Opinião
Vencimento das concessões do setor elétrico
Em sua coluna de estreia, Jerson Kelman analisa as ações sobre o vencimento das concessões elétricas em 2015
Usei os quatro meses da quarentena, após o fim de meu mandato, para fazer uma reflexão sobre diversas questões conceituais que tive de enfrentar como o principal dirigente de duas agências reguladoras, a ANA e a Aneel. Materializei essas análises num livro dividido em 25 capítulos, que deve ser publicado em breve. Um dos capítulos trata do mesmo assunto do presente artigo – o vencimento das concessões do setor elétrico –, que estudei para poder atuar como representante da Aneel num grupo de trabalho do CNPE. Nas reuniões do grupo das quais participei, estávamos na fase de identificar o marco legal e de enunciar o problema. Não se discutia as alternativas de solução. Assim, a visão que apresento aqui, e com mais profundidade no livro, traduz apenas o meu entendimento, amadurecido na calma da quarentena. E não a tendência do grupo de trabalho.
Meu primeiro contato com o tema ocorreu em novembro de 2005, durante uma reunião pública da diretoria da Aneel em que se tratava de instruir um processo para decisão do MME relativo à renovação da concessão de algumas hidrelétricas da Cemig, entre elas, Emborcação (1.193 MW). O interessante é que, naquela particular circunstância, não se percebia nenhum impedimento legal (Lei 9.074/95, art. 19), e toda a discussão focou a conveniência da prorrogação. Tive dúvidas. No debate, gravado e transmitido pela internet, declarei não me sentir à vontade para entregar um pedaço da usina de Emborcação que já pertencia a algum brasileiro humilde para os acionistas da Cemig”.
Essa minha primeira percepção coincidiu com a opinião da maioria dos estudiosos do assunto: como os investimentos nas hidrelétricas com concessões expirantes já foram total ou parcialmente amortizados pelos pagamentos feitos pelos consumidores ao longo dos anos, a diferença entre o preço de venda da energia e os correspondentes custos de produção (tudo considerado) deveria beneficiar todos os consumidores – sem exceção –, e não os acionistas da concessionária. Aliás, sem nenhuma saudosismo, era o que ocorria no passado: a tarifa de energia era calculada pelo custo do serviço e diminuía quando os ativos eram amortizados. Raciocínio parecido se aplica às concessões de transmissão, que mantiveram a receita “blindada” a revisões tarifárias para os ativos antigos.
A situação, porém, é bastante diferente para as concessões de distribuição. Primeiro, porque exigem investimentos contínuos. Segundo, porque são periodicamente submetidas a revisões tarifárias, que teoricamente asseguram o equilíbrio econômico-financeiro da concessão, não da empresa. Mas o artigo 175 da Constituição não distingue as concessões de distribuição das demais. Diz que é preciso ganhar uma licitação para ser concessionário de serviço público e atribui à legislação ordinária a tarefa de disciplinar as prorrogações.
Trata-se de forte restrição constitucional, cuja solução mais simples seria a transferência do controle acionário das atuais concessões simultaneamente com a outorga de novas concessões. É o que permitem os artigos 27 e 30 da Lei 9.074, examinados e “aprovados” pelo STF. Essa, porém, é uma opção que o governo Lula tem toda a legitimidade para descartar.
As demais soluções são mais complexas. Mas não impossíveis. E talvez se possa fazer desse limão duas limonadas. A primeira: reduzir as energias asseguradas das usinas para o novo período de concessão, independentemente de quem venha ser o concessionário. O propósito seria aumentar a segurança do sistema, em vantajosa substituição à contratação de energia de reserva. A mesma providência poderia ser aplicada caso o Poder Público decidisse pela prestação direta do serviço.
Significaria o uso da energia assegurada remanescente para melhor servir ao interesse público e a contratação de empresas especializadas – talvez as atuais concessionárias – para a operação das usinas. A segunda “limonada”: amalgamar as pequenas ilhas de concessão ou de permissão de distribuição que atualmente oneram os consumidores por insuficiência de escala.
Entre os que debatem esse difícil assunto, penso que haja convergência no entendimento de que uma solução é urgentemente necessária, e que essa solução não deve introduzir sinais econômicos equivocados que perturbem o funcionamento do mercado de energia elétrica.