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Inteligência de risco na Comercialização de energia

Conceito pode reduzir a ocorrência de crises no mercado, como aconteceu no ano passado

Por Nelson Valencio

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Risco de crédito: setor deve aplicar a ferramentas de risk intelligence na compra e venda de energia (Imagem gerada por IA)

A crise de algumas comercializadoras de energia em 2024 trouxe o risco de crédito para o centro da discussão. Especialistas ouvidos pela Brasil Energia afirmam que o problema foi pontual, mas destacam a necessidade de o setor aplicar a inteligência de risco na compra e venda de energia.

Para Mateus Cavaliere (foto), líder na área de Planejamento de Energia e Inteligência de Mercado da PSR, o conceito não é novo, mas continua necessário. Trata-se de uma área específica dentro das empresas – geralmente operando no chamado middle office - para lidar com os riscos no momento de tomada de decisão.

A Inteligência de risco também pode ter o suporte de plataformas de avaliação de riscos de mercado e de crédito. Explicando de forma simplista, são ferramentas que funcionam como uma espécie de Serasa, mas a decisão – de compra e venda - continua sendo do agente comercializador.

Henrique Leme (foto), diretor da Dcide, especializada no monitoramento de preços do mercado livre, lembra que o risk intelligence, como é conhecido tecnicamente, funciona como um padrão ouro da gestão de risco nos mercados internacionais.

Ele destaca que o processo está cada vez mais abrangente na comercialização e todos que atuam no mercado deveriam praticar o conceito, desde os operadores que coletam dados até quem de fato vai bater o martelo na alta direção.

Segundo Leme, com a estabilidade das normas, os riscos regulatórios do mercado livre deixaram de ser protagonistas e os riscos de crédito, que envolvem as análises da contraparte, assumiram esse papel.

Contraparte, no caso, é com quem se está negociando a compra ou venda de energia. É o exemplo das geradoras, ao avaliar o fornecimento de energia para as comercializadoras, ou ainda as comercializadoras fazendo a avaliação de seus potenciais clientes.

Já os riscos de mercado envolvem todos os componentes que entram na precificação, com destaque para as condições físicas do sistema, como o nível dos reservatórios e o da carga consumida.

Com o protagonismo da análise de crédito, é consensual entre os especialistas que ela precisa ser rápida, principalmente no chamado mercado varejista. Esse segmento de comercialização atende consumidores de energia de menor porte e faz a interface com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), reduzindo a burocracia.

“Quem vende no varejo não pode dedicar muitos recursos à análise de crédito, pois não se justifica pela escala”, explica o diretor da Dcide. Isso não significa, segundo ele, que o controle não precise ser feito.

Paulo Mayon (foto), diretor da Risk3, empresa focada em risco, explica a dinâmica que envolve a avaliação da contraparte.  Na metodologia adotada por ele, três pilares — quantitativo, qualitativo e governança — formam a base da avaliação.

“Eles são analisados em conjunto para se obter uma visão abrangente da capacidade, disponibilidade e vontade de pagamento da empresa, além de sua conduta e estrutura organizacional”, continua.

O pilar quantitativo é clássico e inclui a análise de balanço, com foco nas demonstrações financeiras. “Ter capacidade e disponibilidade não garante o pagamento, caso não haja vontade de pagar. Quando os resultados apertam, empresas com baixa disposição de honrar compromissos tendem a repassar o problema a terceiros”, alerta Mayon.

A análise qualitativa estuda o comportamento da empresa, de suas subsidiárias, coligadas, sócios e administradores em relação aos compromissos assumidos. A fonte de dados inclui desde os compromissos fiscais mapeados pela Receita Federal até os regulatórios com a CCEE e Aneel. “O componente qualitativo tem alto poder preditivo e, portanto, um peso significativo na análise de crédito”, resume.

A governança é o terceiro pilar e tem como base os princípios de ESG (ambiental, social e governança). Dentre os componentes, a governança é o mais mensurável e modelável, na avaliação dele. Nesse caso, as auditorias externas – sejam de órgão de controle como a CCEE – ou de consultorias tradicionais, são as mais usadas para a avaliação.

Embora as perdas sejam esperadas, a gestão de crédito precisa estar afinada para que os problemas não escalem como aconteceu em 2024. Cavaliere, da PSR, argumenta que o estabelecimento de mandatos é fundamental na estratégia de inteligência de risco.

“Esse mecanismo dita até onde o front office pode ir na negociação; quando precisa parar; e quais são as travas. O mercado financeiro utiliza o conceito há muito tempo, mas o mandato começou a ganhar tração no setor elétrico nos últimos oito anos”.

Mayon também destaca o mercado financeiro como exemplo, mas elenca os segmentos de financiamento de bens como os mais próximos da comercialização. De acordo com ele, o que existe em comum é a recuperação de um ativo (energia comprada e não paga).

O problema é que a retomada envolve um processo burocrático que pode durar seis meses dentro da CCEE, a partir do pedido de descredenciamento do contrato.

Com isso, a comercializadora perde duas vezes: parte do contrato de energia vendida e ainda a defasagem de preço, pois a energia (já comprada de um gerador), será vendida, quase sempre, por um preço menor.

Entre as lições de 2024, Cavaliere acredita que o tamanho do risco de crédito não pode ser negligenciado. O uso de recursos como a plataforma de análise, como a detalhada por Mayon, deve ser considerado. Outro mecanismo, nesse caso obrigatório, é  o monitoramento prudencial da CCEE.

O consultor acredita que o próximo passo pode ser a criação de uma clearing house (câmara de compensação), que fortaleceria ainda mais o sistema.

“A inteligência de risco deve ditar a operação”, sentencia Alan Henn (foto), CEO da Voltera, comercializadora baseada em São Paulo.

A empresa tem sua equipe própria e segue o protocolo da área. Operacionalmente, os técnicos analisam desde a formação de preço de energia, com destaque para a nova metodologia assumida pelo ONS, até o mapeamento de potenciais clientes quanto às condições de honrar os contratos.

Para Henn, a crise do ano passado foi originada porque algumas comercializadoras deixaram de entregar a energia prometida ou eventualmente tiveram algum entrave comercial e foram para a renegociação contratual. Na raiz do problema estava o descasamento com os riscos envolvidos.

Segundo ele, as comercializadoras que sofreram efeitos reversos podem não ter tido uma área de inteligência de risco estruturada ou, se tinham, não seguiram os seus próprios mandatos. “É difícil avaliar, mas a exposição atual no mercado de energia permite uma alavancagem agressiva e, às vezes, não dá tempo de recuperar”.

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