
Revista Brasil Energia | Hidrelétricas, Água e Sustentabilidade
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A cheia de 2014 no Paraná e o reservatório da UHE Foz do Areia
Maior usina do Sul do país fora da calha do rio Paraná é guardiã contra cheias do rio Iguaçu e poderá crescer quase mil MW com leilão de capacidade

A cheia do rio Iguaçu em junho de 2014 foi uma das mais severas, rivalizando e até superando em alguns aspectos a alta histórica de julho de 1983. A vazão do rio paranaense nas Cataratas do Iguaçu ultrapassou os 46 mil m3/s, recorde que permanece até hoje. Em 1983 ela havia sido de 35 mil m3/s.
Ainda assim, de acordo com o noticiário da época, o nível máximo alcançado pelo rio foi de 8,3 metros, contra 10,43 metros em 1983, sendo, consequentemente, os danos causados naquela época maiores do que os registrados há 11 anos. O reservatório da UHE Governador Bento Munhoz da Rocha Netto, mais conhecida como Foz do Areia, teve papel importante no controle da cheia de 2014.
Diferentemente de 1983, quando a usina tinha menos de três anos de inaugurada (dezembro de 1980), em 2014 ela já era longamente conhecida e estudada e a operação do seu reservatório pode fazer a diferença, conforme relato do engenheiro Leandro Nacif, gerente do Centro de Operações de Geração e Transmissão da Copel, concessionária da usina.
União da Vitória (PR), durante a cheia de 1983: chuvas duraram uma semana e rio de 2,50 metros chegou a 10,43 metros (Foto: Gazeta do Povo)
Em 2013, na sua tese de mestrado na Universidade Federal do Paraná (UFPR) sobre as usinas hidrelétricas da Copel, Nacif havia constatado que se o reservatório de Foz do Areia, que é o primeiro da cascata do rio Iguaçu, trabalhasse com um armazenamento mais reduzido, deplecionado, no jargão setorial, haveria benefício energético para toda a sequência rio abaixo, formada, na época, por mais quatro usinas, sendo duas (Segredo e Salto Caxias), da Copel e duas da Engie (Salto Santiago e Salto Osório).
Posta em prática, a teoria resultou em recordes de geração das usinas da concessionária paranaense em 2014, 2015 e 2016. Mas o case teve uma dimensão mais ampla e de caráter socioambiental. A história começa, segundo o engenheiro da Copel, quando o ONS manifestou nos primeiros meses de 2014 a intenção de trabalhar com o reservatório de Foz do Areia esvaziado para gerenciar a cascata do Iguaçu.
A proposta veio ao encontro das conclusões dos técnicos da concessionária, só que o operador foi além do que eles esperavam, com a promessa de que se as afluências fossem muito escassas na sequência, ele devolveria o armazenamento reduzindo a geração da usina.
Os dados históricos do próprio ONS mostram que no dia 21 de maio daquele ano o volume útil do principal reservatório do subsistema Sul do Sistema Interligado Nacional (SIN) desceu a escassos 9,40%, começando então a subir lentamente. No dia 5 de junho, quando as chuvas se intensificaram, o reservatório estava a 22,7%, subindo rapidamente para 74,05% no dia 12 daquele mês.
No dia 26, quando as afluências deram, finalmente, sinais de arrefecimento, o lago estava com 91,45% de volume, oscilando para 89,01% dois dias depois e retomando ainda a curva ascendente, já fora de perigo, para alcançar 99,79% no dia 5 de julho.
Nacif conta que a retomada inicial, pré-enchente, foi resultado do movimento de devolução prometido pelo ONS, de modo que o reservatório estava na casa dos 20% quando entrou a cheia histórica. “Esse nível [na casa dos 20%] foi fundamental para que a gente evitasse uma tragédia muito grande”, relembra o gerente da Copel.
Usinas da cascata do rio Iguaçu
Fonte: Artigo “Proposta de implantação de vazões ambientais no rio Iguaçu (Paraná, Brasil) à jusante da barragem de Salto Caxias” de João Guimarães e Ana Guimarães
Um regime pluviométrico peculiar
O técnico e executivo explica que, diferentemente dos demais subsistemas do SIN, o Sul tem características peculiares, com os períodos de cheias ou de secas ocorrendo de forma basicamente aleatória, sem época determinada.
O regime de cinco meses chuvosos (dezembro a abril) e sete secos (maio a novembro) que predomina no Norte, Nordeste e Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO) - os outros três subsistemas em que é dividida a gestão do sistema elétrico - não se reproduz nos três estados do Sul.
“Aqui, pode acontecer de o mês mais chuvoso de um ano ser o mais seco do ano seguinte”, pontua Nacif. A cheia mais recente no Paraná, Santa Catarina e, principalmente, Rio Grande do Sul, aconteceu em maio do ano passado, quando a seca se instalava nas demais regiões do país.
Tal característica exige uma sintonia fina na gestão dos reservatórios, seja por razões energéticas, seja por razões de controle das águas. É neste contexto que opera Foz do Areia, responsável por 28,74% da capacidade de armazenamento do subsistema Sul e a maior usina da região fora da calha do rio Paraná (computada no subsistema SE/CO), com 1.676 MW de capacidade instalada.
Com seus 3,8 milhões de m3 de capacidade, o reservatório é pequeno se comparado com os gigantes do SE/CO e do Nordeste, como Furnas, Emborcação, Nova Ponte, Serra da Mesa e Sobradinho, mas as características únicas da região exigem do operador um cuidado especial em uma cascata que soma 7.024 MW de capacidade somente na calha principal, distribuída por seis usinas com a inauguração de Baixo Iguaçu (350 MW) em 2019.
Inaugurada em 2019, hidrelétrica de Baixo Iguaçu, do consórcio formado por Neoenergia e Copel, tem 350 MW de potência e completa a capacidade total de 7.024 MW da cascata do rio Iguaçu (Foto: Consórcio Empreendedor Baixo Iguaçu/CEBI)
“Se Foz do Areia for bem operada, as demais usinas a jusante serão beneficiadas”, destaca Nacif, explicando que se trata de uma bacia “muito nervosa”, sem sazonalidade e com um desvio padrão de vazão mínima e máxima muito alto em relação à vazão média de cerca de 1,5 mil m3/s.
“Se você acha a Bolsa de Valores volátil, venha operar no Iguaçu”, desafia o gerente da Copel citando uma frase comum nas conversas informais dos técnicos da empresa. Uma pesquisa rápida nos arquivos do ONS comprova que a brincadeira é séria.
Em 5 de outubro de 2024 o nível do reservatório de Foz do Areia era de 34,83%. Em 5 de janeiro deste ano subira para 98%. E no dia 5 deste mês retornara para a casa dos 30% (37,84%), tudo isto no intervalo de seis meses.
É nesta gangorra que se equilibra uma das mais importantes bacias energéticas do país, tendo Foz do Areia como seu guardião e contando com mais dois reservatórios na sua calha, um pequeno, da UHE Segredo (2,19% do subsistema) e outro grande, da UHE Salto Santiago (16,33% do subsistema), com o qual, basicamente, o ONS balanceia o volume de Foz do Areia, não só para assegurar o equilíbrio da geração no conjunto das seis usinas da calha como para garantir espaço de retenção no caso de uma, sempre possível, súbita mudança na hidrologia.
Usina Salto Santiago, de 1,4 GW, da Engie: reservatório usado para balancear volume de Foz do Areia e equilibrar geração das seis usinas da calha principal do Iguaçu (Foto: Engie)
Ampliação no horizonte
Iniciada em 1975, a construção da UHE Foz do Areia, localizada cinco km a jusante da foz do afluente que lhe dá o nome popular, retirou de operação a usina de Salto Grande, de 15,2 MW, inaugurada em 1967 e afogada em 1980, durante o enchimento do reservatório de sua substituta gigante.
Projetada para operar um dia com seis unidades geradoras (UGs) de 419 MW cada, totalizando 2.514 MW, a usina consolidou-se com quatro unidades, somando 1.676 MW, mantendo dois espaços na estrutura da barragem prontos para receber oportunamente a complementação do projeto.
Modernização de Foz do Areia, iniciada em 2011, foi concluída em 2021 com a reforma da quarta unidade geradora (Foto: Copel)
Essa oportunidade surgiu agora, com a decisão do MME de incluir as hidrelétricas no próximo leilão de reserva de capacidade na forma de potência, ainda sem data após o cancelamento do certame marcado para 27 de junho, mas prometido para este ano.
A Copel, que com a desestatização concretizada em agosto de 2023 obteve, via pagamento de bônus de outorga, a extensão por 30 anos das concessões de suas três maiores usinas - além de Foz do Areia, Segredo (1.260 MW) e Salto Caxias (1.240 MW), totalizando 64% de sua capacidade de geração -, habilitou-se na EPE para completar finalmente o layout da usina, instalando duas novas UGs com 430 MW cada e elevando a capacidade de geração a 2.536 MW.
Segundo a empresa, para fechar o circuito semi-pronto, “a necessidade de intervenção na estrutura é mínima e os trabalhos devem se concentrar na montagem de equipamentos, reduzindo custos. A conexão existente com a rede de transmissão também já comporta o aumento de produção de energia no local”.
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