Opinião
A próxima crise
A indústria de O&G precisa reconhecer o impacto dessas mudanças e se preparar para delas se beneficiar e não a elas resistir
A indústria de óleo e gás ainda está se recuperando do impacto causado pelo excesso de oferta de petróleo, cujo fim ninguém arrisca prever. Por que, então, especular sobre uma próxima crise? Acontece que os tempos estão mudando e a indústria não tem um histórico muito bom de adaptação a grandes mudanças.
Há dez anos, os carros elétricos eram considerados um sonho distante. Hoje, eles são produzidos em série pela Tesla, nos EUA, e dezenas de outras corporações estão investindo bilhões para produzir veículos com autonomia de 200 a 300 milhas. Os primeiros modelos estarão no mercado em 2018, a custos da ordem de US$ 35 mil. A tecnologia de baterias evolui vertiginosamente e produz unidades com maior capacidade, mais leves e cada vez mais baratas. O ano de 2015 foi de vendas recorde para a Tesla, que está expandindo sua produção de 50 mil para 500 mil carros por ano.
Cada carro elétrico economizará 30 barris de combustível por ano e a eletricidade a ser consumida virá de fontes variadas e não apenas de hidrocarbonetos. O maior impacto será a redução do consumo de gasolina, afetando refinarias e empresas de distribuição, de forma permanente. A indústria de O&G, entretanto, ainda não reconhece esta ameaça. Empresas como Exxon e Conoco, além da própria Opep, apostam que a taxa de adoção será baixa e que o número de carros elétricos não será superior a 1% do total até 2050.
Muitas indústrias desapareceram por desprezarem os efeitos que novas tecnologias teriam sobre os seus negócios. A Kodak é um caso marcante, sucumbindo à realidade da fotografia digital, enquanto a Xerox, no sentido oposto, percebeu a ameaça e reinventou-se, reconhecendo o fim da fotocopiadora assim que o scanner surgiu no mercado. Há enormes mudanças em curso no século 21 e a tecnologia avança rapidamente. É melhor que a indústria de O&G acompanhe as novas tendências e se adapte a elas, para não se tornar a próxima Kodak do mundo. Carros elétricos são apenas uma das ameaças; outras virão com o rápido desenvolvimento da energia verde, principalmente eólica, solar e geotérmica.
Outro exemplo de como a tecnologia surpreendeu a indústria é a exploração econômica de óleo e gás de xisto nos EUA. Sempre descartada por seu custo, tornou-se viável com o petróleo a US$ 100/barril, iniciando um ciclo que elevou a produção norte-americana em 4 MM de bpd em apenas 6 anos. Curiosamente, a indústria do xisto tornou-se vítima de seu próprio sucesso, ao contribuir para o excesso de oferta que sustentou a queda de preços iniciada em 2014. Mostrou, no entanto, uma extraordinária resiliência aos preços baixos e, mesmo a US$ 40/barril, uma parte do óleo de xisto
permanece comercialmente viável e a maioria dos produtores continua a perfurar e a produzir petróleo.
O mapa de acumulações de xisto no mundo mostra potenciais de produção por prazo bastante longo. Mesmo que se proíba o fraturamento hidráulico, existem outros processos de produção capazes de manter o preço do petróleo em níveis baixos por um longo período de tempo. A China, a Argentina e o Reino Unido trabalham arduamente na exploração do seu potencial de xisto, mesmo neste cenário de preços deprimidos.
Cabe aqui uma constatação importante: os novos projetos de E&P em águas profundas tornar-se-ão irremediavelmente antieconômicos, a menos que encontrem uma forma de reduzir os custos de capital e de extração. Os bilhões de dólares investidos em projetos offshore, complexos e caros, estarão condenados se a indústria não diminuir significativamente esses custos.
A indústria de O&G precisa reconhecer o impacto dessas mudanças e se preparar para delas se beneficiar e não a elas resistir. Reduções de custos e desenvolvimentos específicos serão, uma vez mais, os caminhos a seguir. O Brasil tem boas oportunidades neste cenário: eletricidade de fontes limpas, produção de energia verde e reservas de xisto por explorar são algumas delas. O maior desafio, no caso brasileiro, será encontrar saídas tecnológicas e de gestão para reduzir os custos de exploração e produção do pré-sal.
Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobras. Também ocupou cargos de direção no Ministério de Minas e Energia e no Ministério do Planejamento, de 1991 a 2005. Atualmente, exerce a função de Mediador Extrajudicial na Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CCMA/RJ