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Emborcação e Nova Ponte: o oxigênio da cascata do Paranaíba

Mais que usinas, ambos são reservatórios gigantes que contribuem para a regularização plurianual das bacias do Paranaíba e do rio Paraná

Por Chico Santos

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UHE Emborcação: reservatório da usina, somado ao da UHE Nova Ponte, representa 21,82% da capacidade de armazenamento de energia do subsistema Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO) (Foto: Tractebel)

Os reservatórios vizinhos das UHEs Emborcação e Nova Ponte, somados, representam 21,82% da capacidade de armazenamento de energia do subsistema Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO). Como este responde por 70% de toda a acumulação de água em barragens de hidrelétricas do país, os dois maiores reservatórios da bacia do rio Paranaíba respondem por 15,74% do armazenamento do Sistema Interligado Nacional (SIN).

Cheios, eles acumulam um volume total de 30,84 bilhões de metros cúbicos de água e são uma espécie de seguro de uma cascata que abrange seis usinas imediatamente a jusante de ambos, dependendo do ponto de partida da medição, e que, em um diagrama mais ampliado, inclui ainda as grandes usinas do rio Paraná, Ilha Solteira (3.444 MW), Jupiá (1.551,2 MW), Porto Primavera (1.540 MW) e Itaipu Binacional (14.000 MW) e a estratégica hidrovia Paraná-Tietê.

Emborcação e Nova Ponte, do ponto de vista estritamente de geração de energia, não estão entre as maiores contribuintes para o fechamento do balanço energético do país, especialmente a segunda que, com seus 510 MW de capacidade instalada, é apenas a 40ª maior UHE 100% nacional (exclui Itaipu). Emborcação, com seus 1.192 MW de capacidade de geração, ocupa o 23º lugar na mesma lista.

Na quinta-feira, 03/04, as duas geraram, respectivamente, 460,40 e 341,61 MWmed, apenas 0,38% e 0,52% da produção total do SIN naquele dia (88.682 MWmed). Isto em um contexto de fartura em que o planejamento do ONS se permitiu vazões defluentes de 407 m3/s em Emborcação e de 369 m3/s em Nova Ponte, mesmo com afluências de apenas, respectivamente, 331 e 261 m3/s.

Em geral, no período ainda considerado chuvoso, mesmo que este ano ele tenha minguado antes do regulamentar 30 de abril, os dois reservatórios operam com vazões defluentes menores do que as afluentes, justamente para assegurar o máximo de acumulação possível para as pressões esperadas no período seco de maio a novembro, especialmente entre agosto e outubro.

UHE Nova Ponte: para além da geração imediata de energia, Emborcação e Nova Ponte são reservatórios de regularização plurianual (Foto: Cemig)

O engenheiro Lucas Freitas, da área de Planejamento Hidrelétrico da Cemig, concessionária das duas usinas, ressalta que, para além da geração imediata de energia, Emborcação e Nova Ponte são reservatórios de regularização plurianual, assim como, por exemplo, Furnas, no rio Grande, que, juntamente com o Paranaíba, forma o rio Paraná. Significa que os cuidados com seus estoques precisam ser maiores, olhando muito adiante do suprimento imediato de energia.

Não significa que eles sejam secundários no esquema de geração do ONS, responsável pelo despacho das usinas do SIN. Na atual conjuntura, em que a chamada rampa solar, representada pela saída abrupta das usinas fotovoltaicas no final da tarde, interfere fortemente na operação, exigindo o despacho de usinas flexíveis, nas quais o requisito de potência é fundamental para manter a estabilidade do sistema, Freitas disse que o operador tem usado constantemente as duas usinas nessa condição de supridoras de ponta.

Segundo o engenheiro da Cemig, que sempre ressalta estar reportando as ações comandadas pelo ONS, é a capacidade que as máquinas das duas usinas têm de serem extremamente rápidas, tanto nas rampas de elevação quanto nas de redução da carga, que lhes garante essa condição estratégica no planejamento do operador.

Compensador Síncrono

Além da capacidade, tipicamente hidrelétrica, de socorrer o sistema com potência imediata nas horas de maior necessidade, Freitas contou que as duas usinas ainda são frequentemente usadas pelo ONS na função de síncrono, ou compensador síncrono, um recurso essencial para dar estabilidade ao sistema.

Tecnicamente complexa de explicar em um texto jornalístico, a função síncrona consiste em desconectar a unidade geradora da sua função original de gerar energia para que ela passe a funcionar como um motor que consome energia reativa e estabiliza a tensão, proporcionando melhoria geral do sistema elétrico como um todo. A função é contratada pelo operador com as usinas que têm esta capacidade.

É, grosseiramente comparando, como se fosse uma unidade geradora com a função reversível, que tanto pode gerar energia quanto bombear água de baixo para cima para armazenar no reservatório superior de uma UHR. Só que neste caso ela está em contato com a água em ambas as versões, enquanto na função síncrona a máquina opera a seco.

Emborcação e nova Ponte não foram as primeiras usinas da bacia do Paranaíba. A UHE Itumbiara (2.082 MW), imediatamente abaixo da primeira e também com um poderoso reservatório, entrou em operação em 1980 e São Simão (1.710 MW), última UHE da cascata do Paranaíba, é de 1978. Emborcação começou a operar em 1982 e Nova Ponte em 1994.

Mas elas, com seus reservatórios de regularização, completaram o diagrama da bacia, seja do ponto de vista da geração de energia, seja no do controle de cheias. Nova Ponte nem fica na calha principal, mas no rio Araguari, afluente exclusivamente mineiro que desce da Serra da Canastra, mais conhecida por ser nascente do rio São Francisco, e percorre o Triângulo Mineiro em sentido Sudoeste até desaguar no Paranaíba, no reservatório de Emborcação.

Entre Nova Ponte e a foz o Araguari tem outras três usinas do SIN, Miranda (408 MW), inaugurada em 1998 e Capim Branco I e II, da primeira década deste século, rebatizadas de Amador Aguiar I e II, com, respectivamente, 240 e 210 MW de capacidade.

Como o remanso de Miranda, literalmente, “afoga” o canal de fuga de Nova Ponte em determinadas condições de armazenamento, Freitas explicou que esta tem autorização do órgão mineiro responsável pela gestão das águas (Igam) para operar com geração zero por até 12 horas, o que representa outra característica importante na hora de poupar água para armazenar.

Emborcação, recentemente rebatizada como UHE Theodomiro Carneiro Santiago, em homenagem ao fundador da Universidade Federal de Itajubá, tem característica semelhante, dada pela vizinhança, rio abaixo, do reservatório da UHE Itumbiara, responsável por 7,68% da capacidade de armazenamento do SE/CO. No caso de Emborcação, a autorização é nacional, porque o Paranaíba corre em mais de um estado.

Segundo Freitas, quando Itumbiara está com o armazenamento alto, perto de 100%, Emborcação pode funcionar com geração zero por até 16 horas diárias. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 2022, no esforço para recuperação do reservatório aproveitando a hidrologia favorável. Quando Itumbiara está mais baixo, a autorização é para até seis horas diárias de geração zero em Emborcação, divididas em períodos de duas horas intercalados com períodos de defluência.

Diferentemente de Nova Ponte, que é um reservatório de cabeceira, Emborcação, além de ficar na calha principal da bacia, conta com três importantes tributários que lhe ajudam no esforço de recuperação: o próprio Araguari, o que facilita a gestão coordenada com Nova Ponte, o rio São Marcos, onde estão as UHEs Batalha e Serra do Facão, ambas com reservatórios, e o rio Corumbá, onde estão as UHEs Corumbá I, III e IV, todas com respectivos reservatórios.

Abaixo de Emborcação ficam os reservatórios de Itumbiara e São Simão, além da UHE Cachoeira Dourada, que opera a fio d’água. Em maio do ano passado a agência Ana publicou a Resolução 194 definindo parâmetros operacionais para o reservatório de Emborcação e os dois que ficam rio abaixo, focada na recuperação do lago para usos múltiplos, incluindo a geração de energia.

Usos múltiplos: tilápias em tanques no reservatório da hidrelétrica de Nova Ponte (Foto: TV Integração/Reprodução)

No período chuvoso, quando o armazenamento estiver acima de 50% (faixa normal), não há restrição de defluência em Emborcação. Na faixa de atenção (entre 20% e 50%) a vazão máxima mensal será de 140 m3/s e abaixo de 20% (faixa de restrição), também será de 140 m3/s, mas com prioridade para os usos múltiplos e a recuperação do nível.

No período seco, a defluência na faixa normal será equivalente à capacidade máxima de geração da usina (cerca de 1.000 m3/s), na faixa de atenção a média mensal não pode passar de 786 m3/s e na de restrição, 524 m3/s, também priorizando os usos múltiplos e a recuperação do reservatório.

Os usos múltiplos em Emborcação e Nova Ponte incluem turismo, criação de peixes e abastecimento humano, entre outros. No rio Araguari, na altura da UHE Capim Branco I está localizada uma captação constante de 10 m3/s que abastece a cidade de Uberlândia.

Ainda que o atual período chuvoso não tenha sido favorável, os esforços de conservação tanto da agência Ana quanto do ONS permitiram que os dois reservatórios estejam se aproximando do período seco com mais da metade da capacidade. Dia 6 de abril, quando a prospecção desta matéria foi encerrada, Emborcação estava com 56,81% de volume útil e Nova Ponte, com 54,12%.

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