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Distribuidoras testam novos modelos de tarifa na baixa tensão

Oito projetos tiveram aprovação da Aneel. A Energisa é a primeira concessionária a implantar o sandbox na tarifação para 4 mil consumidores

Por Nelson Valencio

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Morador do Leblon ou de São Conrado, no Rio de Janeiro, que usufrui de rede subterrânea é tarifado da mesma forma que um morador da vizinha Rocinha, atendido por rede aérea sujeita a efeitos de eventos climáticos severos (Foto: Favela Tour)

A conta de energia de baixa tensão (BT) é difícil de ser explicada e envolve vários fatores em sua composição, do custo da rede de transmissão a encargos. Ao mesmo tempo, a tarifa aplicada para residências e pequenos comércios não tem flexibilidade. A mesma precificação é usada para todos, independente de hora e local. Ou seja, um único fator - consumo de energia ativa (kWh) - tem sido cobrado como padrão.

“Hoje o que temos no Brasil é uma tarifa volumétrica, sem sinal horário, resume Ângela Gomes, diretora técnica da consultoria PSR. “Todo mundo paga em reais por kilowatt hora independente da hora do dia e independente do local da concessão de distribuição, exceto quem está no grupo de tarifa social”, completa.

Isso significa que um morador do Leblon, no Rio de Janeiro, que usufrui de uma rede subterrânea de melhor qualidade, é tarifado da mesma forma que outro morador de um bairro periférico, atendido por uma rede aérea que pode ser afetada por eventos climáticos severos. Não existe um fator de cobrança horário e nem locacional, dois termos importantes sobre a tarifação na BT.

Com uma tarifa sem diferenciação e baseada num único fator (monômia), o cliente também não tem incentivo para reduzir seu consumo em horário de pico ou mesmo organizar melhor o uso da energia ao longo do dia. As distribuidoras, por sua vez, têm informações limitadas sobre o padrão de consumo para melhorar sua operação e, principalmente, o planejamento de investimento em rede.

Esse cenário poderá mudar com os chamados sandboxes tarifários, projetos experimentais encampados por algumas distribuidoras autorizadas pela Aneel e que vão estudar novas modalidades de tarifas para a baixa tensão. De acordo com o site da agência, sete projetos tiveram a resolução autorizativa para avançarem – quatro no ano passado e outras quatro nesse ano. A Light é a mais recente e também teve seu projeto aprovado, somando oito experimentos.

O projeto mais avançado é o da Energisa, primeira concessionária a iniciar os experimentos, começando com 4 mil consumidores de sua subsidiária Sul-Sudeste (ESS). Eles podem optar por dois tipos de precificação desde o começo de novembro e vão vivenciar as novas tarifas durante um período de 12 meses. Ou seja, em novembro de 2025, quando o experimento for encerrado, essa primeira parcela de clientes vai trazer subsídios para o estudo de novas tarifas. Em tempo: a distribuidora vai realizar um projeto amplo, com 20 mil consumidores de três de suas subsidiárias, incluindo os estados de Tocantins e Paraíba.

Energisa testará sandoxes tarifários com 4.000 consumidores de Presidente Prudente (foto), um focando na tarifa horária e outro em tarifa dinâmica”. (Foto: Marcos Sanches/Secom)

Importante: de acordo com a legislação que estabeleceu os sandboxes tarifários, os clientes escolhidos para participar dos experimentos podem sair a qualquer momento do grupo e voltar a ser tarifados de forma padrão. No fim dos projetos, todos os consumidores que participaram passam a ser cobrados do modo padrão, ou seja, com a tarifa monômia, até que a Aneel defina o que fazer com as informações sobre novas modalidades aplicadas.

Para ajudar nesse processo, foi criada uma estrutura de governança, que também é uma iniciativa de P&D, e que organiza o “meio de campo” dos projetos e deve organizar os resultados. Linderberg Reis, especialista da CPFL e coordenador da governança, lembrou que os sandboxes vão trabalhar com diagnósticos complexos, mas trarão soluções simples para serem aplicadas a novos modelos de precificação para a BT. Ele também ressaltou que a comunicação é um fator importante do sucesso dos projetos pilotos e das futuras mudanças em tarifas.

O especialista resumiu as informações durante o workshop organizado pela Aneel, em fevereiro desse ano, onde foram apresentados a estrutura de governança e quatro projetos (Enel, EDP, Energisa e Equatorial), aprovados na primeira chamada realizada em 2023.

Medidores inteligentes e avisos em 24 horas

A proposta da Energisa, por exemplo, foca numa realidade atual, na qual os consumidores entendem que o custo de todas as redes de distribuição é o mesmo, quando na verdade uma infraestrutura subterrânea é mais cara. A iniciativa também ataca o problema de comunicação, chamando o projeto de Conta Inteligente. Com ele, a concessionária aplicará dois testes em larga escala: uma tarifa horária e outra dinâmica.

Na opção de tarifação horária, existem quatro intervalos (postos, como são tecnicamente conhecidos na documentação oficial para a Aneel). Três delas são inferiores à tarifa convencional monômia, de R$ 0,62/kWh: a mais barata será a Supereconômica (das 9h às 14h), a Econômica (de 00h às 9h e durante o final de semana) e a Média (que tem dois intervalos, das 14h às 18h, e das 21h às 24h).

A quarta tarifa é a Hora de Pico, aplicada das 18h às 21h, que vai custar R$ 1,90 kwh para as residências e R$ 2,14 kwh – praticamente o triplo da atual convencional para os pequenos comércios.

Como destacou Ângela, da PSR, essa configuração desestimula o uso da rede no horário. Ou seja, a sinalização de preços por hora (tarifa horária), local (locacional) ou mesmo por época do ano (sazonal) vai estimular o consumidor de energia a fugir de sinais de preço mais caros.

No seu segundo modelo de tarifação, chamado de dinâmica, a Energisa ajusta os custos de kWh trimestralmente e não mais anualmente como acontece na tarifação convencional. No primeiro trimestre do projeto, os clientes vão pagar R$ 0,64677 por kWh. Os próximos valores vão ser ajustados com base nos custos de fornecimento de energia do trimestre anterior (o primeiro do sandbox, que vai de novembro de 2024 a janeiro de 2025).

No projeto da Enel, apresentado no workshop, a concessionária vai aproveitar sua estrutura de medição inteligente, selecionando 5 mil consumidores e aplicar uma tarifa trinômia horária e outra que considera desconto pelo não uso no horário de pico.

Enel vai selecionar 5 mil consumidores e aplicar uma tarifa trinômia horária e outra que dá desconto pelo não uso no horário de pico (Foto: Divulgação/Enel)

Na trinômia, a distribuidora considerará três fatores na composição da tarifa: um valor fixo pela utilização da infraestrutura de transmissão, um segundo valor variável de acordo com a demanda dessa mesma infraestrutura (também chamado de Fio B) e um terceiro fator, que leva em conta o custo da infraestrutura da distribuição, conhecido tecnicamente como Fio A.

Aqui vale a pena esclarecer que a tarifa horária é conhecida em inglês como ToU, sigla para Time of Use, dividida em postos (intervalos de tempo), que no caso da Enel serão quatro. Para a distribuidora, um dos desafios será a explicação dessa composição. Embora considere como um dos intervalos, a Tarifa de Madrugada, a concessionária sinaliza para uma mudança de carga nos próximos anos, como o carregamento de carros elétricos de madrugada.

Em tempo: a Copel, que tem dois projetos aprovados na rodada de sandboxes de 2024, vai testar uma tarifa de madrugada, específica para abastecimento de carros elétricos em sete cidades, considerando uma amostra de 499 unidades consumidoras.

Copel quer incentivar consumo de madrugada, específica para abastecimento de carros elétricos em sete cidades”. (Foto: Luiz Fernando Oliveira/Renault)

O segundo modelo a ser testado pela Enel será a com desconto no horário de pico, chamada de PTR, da sigla em inglês para Peak Time Rebate. Os descontos serão aplicados pela redução de consumo em períodos considerados críticos, a partir de uma notificação da concessionária com pelo menos 24 horas. A vantagem da Enel nesse sistema de comunicação é a base de medidores inteligentes e o uso de aplicativo que permite o acompanhamento da conta, dois recursos já instalados entre os clientes que farão parte do experimento.

Tarifação horo-sazonal-locacional

No caso da EDP São Paulo, o destaque é para o teste de três modelos de tarifas. No primeiro piloto, o sistema de medição não será trocado e o teste inclui tarifa binômia horária. O piloto continua considerando o volume consumido (R$/kWh), que é padrão na BT no Brasil, e acrescenta um fator de demanda de kW, estimada pelo fator de carga de cada faixa de consumo e pelo consumo medido. Embora não troque de medidores, a EDP vai avaliar como seria a substituição mais adequada, de acordo com os dados do piloto.

No segundo piloto, a empresa vai usar uma base de medidores mais avançados e realizar dois experimentos: um com tarifa trinômia e dois intervalos de precificação e outro com tarifa monômia, mas com quatro intervalos de tempo.

Na modelagem da tarifa trinômia, o experimento considerará o padrão atual (R$/kWh), a demanda (kW) e acrescentará um componente fixo (R$/mês). Em termos horários, os intervalos serão de pico de demanda e fora de pico de demanda. Na modelagem horária, o valor continua sendo medido por R$/kWh, com quatro intervalos (ponta, como também é chamada o pico), intermediário, madrugada (mais barato) e fora de ponta para energia (o segundo mais barato).

O planejamento é fundamental no processo e o cronograma da EDP confirma isso, pois dos 25 meses do experimento, 13 deles serão de preparação e 12 meses dedicados à aplicação das tarifas em campo. O P&D vai envolver 26 das 28 cidades de área de cobertura, o que vai permitir aferir o perfil desde consumidores de regiões abastadas de Guarulhos até a população rural de outros municípios.

Outro conceito que vai aparecer nos próximos meses é o HSL, que já foi explicado por Ângela, da PSR, e que tem no projeto da Equatorial o melhor exemplo real. A sigla é para a tarifa Horo-Sazonal-Locacional. Com duração de 34 meses – 12 deles de aplicação real em campo, o projeto vai considerar 4 mil clientes de duas subsidiárias do grupo – Alagoas e Rio Grande do Sul – em cidades litorâneas.

“As regiões litorâneas são ideais para avaliar o consumo no verão e como seria uma tarifa com componente sazonal, que pode mudar de acordo com os meses do ano e não somente com o horário ao longo do dia”, resume a consultora.

O teste de 34 meses do modelo horo-sazonal-local (HSL) da Equatorial será aplicado a 4 mil clientes de cidades litorâneas de Alagoas (foto) e Rio Grande do Sul (Foto: Divulgação/Zuk)

Segundo sua apresentação no citado workshop da Aneel, A ideia da Equatorial é direcionar o consumidor para os horários de menor custo, reduzindo a fatura. Assim como as outras concessionárias, a distribuidora aposta em canais de comunicação para fortalecer o relacionamento com a base de consumidores e explicar como seria uma tarifa baseada em intervalos de tempo ao longo do dia, mas também de acordo com as temporadas (sazonal) e a ainda com a região de moradia (locacional).

Além de colocar o consumidor como protagonista, os sandboxes podem ser um começo para corrigir distorções, ao considerar devidamente o peso das condições socioeconômicas de alguns deles. Na avaliação de Ângela, a atual tarifa social, apesar de ser um bom instrumento, é limitada. “Para se enquadrar, o consumidor precisa estar cadastrado num programa do governo federal e ter meio salário mínimo de renda per capita, o que é baixo para um nível de vida como, por exemplo, o do Rio de Janeiro”, diz ela.

Um morador de comunidade, com consumo de R$ 300 terá um desconto de 20%, o que significa que vai pagar R$ 240 reais por mês. “A definição da amostra de clientes nesses experimentos será fundamental”, completa. De acordo com a consultora, além de entender tecnicamente como vão funcionar os novos conceitos de tarifação, os sandboxes devem aproximar os clientes do setor elétrico. A escolha da melhor tarifa, por eles, será mais flexível e clara.

Do lado das distribuidoras, o maior conhecimento do perfil de seus consumidores pode redirecionar o investimento em infraestrutura. Clientes de mini e microgeração distribuída (MMGD) que possuírem baterias de armazenamento e estiverem ligados ao grid poderão, por exemplo, injetar energia em horários de pico, reduzindo a necessidade de investimentos em rede. “Eles aliviariam a carga e seriam tarifados diferencialmente”, finaliza Ângela.

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