Opinião
Tributação do afretamento internacional – As multas da Petrobras
Apesar dos incentivos fiscais previstos na legislação do país, a relação entre a Receita Federal e o setor de óleo e gás não tem sido pacífica. A primeira querela surgiu quando a Receita Federal passou a entender que as plataformas de petróleo não se enquadrariam no conceito de “embarcação” e que, portanto, não teriam direito à alíquota zero do imposto de renda.
Depois, a Receita Federal passou a entender que as operadoras (e principalmente a Petrobras) contratavam serviços das empresas estrangeiras e que não fazia sentido existir um contrato de afretamento a casco nu de embarcações.
Mais recentemente, e de forma a tentar uma revogação oblíqua do benefício da alíquota zero do imposto de renda, a Receita elaborou sua interpretação anterior, e passou a questionar a proporcionalidade entre o preço do afretamento remetido à proprietária da embarcação no exterior e o preço do serviço pago no Brasil à empresa operadora. De acordo com esta interpretação, parte do valor remetido para a proprietária estrangeira da embarcação a título de afretamento a casco nu comportaria, na verdade, uma parcela referente a serviços, pelo que deveria ser tributada como importação de serviços. Neste caso, numa parcela do fee de afretamento sobre o qual antes não incidiam quaisquer impostos, deveria agora incidir não só IRRF como também PIS, Cofins, Cide, IOF, e ISS – totalizando 39,63% de impostos antes inexistentes; lembrando que a prescrição da obrigação fiscal ocorre em cinco anos da ocorrência do fato gerador, os prejuízos potenciais podem atingir cifras inimagináveis.
Esta vertente ainda é segregada em diferentes autos de infração, alguns considerando que os juros de empréstimos entre empresas do mesmo grupo não seriam dedutíveis para fins fiscais na empresa brasileira, outros considerando que os reembolsos de despesas entre as empresas brasileira (prestadora de serviço) e estrangeira (proprietária da embarcação) deveriam ser submetidos à tributação.
Essa insistência em tributar as remessas ao exterior a título de afretamento de embarcações demonstra de forma clara que as autoridades fiscais federais não concordam com os mecanismos criados pelo governo federal para estímulo da indústria.
Esta querela já rendeu à Petrobras multas no valor de R$ 13,7 bilhões. E como se a posição das autoridades fiscais já não fosse suficiente para desestimular qualquer empresa séria de investir no Brasil, a Petrobras agora vem notificando as suas prestadoras de serviços e afretadoras de embarcações, dando-lhes conhecimento de que repassará o custo tributário dos autos de infração.
Ainda se essas multas fossem legítimas, o que a Petrobras parece esquecer é que, se os seus prestadores de serviços tivessem tido conhecimento dessa carga tributária quando do cálculo de seus preços, ela teria sido embutida nos mesmos. Para fazer face a uma carga tributária adicional de 39,63%, os prestadores de serviços teriam de aumentar seu preço final em 65,65%, visto que, além de embutir os valor dos impostos, eles teriam de contar com o aumento da base tributável, e consequentemente do imposto total a ser pago. O único beneficiário desses incentivos é a própria Petrobras.
Além disso, a pretensão da Petrobras é juridicamente insustentável, visto esbarrar imediatamente (i) no principio legal e contratual que determina o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, e (ii) na clausula contratual que determina a revisão do preço em virtude de alteração na legislação vigente ou na interpretação dessa legislação. Ou seja, em quaisquer dos casos a Petrobras exigirá que as empresas prestadoras de serviços e afretadoras de embarcações reembolsem os tributos exigidos pela Receita Federal, mas, por outro lado, as empresas exigirão o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato ou a revisão do preço do mesmo por não terem considerado tais valores em suas propostas de preço.
Em vista do exposto, a Petrobras vem tentando buscar aliados para transformar tais cobranças em uma questão política a ser resolvida com alguma salvação através de medida legislativa (remissão e/ou anistia).
E a Petrobras não está errada em exigir essa salvação legislativa, eis que a lei que instituiu o benefício da alíquota zero do imposto de renda está em vigor e o que a Receita Federal vem tentando fazer é, nada mais, nada menos, que uma revogação oblíqua ou indireta do mecanismo que veio para estimular a indústria do petróleo.
Maurício Terciotti e Bashir Karim Vakil são advogados e sócios do escritório Karim Vakil & Cruz Vizaco