Revista Brasil Energia | Hidrelétricas, Água e Sustentabilidade

Conteúdo oferecido por ELETROBRAS

O renascer das hidrelétricas menores do Complexo Paulo Afonso

Usinas mais antigas do maior complexo gerador nordestino voltam a produzir regularmente, mas longe do que geravam até a primeira década deste século

Por Chico Santos

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Complexo Paulo Afonso: depois de oito anos de produção residual, com a geração concentrada em PA 4, complexo de 4.279,6 MW voltou a operar em 2022

Em dezembro de 1954, quando a usina hidrelétrica Paulo Afonso 1 (PA 1), de 180 MW, foi inaugurada, a região Nordeste dependia inteiramente da geração térmica de energia elétrica e seu abastecimento era precário, refletindo-se na quase total ausência de desenvolvimento industrial e em apagões constantes, especialmente fora das capitais. A obra aproveitava a famosa cachoeira de 80 metros do rio São Francisco, na divisa entre Bahia e Alagoas.

A usina foi saudada com loas. Luiz Gonzaga, já então maior nome do forró, gravou em 1955 baião composto em parceria com Zé Dantas e quatro anos depois outro astro da música nordestina, Ary Lobo, lançava outra exaltação, esta composta pelo baiano Gordurinha. Vinte anos depois, com a inauguração da UHE Moxotó (hoje Apolônio Sales), de 400 MW, Paulo Afonso era um complexo hidrelétrico de 4.279,6 MW, abastecendo todo o Nordeste com energia limpa, farta e barata.

Zona de Autossalvamento (ZAS), localizada nas proximidades das Usinas Hidrelétrica (UHEs) Paulo Afonso I, II, III, IV e UHE Apolônio Sales (Foto: Divulgação)

No intervalo entre as duas vieram PA 2, em 1967, com 443 MW de capacidade, PA 3, em 1971, com 794,2 MW e a maior de todas, PA 4, com 2.462,4 MW, ainda hoje a sétima maior UHE 100% nacional. As estatísticas de carga disponíveis no site do ONS retrocedem somente até 1999, ano em que a demanda da região foi de 5.663 MWmed, menos do que os 5.759,2 MW de capacidade de Paulo Afonso mais a usina vizinha, de 1.479,6 MW, inaugurada em 1988 com o nome de Itaparica, depois renomeada Luiz Gonzaga, justa homenagem ao Rei do Baião.

Somente em 2003 a carga nordestina alcançaria a casa dos 6.000 MWmed (6.040). Em 2007, quando a carga do subsistema foi de 7.240 MWmed, o complexo Paulo Afonso bateu recorde de geração, com 20.006.903 MWh, mesmo com PA 1 parada para manutenção. Mas a partir de 2013 o perfil começou a mudar, culminando com cerca de oito anos de produção residual de quatro das cinco usinas, ficando a geração concentrada em PA 4.

A histórica PA 1, que completou 70 anos no final de 2024, após quase uma década sendo acionada apenas para serviços de manutenção, retomou os acionamentos regulares em julho de 2022, gerando 16 MWmed e alcançando em dezembro daquele ano o pico recente de 108 MWh. Neste século o recorde de PA 1 foi em 09 de novembro de 2009, quando produziu 178 MWmed, quase a plena carga.

PA 1, de 180 MW e 70 anos completados no final de 2024, por quase uma década foi acionada apenas para serviços de manutenção (Foto: Divulgação Eletrobras)

Na usina PA 2, o gráfico é muito parecido. Após o pico de geração deste século de 446 MWmed no dia 07 de outubro de 2009, a produção da usina foi se reduzindo até um longo período de geração zero ou muito baixa entre 2014 e meados de 2022, com um pico de 88 MWmed em dezembro de 2020 e a produção mais alta recente em 22 de dezembro de 2022, com 135 MWmed.

PA 2, com 443 MW de capacidade, teve produção de 135 MWmed em dezembro de 2022 (Foto: Divulgação Eletrobras)

O pico recente da UHE PA 3 foi em 18 de agosto de 2022, com 458 MWmed, ainda bem distante dos 753 MWmed de 20 de outubro de 2011, o recorde deste século até agora. No mesmo dia de 2022, a geração da UHE Apolônio Sales alcançou o pico recente de 126 MWmed, ainda longe dos 350 MWmed de 22 de março de 2007.

PA 3, de 794,2 MW, teve pico mais recente em agosto de 2022, de 458 MWmed (Foto: Divulgação Eletrobras)

No 18 de agosto de 2022 o complexo gerou 2.443 MWmed, quase a potência total de PA 4, mesmo com a UHE PA 2 parada. No dia 13 de março deste ano, último dado disponível até a conclusão deste texto, o complexo gerou somente 1.016 MWmed, em tempos de economia de água na calha do São Francisco, com PA 1 e PA 2 paradas e PA 4 gerando apenas 863 MWmed.

PA 4, a maior de todas, com 2.462,4 MW de capacidade, concentrou a geração do complexo durante a crise hídrica entre 2013 e 2019 (Foto: Divulgação Eletrobras)

Ainda que não tenha retornado aos tempos áureos que duraram até o começo da década passada, o Complexo Paulo Afonso deixou para trás nesta década, especialmente a partir de meados de 2022, os tempos de máquinas paradas.

Inaugurada 20 anos depois, usina Apolônio Sales, de 400 MW, completou o complexo, que atingiu capacidade total de 4.279,6 MW (Foto: Divulgação Eletrobras)

Esse retorno mais constante coincidiu com a chegada do período seco de 2022 após o melhor período úmido desde o começo da década anterior. Depois da crise hídrica de 2020/2021, o reservatório de Sobradinho, que regula a cascata do médio e baixo São Francisco, chegou ao final do período chuvoso de 2022 (30/04) com 99,85% de volume útil.

Coincidiu também com o início da gestão privada da Eletrobras, concessionária do complexo, cuja desestatização ocorreu em 15 de junho daquele ano, e com a modernização, ainda não concluída, das usinas do complexo, com impacto nas disponibilidades, especialmente de PA 4.

Mas é o fenômeno da explosão das energias eólica e solar, nesta ordem, a partir de meados da década de 2010, associado à demanda cada vez maior por usos múltiplos das águas do São Francisco, que explica o motivo pelo qual dificilmente as cinco usinas de Paulo Afonso voltarão aos tempos da primeira década deste século, quando todas podiam no mesmo dia gerar em alta intensidade, sempre acima dos 2.000 MWmed no conjunto.

Rotores de turbinas modernizados: obras em andamento envolvem a modernização física das turbinas, geradores, sistemas auxiliares e hidromecânicos, além da digitalização dos sistemas (Foto: Divulgação Eletrobras)

Os técnicos da Eletrobras corroboram o que mostram os números. Segundo eles, “antes do crescimento da energia eólica e solar na região, as usinas de Paulo Afonso I, II e III e Apolônio Sales eram utilizadas mais intensivamente, principalmente no período de maior consumo de energia”, o horário de ponta de cada dia.

Ainda segundo a explicação dos técnicos, foi entre 2013 e 2019, durante a que classificam como “pior crise hídrica da Bacia do São Francisco”, que houve corte da geração em toda a cascata do rio a fim de assegurar disponibilidade da água para outros usos.

Ainda de acordo com esta análise, “foi nesse contexto que se priorizou a utilização da usina de Paulo Afonso IV, mais moderna e com melhor rendimento, ou seja, que produz mais energia com menos água”.

A colocação em prática da Resolução ANA 2.081/2017, que regulamentou as condições operacionais do sistema hídrico do São Francisco, associada à modernização de PA 4, foi o que, na avaliação dos técnicos, permitiu a utilização mais constante das quatro usinas que permaneceram virtualmente paradas entre 2014 e o começo desta década.

A Chesf, subsidiária da Eletrobras, aproveitou o período de vacas magras para fazer a conversão de analógicos para digital dos sistemas operacionais das usinas que estavam paradas, concluída em 2015 com investimento de R$ 200 milhões em valores da época.

Modernização mais abrangente da PA 4 tem investimentos que deverão somar R$ 520 milhões entre 2021 e este ano (Foto: Divulgação Eletrobras)

Segundo a Eletrobras, as modernizações pontuais “para manutenção da confiabilidade operacional e atualização tecnológica” das usinas menores prosseguiram até os dias atuais, ao mesmo tempo em que foi iniciada uma modernização mais abrangente da PA 4, com investimentos que deverão somar R$ 520 milhões entre 2021 e este ano.

As obras em andamento, de acordo com a empresa, envolvem a modernização física das turbinas, geradores, sistemas auxiliares e hidromecânicos, além da digitalização dos sistemas de comando, controle, proteção, supervisão, entre outros. As obras em PA 4 abrem espaço para maior aproveitamento das demais usinas do complexo.

Mas os gráficos de barras do histórico do ONS mostram que neste começo de ano de chuvas inconstantes, apesar de o reservatório de Sobradinho estar com confortáveis 83,55% de volume útil (13/03), as usinas Apolônio Sales e PA 1, 2 e 3 seguem longe do marasmo da maior parte da década passada, mas com geração muito pequena, especialmente das três primeiras.

Veja outras notícias sobre hidrelétricas, água e sustentabilidade

Últimas