Opinião

Propina não é jabuticaba

O Brasil e a Petrobras não estão, entretanto, sozinhos nessa desventura

Por Redação

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A operação Lava Jato tornou público um esquema de corrupção baseado no pagamento de propinas por empresas interessadas no fornecimento de bens e serviços à Petrobras. As investigações, iniciadas em 2014, prosseguem ainda hoje e os responsáveis vêm sendo punidos, na medida da comprovação dos crimes cometidos. O escândalo envergonhou os brasileiros e ganhou repercussão internacional.

O Brasil e a Petrobras não estão, entretanto, sozinhos nessa desventura. A associação entre indústria petrolífera mundial e corrupção é conhecida desde muito antes da criação das Sete Irmãs e não seria exagero afirmar que as grandes empresas do setor prosperaram amparadas por recursos de origem, no mínimo, duvidosa. O que ocorreu no passado se dá ainda hoje e os desvios de conduta permanecem presentes nos negócios da indústria do petróleo.
O site agregador de notícias The Huffington Post, dos EUA, e a rede Fairfax Media, da Austrália, publicaram, em março deste ano, um relatório sobre o que já está sendo considerado o maior escândalo de corrupção em negócios de petróleo, em todo o mundo. Foram muitos meses de investigação, baseada no vazamento de documentos confidenciais de uma empresa de lobby sediada na Europa, que mantém, há quase duas décadas, relações suspeitas com os meios empresariais e políticos do setor e com importantes instituições financeiras internacionais.

O relatório revela a corrupção generalizada que ocorre em países ricos em petróleo do Oriente Médio, África e Ásia. Relaciona, também, as empresas fornecedoras de bens e serviços que participaram das fraudes, todas elas multinacionais do setor e velhas conhecidas nossas. O processo envolvia o pagamento de propinas a governos, agentes públicos e executivos locais, em troca da adjudicação de contratos de construção e de fornecimento de materiais e equipamentos. A partir dessas revelações, foi iniciada uma investigação conjunta, reunindo o Departamento de Justiça e o FBI, dos EUA, a Agência Nacional Anti-Crime, da Grã Bretanha, e a Polícia Federal da Austrália. Os detalhes do escândalo constam da publicação The Bribery Factory (A fábrica de propinas), disponível na internet.

A América do Sul e o México ficaram à margem do esquema, talvez porque já tivessem implantado metodologias próprias. A corrupção não parece ser um problema nacional ou cultural, mas, sim, um fruto da imperfeição humana, devotado a ludibriar os arcabouços regulatórios, legais e morais de todos os países. O que diferencia as nações é a perseverança no combate ao crime e o grau de impunidade presente em cada país.

Pelo que se conhece da História, o Brasil convive com a corrupção desde o descobrimento. As figuras do “jeitinho brasileiro”, “é dando que se recebe” e “deve-se levar vantagem em tudo” caracterizam bem o espírito utilitarista que dominou os ambientes políticos e empresariais desde o período colonial. Foram 500 anos de impunidade quase absoluta. O compositor Chico Buarque, em sua resistência ao autoritarismo das décadas de 60 a 80, retratou, com perfeição, as “tenebrosas transações” daquela época e a impunidade do “malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal”.

O Brasil do século 21 está escrevendo uma história diferente. Embora as fraudes e desvios continuem ocorrendo, a legislação e os órgãos de controle foram fortalecidos, permitindo a investigação, o julgamento e a punição dos corruptos, independente de sua posição social e de seu poder político. Nunca a Polícia Federal e o Ministério Público foram tão efetivos e jamais a Justiça promoveu a condenação e a prisão de tantos poderosos como nos últimos dez anos. A impunidade deixou de ser favas contadas para os criminosos de colarinho branco.

O que aconteceu com a Petrobras deixou a Nação entristecida, mas teve o seu lado positivo ao conscientizar o brasileiro comum da importância do combate à corrupção. Espera-se que a transformação em curso oriente as ações de nossos dirigentes e empresários para a construção de uma sociedade mais ética, mais justa e mais solidária.

Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobras. Também ocupou cargos de direção no Ministério de Minas e Energia e no Ministério do Planejamento, de 1991 a 2005. Atualmente, exerce a função de Mediador Extrajudicial na Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CCMA/RJ. 

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