Opinião

A Portaria MME nº 455 e a estabilidade institucional do setor elétrico

Por Luiz Antonio Lemos é sócio e Marcelo Romanelli, do Villemor Amaral Advogados

Por Redação

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Grande parte dos agentes do setor elétrico foi surpreendida em 3 de agosto, quando o Ministério de Minas e Energia (MME), por meio da Portaria nº 455, alterou sensivelmente as regras referentes ao registro de Contratos de Compra e Venda de Energia Elétrica (CCVE), celebrados no Ambiente de Contratação Livre – ACL. Travestidos de meras diretrizes, os termos da portaria passaram a estabelecer, entre outros comandos, que, a partir de 1º de novembro de 2012, os CCVEs deverão ser registrados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) antes do consumo (início da entrega) da energia elétrica contratada.

Essas novas regras se contrapõem ao registro ex post, que sempre foi adotado pelo mercado. Na atual modalidade, é dado a compradores e vendedores o direito de proceder ao registro dos CCVEs celebrados no ACL até o nono dia útil do mês seguinte ao mês de entrega da energia. Essa prática permite que os agentes façam ajustes em suas contratações, a fim de evitar eventual penalização por insuficiência de lastro de venda, se são comercializadores, ou insuficiência de cobertura de consumo, se são consumidores.

Apesar da relevância temática, a portaria não era esperada pelo mercado, uma vez que os novos procedimentos de registro parecem não ter sido debatidos com os agentes do setor elétrico, tampouco com a CCEE e a Aneel, o que é prática comum no setor. A surpresa do mercado pode estar diretamente ligada à ausência de legitimidade do MME para regular o registro de CCVEs no ACL. Por mais que se diga que a portaria apenas estabelece diretrizes, é certo que ela vai muito além e constitui verdadeiro ato de regulação, ao estabelecer regras e prazos para o registro das operações na CCEE.

A instituição do novo modelo do setor elétrico, em 2004, criou um complexo conjunto de agentes institucionais, com competências e atribuições claramente definidas, a fim de promover estabilidade e segurança ao setor. Ao MME foram atribuídas competências específicas, tais como o estabelecimento de diretrizes para os leilões de energia, a celebração dos contratos de concessão e a expedição de atos autorizativos e a definição de garantias físicas dos empreendimentos.

Entre todas as competências conferidas ao ministério, não consta sua competência administrativa para intervir de maneira direta no ACL, definindo regras e prazos para registros de CCVEs na CCEE. Ao contrário: essa atribuição foi claramente delegada à Aneel por força da Lei nº 10.848/04 e do Decreto nº 5.163/04. Segundo esses diplomas legais, à agência incumbe o dever de editar (i) a Convenção de Comercialização, estabelecendo direitos e obrigações dos agentes; e (ii) os Procedimentos de Comercialização, que conterão as condições e prazos para o registro dos CCVEs na CCEE. O que significa que, na prática, os procedimentos de comercialização são propostos pela CCEE e aprovados pela Aneel.

Assim, nos parece que a competência para tratar de parte das matérias veiculadas pela Portaria nº 455 é da agência, não do ministério. A opção do legislador pela Aneel como autoridade legitimada para estabelecer regras referentes ao registro dos CCVEs não foi feita ao acaso. As agências reguladoras são entidades de Estado, não de governo, e são dotadas de independência e um corpo técnico especializado, a fim de equilibrar os interesses de todos os agentes do setor e propiciar um ambiente de negócios estável.

Apesar disso, tudo indica que a Aneel “ratificará” a portaria, aprovando alterações nos procedimentos de comercialização, de modo a dar eficácia às medidas editadas pelo MME. Ressalte-se, contudo, que qualquer ato da agência sobre esta matéria deverá ser precedido de audiência pública.

Independentemente dos impactos práticos que a alteração da dinâmica de registro do CCVEs trará no curto prazo, a lição que fica para o mercado é que a estabilidade institucional do setor elétrico precisa ser preservada no longo prazo. Essa estabilidade tem na consolidação da Aneel um de seus grandes alicerces, não estando apenas inserida no papel da agência, mas sendo, principalmente, a razão de sua existência.


Luiz Antonio Lemos é sócio e Marcelo Romanelli, Associado Sênior para a
área de energia e infraestrutura de Villemor Amaral Advogados

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