Opinião
Conteúdo local e o Pedefor
No começo da década, a queda do preço do petróleo colocou em xeque a competitividade do parque fornecedor local de bens e serviços. As operadoras focaram sua estratégia na redução de custos com o objetivo de restabelecer sua rentabilidade. Paralelamente, o parque fornecedor de bens e serviços local teve sua competitividade abruptamente contestada pela oferta ociosa do parque fornecedor global. A política de conteúdo local (PCL) passou a ser fortemente criticada pelas operadoras como mecanismo protecionista para fornecedores locais não competitivos. As operadoras reivindicaram a redefinição da PCL para dar continuidade a seus investimentos.
O governo procurou equacionar esse problema criando o Pedefor, com o objetivo de incrementar a competitividade do parque fornecedor local. Pouco depois, o CNPE determinou novo regramento para os compromissos de CL nas licitações de blocos. Os níveis mínimos foram reduzidos e, principalmente, foi aumentada a flexibilidade tecnológica e industrial para o CL dos projetos. Porém, a cláusula dos contratos de concessão que permitia às operadoras solicitar perdão (waiver) por não cumprimento de seus compromissos de CL, mediante justificativa adequada, foi removida.
A ausência da cláusula de perdão (waiver) introduziu um risco relevante para as operadoras. Qualquer equívoco desses agentes na avaliação das condições futuras do mercado de bens e serviços local redundará necessariamente em multas. No ambiente atual, a mensuração desse risco exige estreita colaboração entre os elos da cadeia produtiva petrolífera. Sem essa colaboração, é provável que as operadoras optem por minimizar suas aquisições no mercado local, e os custos desses riscos sejam incorporados em seus projetos, reduzindo a atratividade econômica de nosso potencial petrolífero.
Superar o clima conflituoso entre fornecedores e operadoras é essencial tanto para a retomada dos investimentos das operadoras quanto para o desenvolvimento competitivo do parque fornecedor doméstico
Apesar desse risco, o novo regramento foi bem recebido pelas operadoras. No entanto, ele gerou insatisfação entre os fornecedores, que visualizaram o risco de perda significativa de parcela da demanda doméstica de bens e serviços para competidores externos. Essa insatisfação ganhou dimensão a partir do momento em que o governo propôs a extensão do novo regramento de CL para os blocos com contratos de concessão já assinados. Os fornecedores locais sinalizaram sua intenção de recorrer ao judiciário para evitar o risco de ociosidade em sua capacidade instalada. Por seu lado, as operadoras indicaram que, preservados os compromissos previstos nos contratos de concessão assinados, seus investimentos no desenvolvimento da produção petrolífera doméstica ficariam comprometidos.
Criado o impasse, as autoridades setoriais iniciaram uma complexa negociação envolvendo operadoras e fornecedores com o objetivo de encontrar solução para o problema e, dessa forma, relançar a produção de hidrocarbonetos. Depois de intensas negociações, a proposta de aditamentos nos contratos de concessão já assinados com novos níveis para os compromissos mínimos de CL foi acordada. A ANP fixou o dia 10 de agosto como limite para que as operadoras apresentem seus pedidos de aditamento nos contratos.
Na primeira semana de agosto, a ANP anunciou que pretende colocar em consulta pública uma proposta para a regulamentação do mecanismo de bonificação de CL, previsto pelo Pedefor, para aquisições de bens e serviços das operadoras. A proposta sugere a oferta de até R$ 5,5 bilhões de Unidades de CL (UCL) para serem utilizados até 2023 pelas petroleiras como mecanismo de incremento de CL de seus projetos. As UCLs permitem reduzir o risco de multas por não cumprimento dos compromissos de CL nos contratos aditados.
Naquela mesma semana, a ANP informou que recebeu grande número de pedidos de aditamento das companhias de petróleo, desta vez em blocos offshore, onde se concentra a atividade exploratória. Essa notícia alvissareira, induzida pela proposta de UCLs, sugere a retomada dos investimentos por parte daquelas empresas. No entanto, alguns fornecedores continuam sinalizando sua intenção de judicializar a questão do CL. Superar o clima conflituoso entre fornecedores e operadoras é essencial tanto para a retomada dos investimentos das operadoras quanto para o desenvolvimento competitivo do parque fornecedor doméstico.
O Pedefor oferece o ambiente institucional e regulatório adequado para que a cooperação entre operadoras e fornecedores seja intensificada. No entanto, é indispensável que os seus incentivos contemplem ações articuladas das petroleiras com seus fornecedores com o objetivo de remover os gargalos competitivos do parque fornecedor local.
Adilson de Oliveira é professor do Instituto de Economia da UFRJ e escreve para a Brasil Energia Petróleo quadrimestralmente.