas regras não viabilizam os projetos. Em primeiro lugar, o preço médio ofertado no leilão A-5 em dezembro de 2013, de US$ 46/MWh, é muito baixo para cobrir os custos de capital e operação. Mesmo que a EPE o eleve para US$ 62,50/MWh (R$ 150/MWh), isso requereria um preço de gás da ordem de US$ 7,50/MMBTU, inferior ao preço do gás brasileiro, de US$ 12/MMBTU sem desconto, ou do gás boliviano, US$ 10/MMBTU no city gate. Além disso, as regras dos leilões são bastante restritivas, requerendo comprovação de reservas de gás e acesso à capacidade de terminais de GNL, que são atualmente de uso exclusivo da Petrobras. E mais: as plantas a gás são despachadas pelo ONS em função da disponibilidade hidrelétrica, mas, para ganhar o leilão, os licitantes não dispõem de espaço para incluir os custos fixos relativos à obrigação mínima de consumo de gás pelo comprador (take or pay), que pode variar de 80%-90% para gás canalizado a 100% para GNL. Os fornecedores de GNL não têm condições de aceitar contratos de 20-25 anos com flexibilidade total para o comprador, conforme requerido pelo modelo brasileiro. Essa flexibilidade custa caro.
A única térmica a gás construída nos últimos cinco anos, no Maranhão, é um projeto independente, com uma plataforma integrada entre produtor de gás e gerador de eletricidade. Infelizmente não foi possível replicar esse modelo em outras regiões do país.
Como os leilões não viabilizam projetos a gás privados e muito menos de contratos de longo prazo para importação de GNL, a Petrobras é obrigada a comprar gás liquefeito no mercado spot, cerca de US$ 17-18/MMBTU após regaseificação, e em alguns casos revender a US$ 4,56/MMBTU para as usinas do Programa Prioritário de Termelétricas (PPT). Até novembro de 2013 os custos de importação de GNL somavam US$ 2,8 bilhões (FOB). Se o GNL fosse adquirido em contratos de longo prazo com projetos de exportação norte-americanos, seriam economizados cerca de US$ 800 milhões ao ritmo de consumo de 2013. Caso os preços de venda do GNL sejam os preços baixos de gás do PPT, o buraco nas contas pode chegar a mais de US$ 2,5 bilhões. Não está claro se a Petrobras tem arcado sozinha com esses custos, ou se está ganhando na venda de energia elétrica, uma vez que opera boa parte das plantas do PPT.
Já que o Brasil vai aumentar cada vez mais sua dependência de gás natural para gerar eletricidade, faz-se imperativo que haja uma revisão total das regras dos leilões, para viabilizar projetos de suprimento tanto na ponta como na base. Seria importante estabelecer um diálogo com supridores de gás e empreendores privados para formatar um modelo realista e que viabilize investimentos.
A coluna de Ieda Gomes é publicada a cada dois meses
E-mail: ieda@energixstrategy.com