Revista Brasil Energia | Novos Modelos e Tecnologias em Energia
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Microrrede como solução mais estável e segura
Na medida em que novos bens de consumo impõem aumento da demanda, que mais setores exijam suprimento de energia garantida e que se expande a geração descentralizada, a microrrede é vista como alternativa eficiente e menos custosa para conferir estabilidade ao sistema integrado
O crescimento da demanda global de eletricidade deve chegar a 3,4% ao ano a partir de 2026, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). Em reportagem recente, a revista T&D prevê um número ainda maior - 4% - e estima que 80 milhões de km de redes deverão ser substituídas até 2050 para dar conta da demanda de energia. Tal expansão custaria US$ 2,5 trilhões até 2035, pois os investimentos incluiriam desde ativos como transformadores até novas soluções de armazenamento.
Para acomodar o desafio macro citado acima, uma das soluções que vem tomando forma são as microrredes, capazes de operar como um minissistema completo. Em artigo publicado em 2022, pesquisadores do Gesel, da UFRJ, explicam que as microrredes são consideradas pequenas, tanto em termos de extensão quanto em de potência elétrica. Em outras palavras: sua cobertura seria de dezenas de quilômetros quadrados, com potência estimada, no máximo, em dezenas de megawatts.
Luiz Carlos Pereira da Silva, professor da Unicamp e coordenador do projeto Campus Sustentável da universidade paulista, explica que o principal diferencial desse tipo de instalação é a integração de diversas novas tecnologias, incluindo fontes renováveis e soluções de armazenamento. “Com as microrredes, o problema da intermitência de geração renovável fica resolvido”, justifica, citando uma das vantagens da tecnologia.
Em conversa com a Brasil Energia, Silva lembra que os projetos de microgrids, como são conhecidas internacionalmente, devem envolver algum tipo de fonte despachável, que pode ser fóssil como gás natural, mas também deve incluir uma paleta de soluções renováveis, como o biometano. Com essa garantia, elas ganham autossuficiência e operam de forma autônoma, na configuração isolada (off grid), ou integradas à rede (on grid).
O importante é que as microrredes tenham a capacidade de suprir sua área de cobertura, mesmo em situações extremas de blackout. O caso mais destacado no Brasil é o da instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão. Mesmo com o apagão que atingiu o Nordeste em agosto de 2023, a energia no CLA funcionou normalmente em função da microrrede desenvolvida pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em parceria com a Equatorial.
E será o caso do CampusGrid, a instalação energizada pela CPFL, em novembro, dentro da Unicamp. Projeto de P&D no âmbito da Aneel, a iniciativa inclui painéis solares fotovoltaicos que somam 565 kWp de capacidade, combinados com um sistema de armazenamento de baterias (BESS) de 1 MW. Essa configuração garante uma autonomia de 2 horas de operação, em caso de apagão. A fonte despachável é formada pelo gerador a gás natural, abastecido pela Comgás, o que agrega mais dez horas de autonomia.
CampusGrid, uma microrrede que combina sistema fotovoltaico de 565 kWp e sistema de baterias de grande capacidade (BESS) de 1 MW e autonomia de até 2 horas (Foto: Lucio Camargo/Unicamp)
O CampusGrid também tem um sistema inteligente de gestão de energia (EMS), que controla toda a operação. Essa é outra característica diferenciadora das microrredes: com elas é possível ter uma gestão mais interativa e detalhada do consumo de energia. Na avaliação de pesquisadores do Gesel, isso acontece porque o sistema tem como função alimentar as cargas localmente, com plantas de geração menores, a partir de limites elétricos definidos.
Explicando de outra forma: no modo conectado ao grid, a microrrede gerencia a tensão e a frequência da rede elétrica principal. Nesse caso, as fontes de energia renováveis são operadas com potência máxima. No modo ilhado, a microrrede se desconecta da rede principal e depende de recursos de energia distribuída (DERs) para fornecer carga, conforme explica o artigo do site de ciência aberta Frontiers, que consolida estudos sobre o EMS.
O gerenciamento de fluxo de energia em tempo real é importante para que as concessionárias entendam melhor como funcionam os recursos de energia distribuídos, cada vez mais presentes em sua infraestrutura. Um ponto crítico nessa integração é que o fluxo de potência na carga passa a ser bidirecional, exigindo “uma flexibilidade maior do controle e da proteção dos sistemas de potência envolvidos”.
Ainda de acordo com o Gesel, a ativação das microrredes também exige um acompanhamento técnico maior, devido ao número elevado de eventos de uma rede de fluxo bidirecional, com mais geradores próximos à carga. Eles acrescentam outros requerimentos: grande conhecimento nas áreas de controle e proteção flexíveis e simulações e gerenciamento de rede em tempo real. O uso de sensores e instrumentos de medida mais avançados do que os usuais é outra necessidade.
Para que esse processamento aconteça sem ruídos, o sistema de comunicação é essencial. No caso da Unicamp, por exemplo, a microrrede é interligada por uma infraestrutura de fibra óptica própria e redundante. Isso garante a transmissão de dados em tempo real, o que alimenta as decisões do EMS. E mais: a tomada de decisão é ainda beneficiada pela inteligência artificial (IA), que foi treinada pelos especialistas da universidade.
A atenção com cibersegurança também deve fazer parte do check list dos projetos, conforme o Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE). Como demandam sistemas de comunicação e de dados bem afinados, as microrredes podem ser suscetíveis de serem atacadas digitalmente.
Outro desafio para as microrredes é o custo. Os números do DOE mostram que o investimento oscilaria entre US$ 2 milhões e US$ 5 milhões por MW. Esse valor pode variar de acordo com a localização, tamanho e complexidade do projeto. Equipamentos e instalações correspondem à 75% do total, seguidos dos aportes em construção, que somariam 15% do total. Já o projeto e a engenharia dos empreendimentos seriam responsáveis pelos 10% finais.
No Brasil, as duas redes citadas têm valores diferentes. Os dados da CPFL indicam que o projeto da microrrede instalada na Unicamp custou R$ 25 milhões. Já a instalação da CLA, ativada pela Equatorial, custou R$ 17,6 milhões. Nesse último caso, a usina fotovoltaica possui 1,25 MWp, capaz de gerar 1.823 MWh de energia por ano. O projeto contempla ainda um sistema de armazenamento de energia (BESS), com potência instalada de 1MW e 1MWh de capacidade de armazenamento.
Adicionalmente aos desafios técnicos e de investimentos, a regulação é um tema que precisa estar no radar do setor. No Brasil, ainda não há uma regulação específica, mas estudos atualizados podem ajudar nesse processo, como a tese de doutorado de David Baptista, também da Unicamp. Segundo ele, a regulação precisa endereçar melhor questões atuais como a proibição do funcionamento de microrredes de forma ilhada, desligadas da rede principal.
Outro ponto de atenção é o estabelecimento de um modelo de negócio que compatibilize a atuação das concessionárias com a cobertura de microrredes, seja de quem elas forem. Para Baptista, as inovações tecnológicas vão ocorrer independentemente da vontade das distribuidoras. Aquelas que já tiverem projetos para entender as microrredes, caso da CPFL e Equatorial, entre outras, saem na frente da discussão.
VANTAGENS
Maior confiabilidade: as microrredes podem continuar a operar mesmo se a rede elétrica tradicional cair. Isso é especialmente importante para infraestruturas críticas, como hospitais, escolas e serviços de emergência.
Maior segurança energética: ao reduzir a dependência de combustíveis fósseis e da rede elétrica tradicional, as microrredes fornecem energia mais segura e estável. A aplicação é estratégica em áreas onde as quedas de energia são comuns.
Aumento da eficiência energética: as microrredes são projetadas para serem energeticamente eficientes, combinando fontes renováveis e sistemas de armazenamento, reduzindo o desperdício de energia. O resultado são custos menores para os consumidores.
Melhoria do acesso à energia: as microrredes podem fornecer acesso à energia para comunidades remotas ou carentes que não estão conectadas à rede elétrica tradicional. Isso pode melhorar a qualidade de vida dos moradores e aumentar as oportunidades econômicas nessas áreas.
Maior sustentabilidade: as microrredes dependem fortemente de fontes de energia renováveis, como a energia solar e eólica, reduzindo o uso de combustíveis fósseis e contribuindo para um futuro energético mais sustentável.
Menores perdas: Ao permitir a geração descentralizada, as microrredes viabilizam a produção mais próxima da demanda, reduzindo as perdas de transmissão e tornando o sistema energético mais eficiente.
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