Opinião

Precisamos falar sobre a cessão onerosa

União cedeu à Petrobras um bem sujeito a severa restrição, mas cobrou da companhia o valor de um bem livre e desimpedido

Por Redação

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É comum escutar que vigoram três regimes petrolíferos distintos no Brasil: a concessão, a partilha e a cessão onerosa. Particularmente, discordamos dessa simplificação por entendermos que a cessão onerosa não constitui regime de outorga de direitos, mas sim um acordo casuístico firmado entre União e Petrobras para permitir o aporte de reservas no aumento do capital da companhia.
Por isso, desde sempre nos causou espanto que a Lei 12.276/2010 (Lei da Cessão Onerosa) tenha imposto um injustificável gravame sobre as reservas, ao proibir a Petrobras de ceder qualquer participação no Contrato de Cessão Onerosa. A limitação é ainda mais severa do que aquela prevista na Lei do Pré-Sal para os contratos de partilha, nos quais a Petrobras fica impedida de ceder tão somente sua participação mínima de 30%.
Não é mistério que os autores da lei buscavam reviver o monopólio da Petrobras, mas nos parece claro que, na formulação da lei, deixaram de lado alguns princípios elementares do direito.

Ratio legis
O primeiro diz respeito à ratio legis, a razão de existir do dispositivo legal. Em nenhum momento é apresentada justificativa para imposição de gravame tão severo sobre os direitos da Petrobras. A exposição de motivos da lei se limita a informar que “a Petrobras assumirá todos os riscos relativos às atividades exploratórias, que não poderão ser por ela cedidas ou alienadas”.

Ora, o que se impôs foi aquilo que Mário Henrique Simonsen, ex-Ministro da Fazenda, chamou de “monopólio do risco”, quando a União, além de participar da atividade petrolífera, impõe exclusividade. Trata-se de condição anacrônica comprovadamente prejudicial, indesejada até mesmo por grandes empresas privadas, que buscam em joint ventures o compartilhamento dos vultosos investimentos de capital de risco inerentes a projetos exploratórios de grande envergadura.

Ademais, é equivocada a crença de que as jazidas da cessão onerosa sejam livres de risco. São, na verdade, projetos complexos, com altíssima demanda de tecnologia e capital de risco. Não se questiona seu potencial, mas mesmo grandes jazidas estão sujeitas ao risco geológico, à complexidade de atravessar formações profundas (como a camada de sal), a quedas significativas dos preços do petróleo e às dificuldades de financiamento, situações dramáticas vividas pela Petrobras.

Questão financeira
Além dessas considerações, não é possível ignorar que, por aritmética elementar, esse gravame deveria pressupor a existência de uma contrapartida. Entretanto, aparentemente o legislador entendeu que a própria cessão já seria privilégio suficiente para justificar a imposição de tal limitação, esquecendo-se da natureza onerosa da mesma.

Em outras palavras, a União cedeu à Petrobras um bem sujeito a severa restrição, mas cobrou da companhia o valor de um bem livre e desimpedido. Em nenhum dos laudos que tratam da avaliação das jazidas é considerada a existência do gravame como fator de deságio. Trata-se de situação esdrúxula, que jamais seria aceita em uma transação livre.

É compreensível que, à época da lei, quando o barril beirava os US$100 e o país vivia a euforia das novas descobertas, não se tivesse dado a atenção devida ao tema. Mas não é possível que, na atual situação de crise vivida pela Petrobras, continue a se ignorar fato tão relevante.
A venda de uma parcela no Contrato de Cessão Onerosa teria potencial de retorno superior a todo o plano de desinvestimento anunciado pela Petrobras. Em outras palavras, a cessão parcial dessas jazidas permitiria que a Petrobras financiasse integralmente seu desenvolvimento e interrompesse o desmonte de outras áreas estratégicas, incluindo no setor de biocombustíveis e distribuição.

Em face dos eventos que, nos últimos anos, marcaram a Petrobras, constata-se que, ao contrário do que seria de se esperar, ela está pagando muito caro por ser estatal. Acabar com a vedação à participação de terceiros na cessão onerosa seria um bom início para destravar os obstáculos que tanto mal têm feito à companhia.

Fernando Xavier e Sandoval Amui são são sócios do Escritório Campos Mello Advogados

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