Mercado de GNV aposta no segmento de transporte pesado para voltar a crescer

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Mercado de GNV aposta no segmento de transporte pesado para voltar a crescer

Puxado por veículos leves, mercado estagnou, mas, com avanço do segmento de caminhões e ônibus urbanos movidos a gás, companhias estaduais de fornecimento de combustível investem em novos postos para melhorar infraestrutura

Por Liana Verdini

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Coleta de resíduos em Campo Grande (MS): desde 2019 a Scania já vendeu mais de 1.500 caminhões da linha a gás no país (Foto: Divulgação)

O consumo de gás natural veicular, o GNV, no Brasil está em queda desde 2022. De acordo com dados do boletim mensal de maio último Acompanhamento da Indústria de Gás Natural do Ministério de Minas e Energia, a demanda automotiva passou de 6,20 milhões de m³/dia, em média, em 2022 para 4,17 milhões de m³/dia esse ano.

Para a Abegás, associação que representa as distribuidoras de gás canalizado, fatores como pandemia, adoção do trabalho remoto e aumento do preço do gás contribuíram para a estagnação do consumo de GNV em veículos leves (veja entrevista do gerente técnico da Abegás, Gustavo Galiazzi, para a Brasil Energia).

Mas, apesar desse movimento contínuo, as distribuidoras de gás apostam na reversão dessa tendência nos próximos anos. O novo foco do setor é o segmento de veículos pesados – caminhões e ônibus urbanos, que já começam a contar, também, com a aposta das montadoras.

A Scania Brasil colocou no mercado caminhões movidos a gás natural e/ou biometano já saídos de fábrica com essa configuração. De acordo com Daniel Bandeira, gerente de Vendas de Soluções de Transporte da Scania Operações Comerciais Brasil, desde 2019 a Scania já vendeu mais de 1.500 caminhões da linha a gás no país, sendo mais de 150 para a coleta de resíduos sólidos.  Em julho, a montadora entregou três caminhões modelo G 280 XT 4x2 movidos a GNV para a Solurb, concessionária de limpeza de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, onde também está sendo testado um ônibus de transporte urbano movido a gás.

A Iveco também está nessa corrida e se posiciona como líder global em soluções de energia alternativa e única fabricante a oferecer tecnologia a gás natural em toda a sua linha de veículos leves, médios e pesados.

Os planos de investimentos das distribuidoras

Para aproveitar o crescimento desse segmento, as distribuidoras de gás fizeram um mapeamento das lacunas no abastecimento entre o Ceará e o Rio Grande do Sul que pudessem impedir a expansão do uso de veículos pesados movidos a gás nas estradas brasileiras. E já planejam novos investimentos na ampliação da infraestrutura de abastecimento.

No eixo Norte/Nordeste, a Copergás, que tem o maior mercado de GNV da região – a empresa vendeu 361,1 mil m3/dia para 134 postos - está construindo uma rota de abastecimento contínua que vai ligar Pernambuco de ponta a ponta, integrando-se, em parceria com outras distribuidoras nordestinas, a um corredor sustentável que conectará todo o Nordeste pelo interior. A BR-101 já conta com cobertura, e o próximo passo é consolidar a infraestrutura no eixo interiorano.

A Bahiagás, que abastece 93 postos de GNV com média de 291 mil m3/dia de GN, também vem trabalhando na implantação dos "corredores sustentáveis" no estado, principalmente para o abastecimento dos veículos pesados, seja com o GNV ou biometano. A empresa, maior do Nordeste em volume distribuído e terceira do país, vendeu a média de 4,5 milhões de m3/dia até julho.

Posto de GNV em Pernambuco

Com maior mercado de GNV do Nordeste, Pernambuco tem 134 postos abastecidos pela Copergás (Foto: Divulgação)

No Rio Grande do Norte, a Potigás, com volume distribuído de 124 mil m3/dia para 55 postos, trabalha na interiorização do gás e também aposta no segmento de frota pesada.  A estratégia envolve tanto a articulação com a rede de postos, quanto a aproximação com empresas locais interessadas na substituição ou compra de caminhões a GNV. Está em discussão no estado a chamada tarifa frotista, que permitirá às empresas dispor de posto de abastecimento em suas próprias garagens. A expectativa é de que a agência reguladora estadual (Arsep) aprove essa tarifa até o final do ano. A companhia também mantém tratativas com a Prefeitura de Natal e com empresas de ônibus a GNV para a realização de um teste na capital.

A Cegás, que distribui 111,7 mil m3/dia para 66 postos no Ceará, também investe para desenvolver corredores sustentáveis em parceria com os demais estados nordestinos. Além disso, neste ano, realizou teste operacional de caminhão 100% movido a GNV com até 15% de biometano no trajeto Fortaleza–Sobral–Fortaleza, em parceria com Scania e Tijuca Alimentos. Os resultados foram considerados promissores. Agora, a companhia está em negociação com a Etufor (transporte urbano de Fortaleza) para testar o uso de ônibus movidos a gás natural urbano, a ser aplicado em rotas específicas do município.

Em Alagoas, a Algás vende quase 60 mil m3/dia de GNV para 33 postos e pretende inaugurar, no fim do ano, o primeiro posto do estado com área de abastecimento de GNV apropriado para veículos pesados, na BR 101, segundo o diretor comercial da empresa, Fábio Morgado.

Na Paraíba, onde o governo do estado implementou incentivos tributários, como a redução da alíquota de ICMS, a PBGás prevê uma retomada gradual do segmento, impulsionada principalmente pela consolidação do uso do GNV em frotas de veículos pesados. Hoje a distribuidora atende 35 postos, com consumo médio de 47 mil m3/dia.

Cegás faz testes com caminhão movido a GNV  e biometano

Cegás faz testes com caminhão movido a GNV com 15% de biometano (Foto: Divulgação)

No Amazonas, do total de 5,5 milhões de m3/dia de gás, distribuído em grande parte para o consumo termelétrico, o mercado automotivo representa apenas 20 mil m3/dia, vendidos a oito postos. Para estimular o segmento, a distribuidora Cigás oferece bônus, por meio de cheque nominal, aos motoristas que converterem e comprovarem a regularização dos veículos. Segundo a Cigás, de 2021 a 2025 já foram aportados R$ 2,097 milhões na iniciativa, incentivando a conversão de mais de 450 veículos.

No Sudeste, a Naturgy, que atua na distribuição de gás canalizado no estado do Rio de Janeiro e no sul do estado de São Paulo, investiu em 2024 cerca de R$ 15 milhões para conectar 40 novos postos, levando o combustível a novas regiões do estado do Rio. Em 2025 já foram conectados mais 12 novos postos, com investimento de R$ 6,5 milhões.

Hoje, o Rio de Janeiro é líder em GNV, com aproximadamente 1,7 milhão de veículos leves convertidos e mais de 750 postos instalados, que consomem a média de 2,3 milhões de m3/dia. De acordo com a Naturgy, o estado possui a maior frota adaptada para gás do país e cerca de 46% dos postos de GNV do Brasil. E o objetivo é continuar avançando. Já foram anunciados investimentos da ordem de R$ 300 milhões para o projeto dos Corredores Sustentáveis, para viabilizar o transporte de carga e de passageiros movidos a GNV. 

O mapeamento do consumo também vem norteando a abordagem estratégica da Necta, responsável pela distribuição na região noroeste do Estado de São Paulo, abrangendo 375 municípios. De acordo com José Eduardo Moreira, CEO da Necta, para impulsionar o mercado de GNV, foi desenvolvido um plano de contratação de postos em locais estratégicos, alinhado à autonomia dos caminhões movidos a gás. Esse plano está conectando produtores de biometano, embarcadores, transportadoras, postos de abastecimento e montadoras de caminhões, com a perspectiva de elevar a demanda do setor automotivo dos 10,5 mil m3/dia em 2024 para 15 mil m³/dia este ano. A Necta opera atualmente 12 postos de GNV, vai inaugurar mais três até o final do ano e tem a meta de chegar ao total de 20 até 2026.

Em Minas Gerais, a Gasmig, que tem 67 postos com demanda de 58 mil m3/dia de gás automotivo, também está investindo na expansão de corredores de GNV. Já funcionam plenamente os corredores Belo Horizonte-Rio, com três postos de abastecimento em operação, o Rio-Bahia, com cinco postos operando na BR 116 no estado mineiro, e o corredor Vitória, com quatro postos funcionando e um em manutenção. O corredor Fernão Dias já tem quatro postos de abastecimento em pleno funcionamento e um último com previsão de entrega em junho de 2026.

A Compagás, distribuidora do Paraná, tem como principal projeto de expansão incentivar o uso do GNV no transporte pesado, através dos corredores sustentáveis. A empresa comercializa, em média, 47 mil m3/dia para 33 postos, dos quais 11 estão preparados para atender especialmente caminhões movidos a gás. Em parceria com o Governo do Estado e com prefeituras de cidades estratégicas, a empresa realizou testes em quatro cidades - Curitiba, São José dos Pinhais, Ponta Grossa e Londrina - com um ônibus 100% movido a gás - em Londrina com biometano, onde a rede local deve estar pronta no fim do ano. No transporte de cargas, a Compagas já tem uma rota em operação ligando Londrina a Paranaguá, permitindo que caminhões que trafegam entre os estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná utilizem o GNV. Para 2025, estão previstas novas rotas, que ampliarão o atendimento a esse eixo logístico, especialmente voltado à exportação via Porto de Paranaguá. Além disso, estão sendo fortalecidas as conexões rodoviárias com estados vizinhos, integrando o Paraná às rotas nacionais de transporte movido a gás. Dois novos postos, em Ponta Grossa e Campina Grande do Sul, serão interligados ainda este ano.

Em Santa Catarina, a SCGás, que atende 127 postos com consumo de 137 mil m3/dia de GNV, vai continuar ampliando a infraestrutura e a oferta de postos de alta vazão ao longo das principais vias de escoamento da produção estadual e do transporte de cargas interestadual, com prioridade às BRs 101, 116, 280, 282 e 470. A distribuidora já desenvolve ações de incentivo ao segmento, como a criação, junto com a agência reguladora estadual (Aresc), de dois novos segmentos tarifários – o Distribuidor GNC/GNL (TG5), para dotar infraestrutura de gás e atendimento direto às empresas de distribuição de gás natural comprimido ou liquefeito; e o Frotista GNV (TG6), voltado para as empresas de transporte de cargas e/ou de passageiros. E firmou, com o BRDE, um Acordo de Cooperação Técnica que prevê aporte de linhas de crédito para aquisição de caminhões 100% GNV; transformação veicular; instalação kit Diesel Dual Fuel (DDF); instalação de postos de GNV de alta vazão e de estações de abastecimento intramuros de alta vazão para frotistas.

Posto de GNV para veículos pesados da Necta

Posto da Necta: plano da empresa é elevar a demanda de GNV dos 10,5 mil m3/dia em 2024 para 15 mil m3/dia em 2025 (Foto: Divulgação/Necta)

No Rio Grande do Sul, a Sulgás distribui 126,5 mil m3/dia de GNV para 98 postos, dos quais 14 estão em posições estratégicas para o atendimento à frota de veículos pesados dentro dos Corredores Verdes, que envolvem as principais rotas de escoamento rodoviário de produtos e produção do RS. A distribuidora também trabalha junto ao Governo do Estado e à Assembleia Legislativa a favor de um projeto de lei que contemple incentivo ao uso de veículos pesados movidos a GNV/Biometano, por meio da redução da alíquota do IPVA. Outra iniciativa é a viabilidade do abastecimento em garagem da frota de caminhões movidos à GN da Reiter Log, fornecendo o combustível em antecipação à chegada da rede.

A estagnação dos veículos leves

O mercado de GNV floresceu onde havia gás canalizado para suprir os postos. A infraestrutura expandiu-se no início dos anos 1990 para atender a frota de veículos leves que investiu na conversão de motores a combustível líquido para gás natural. Depois, estagnou.

Gabriel Kropsch, diretor do Comitê Nacional do GNVGabriel Kropsch (foto), diretor do Comitê Nacional do GNV – que congrega Firjan, Senai, Sindirepa, Sindicomb, RJPostos, Abiogás e outras entidades do setor –, explica que o segmento congelou após expandir-se ininterruptamente por 10 a 15 anos. Ficou restrito aos veículos que rodavam mais de 100 quilômetros diários e concentrou a infraestrutura nas cidades de maior porte.

Hildo Braga, presidente do Sindicato dos Taxistas Autônomos do Município do Rio de Janeiro (STAMRJ), confirma que o GNV sempre foi vantajoso para quem roda muitas horas diárias. Mas um conjunto de fatores, como a alta no preço por metro cúbico, a redução de postos de abastecimento e a instabilidade na política de preços, diminuíram essa vantagem.

"Hoje ainda pode valer a pena converter o veículo para quem roda grandes distâncias diariamente. Mas para trajetos curtos ou baixa quilometragem, o custo-benefício já não é o mesmo", avalia Braga.

Kropsch reforça essa análise com dados concretos: o retorno do investimento na instalação do kit gás em veículos leves saltou de 3-4 meses no passado para mais de 12 meses atualmente, mesmo para carros de alta rodagem. Por isso, a participação do GNV manteve-se limitada a 2% do mercado de transportes.

Mas ele ressalta que uma combinação de acontecimentos está impulsionando a retomada do mercado de GNV: a modificação da composição acionária das distribuidoras, com a saída da Petrobras da maior parte delas, a aposta das montadoras de veículos pesados e a retomada de investimentos em infraestrutura.

E nas localidades sem gás canalizado, o biometano surge como alternativa viável. Já são quase 40 usinas de produção de biometano registradas na ANP, muitas em estados não supridos por gasoduto, e outro tanto aguardando a aprovação da agência para ingressar com produção comercial.

Para Kropsch, o biometano permitirá o escoamento da produção agrícola para os portos por meio de caminhões movidos a gás, criando uma nova dinâmica logística para o agronegócio brasileiro.

 

*Não enviaram informações solicitadas pela reportagem as distribuidoras Comgás, ESGás, Sergás e MSGás. 

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