Revista Brasil Energia | Hidrelétricas, Água e Sustentabilidade
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O papel das UHEs estruturantes da Amazônia
Apenas quatro usinas da Amazônia respondem por mais de 10% da carga do país. Elas operam para poupar os reservatórios do Sul e equilibrar a carga. Mas enfrentam, ano após ano, secas cada vez mais intensas nos rios Madeira, Xingu e Teles Pires, afluente do Tapajós
O dia 27 de novembro de 2024 representou uma data significativa no contexto do Setor Elétrico Brasileiro (SEB): naquela data, cinco anos antes, o consórcio Norte Energia acionava a última das 18 turbinas do complexo hidrelétrico Belo Monte, completando a capacidade de projeto da maior usina 100% brasileira. Belo Monte tem capacidade de 11.233 MW, incluídos os 233 MW das seis turbinas tipo bulbo da casa de força complementar da UHE Pimental, instaladas no canal de fuga do chamado trecho de vazão reduzida do rio Xingu.
Com a conclusão de Belo Monte, ficava pronto o conjunto do que foi socioambientalmente viabilizado das chamadas usinas estruturantes da Amazônia, representadas em termos macro, além da gigantesca usina do Xingu, pelas UHEs Jirau (3.750 MW) e Santo Antônio (3.568 MW), formadoras do chamado Complexo do Madeira, e ainda pela UHE Teles Pires (1.820 MW), para ficar apenas nas usinas com mais de mil MW de capacidade. Das três últimas, Santo Antônio foi inaugurada em 2012 e as outras, em 2016.
Com a conclusão em 2019 da gigantesca Belo Monte, de 11.233 MW, ficava pronto o conjunto das chamadas usinas estruturantes da Amazônia (Foto: Bruno Batista/ Vice-Presidência da República / Wikimedia Commons)
Na verdade, o termo “estruturante” foi aplicado pelo CNPE entre 2007 e 2009 para dar celeridade aos processos de licitação e implantação das três maiores usinas amazônicas, dada a importância que elas teriam para “estruturar” as operações do SIN.
Seriam usinas a fio d’água que, operando com força máxima, ressalvados obstáculos conjunturais, no período chuvoso, permitiriam que as usinas com reservatórios do Sudeste-Centro-Oeste (SE/CO) e do Nordeste economizassem água para usar no período seco.
Gigantescas linhas de transmissão de mais de 500 kV foram construídas para conduzir a energia dessas usinas aos grandes centros consumidores e o cronograma de entrada em operação dessas linhas influiu negativamente no desempenho das UHEs nos primeiros tempos.
No caso de Santo Antônio e Jirau, subestações complementares de 230 kV foram construídas para fornecer energia a Rondônia e ao Acre, estados que eram até então basicamente supridos por energia termelétrica gerada a diesel.
Passados os primeiros cinco anos, os dados do ONS mostram que o arranjo vem funcionando, noves fora as secas cada vez mais frequentes. Nesses cinco anos de operação plena, Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e Teles Pires, por ordem de porte, geraram juntas 336.623 GWh, o que representa 10,87% da carga total do SIN no período que foi de 3.104.583 GWh, somados os dados que constam do histórico do operador.
Em 2023 Santo Antônio teve que ser desligada por 15 dias, de 1º a 15 de outubro, porque a vazão do Madeira era insuficiente para colocar as máquinas da usina para funcionar com segurança técnica (Foto: Divulgação)
Por coincidência, no atual estágio da matriz elétrica brasileira, os 20.371 MW de capacidade instalada das quatro usinas representam quase a mesma proporção, 9,75% dos 208.930,5 MW da matriz no dia 31 de dezembro de 2024, segundo dados da Aneel.
Os números anuais do ONS mostram que a participação das estruturantes na carga dos últimos cinco anos foi fortemente afetada pela seca extrema que atingiu a bacia do Madeira em 2023 e 2024 e a do Xingu somente em 2024. De 2020 a 2022 a geração anual de Jirau foi de 15.139, 16.131 e 14.029 GWh, respectivamente. Em 2023 caiu para 11.445 e em 2024 registrou 12.326 GWh, com números fechados em dezembro..
Da mesma forma, em Santo Antônio o histórico do operador mostra geração acumulada de 17.736 GWh em 2020, 18.145 em 2021 e 17.810 em 2022. Em 2023 o número desaba para 14.184 MW e no ano passado, fica em 14.390 GWh.
Em 2023 Santo Antônio teve que ser desligada por 15 dias, de 1º a 15 de outubro, porque a vazão do Madeira era insuficiente para colocar as máquinas da usina para funcionar com segurança técnica.
O aprendizado da paralisação permitiu uma solução para elevar o nível do rio a jusante da casa de força da margem direita, possibilitando manter sete unidades geradoras em funcionamento durante a maior seca da história do rio, gerando em torno de 400 MWmed durante o período de setembro ao começo de novembro.
Em Belo Monte, o efeito da seca extrema veio em 2024, quando a usina gerou “apenas” 21.404 GWh, de acordo com os números do ONS. Nos quatro anos anteriores, a produção tinha sido de 28.925 GWh em 2020, 31.798 em 2021, recorde de 37.193 em 2022 e 31.498 GWh em 2023. O número de 2022 significa que ela sozinha supriu 6,08% da carga do SIN.
Com a seca, a geração de Teles Pires, de 1.820 MW de capacidade, caiu cerca de 25% em 2023, para 6.007, e em 2024, para 5.874 GWh (Foto: Divulgação)
Existem diferenças metodológicas entre os dados do ONS e os que são computados pela própria Norte Energia, concessionária da usina. De 2020 a 2023 as diferenças foram residuais, mas em 2024 a empresa computou 22.627,08 GWh produzidos, o que representou uma diferença para mais de 1.223,08 (5,71%) em relação ao número do operador.
No ano passado, a redução extrema da vazão do Xingu, que ficou por muito tempo na casa dos 400 m3/s na altura do complexo gerador, obrigou o ONS a solicitar ao Ibama licença para reduzir de 300 para 100 m3/s a vazão mínima do chamado reservatório intermediário, o que conduz a água à casa de força principal de Belo Monte.
Como consequência, a usina ficou do final de setembro até o dia 30 de novembro gerando abaixo de 100 MWmed a maior parte dos dias, menos que a sexta parte da capacidade de uma das suas 18 turbinas de 611,11 MW cada. No período, o operador utilizou a geração de Belo Monte apenas para suprir a potência necessária nos finais da tarde, no horário da chamada rampa solar, quando a fonte fotovoltaica para de gerar.
Linhão de Teles Pires: Longas linhas de transmissão de mais de 500 kV foram construídas para conduzir a energia das usinas estruturantes
A produção de Teles Pires, a menor das quatro usinas, também sofreu os efeitos da seca sobre o rio do mesmo nome, afluente do Tapajós, em 2023 e 2024. Sua geração, que foi de 7.027 GWh em 2020, 8.154 em 2021 e 8.109 em 2022, caiu cerca de 25% em 2023, para 6.007, e em 2024, para 5.874 GWh.
Polêmicas e sustentabilidade
A construção das usinas estruturantes foi cercada de polêmicas, em torno, principalmente, de prejuízos socioambientais decorrentes dos barramentos e das construções dos reservatórios, mesmo sendo estes de pequeno porte. A controvérsia mais aguda se deu a respeito da redução da vazão do rio Xingu no trecho de 130 km conhecido como Volta Grande do Xingu, para alimentar o canal que supre de água a usina principal.
Em decorrência das compensações pactuadas nos processos de licenciamento ou não, as concessionárias das quatro usinas desenvolvem uma série de programas com o objetivo de atender as demandas dos povos originários e comunidades ribeirinhas dos seus entorno, buscando dar sustentabilidade aos empreendimentos econômicos representados pelas usinas.
A Norte Energia S.A., SPE formada pela Eletrobras (49,98%) e vários blocos de investidores, incluindo fundos de pensão, Neoenergia, Cemig, Vale e outros, informou que além do pagamento até agora de R$ 1,2 bilhão em Compensação Financeira pelo Uso e Recursos Hídricos (CFURH), os royalties das hidrelétricas, investiu mais de R$ 8 bilhões em ações socioambientais, sendo R$ 1,3 bilhão destinados às comunidades indígenas.
Assim como em Santo Antônio, foram construídas subestações complementares em Jirau para fornecer energia a Rondônia e ao Acre (Foto: Divulgação)
De acordo com a empresa, em decorrência das suas ações, o percentual de moradores abaixo da linha da pobreza de Altamira (PA), principal município da região onde Belo Monte está localizada, caiu de 25% no Censo de 2010 para 3% em 2023.
Nas ações diretamente relacionadas à Floresta Amazônica, a Norte Energia informou que seus projetos de reflorestamento, com mão de obra local, restabeleceram 2,4 mil hectares de floresta, tendo plantado 1,5 milhão de mudas nativas. A meta até 2045 é plantar 5,5 milhões de mudas em 7,6 mil hectares.
A Eletrobras, controladora da UHE Santo Antônio desde junho de 2022, informou que o Programa Básico Ambiental (PBA) para licenciamento da usina envolveu 28 programas que resultaram em investimentos totais de R$ 2,6 bilhões.
A empresa listou uma série de programas que seguirão ativos até 2047, quando termina a concessão, com o objetivo de dar sustentabilidade à geração de energia. Entre eles, pelo menos três voltados para a fauna do rio, começando pelo Sistema de Transposição de Peixes, que consiste em um canal que reproduz as condições naturais do rio, incluindo as da cachoeira onde a usina foi construída.
Sistema de Transposição de Peixes da UHE Santo Antônio, no Rio Madeira (Foto: Divulgação)
Outro programa de transposição é voltado especificamente para a Dourada, uma das espécies de peixes mais populares da região, e um terceiro é um Laboratório de Reprodução de Grandes Bagres. Outro programa importante na linha do restauro das condições naturais do rio é o Sistema de Transposição de Troncos, que visa a garantir que os troncos transportados pela corrente do Madeira desde a Cordilheira dos Andes sigam o curso natural.
Sobre a UHE Teles Pires, da qual a Eletrobras assumiu 100% do controle em dezembro de 2022 por meio de uma permuta com a Neoenergia, a empresa informou que desde 2015 a usina investiu R$ 189 milhões em ações socioambientais, sendo R$ 60,5 milhões no período de 2020 a 2024. Além disso, a usina pagou desde o início de suas operações R$ 371 milhões de CFURH.
Em seu site, a Jirau Energia, concessionária da UHE Jirau - 40% Engie, 40% Eletrobras e 20% Mizha Participações (Mitsui) - informa que desenvolve atualmente 29 programas socioambientais, incluindo o Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno do Reservatório Artificial. Segundo a empresa, durante a construção da usina foram implementados outros 34 programas.