Opinião

A Internacionalização da Indústria do Petróleo Brasileira (IPB)

A inserção da produção doméstica de petróleo no mercado global será fundamentalmente governada pelo ritmo da atual transição energética para as fontes renováveis de energia

Atualizado em

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A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) publicou recentemente a proposta do governo atual para o desenvolvimento do sistema energético brasileiro. Essa proposta propõe um crescimento econômico médio nos próximos cinco (5) anos abaixo da média mundial. A partir de 2025 haveria uma pequena recuperação desse crescimento, porém ainda insuficiente para promover um aumento substancial da renda per capita dos brasileiros (tabela 1).

Tabela 1

A proposta visualiza que, na próxima década, a demanda de energia permanecerá centrada nos derivados de petróleo. Haveria um pequeno incremento da parcela dos recursos renováveis, basicamente para atender a demanda de eletricidade (Tabela 2). A redução do consumo de derivados de petróleo viria em larga medida da diminuição da parcela da lenha e do carvão vegetal na matriz energética brasileira. O diesel continuaria a dominar a demanda de derivados de petróleo. Sua parcela na composição da oferta de derivados aumentaria dos atuais 43,8% para 47,8% em 2031.

Tabela 2

A primeira mudança no regime regulatório visando esse objetivo foi introduzida no governo Fernando Henrique, que eliminou o monopólio da BR sobre as atividades petrolíferas domésticas. Essa mudança não foi, entretanto, suficiente para gerar o interesse das multinacionais pelo downstream brasileiro. Elas concentraram seus investimentos na exploração petrolífera offshore, em larga medida em parceria com a Petrobras. Nessa etapa, elas buscaram explorar o conhecimento da geologia local acumulada durante décadas pela companhia.A IPB foi criada para assumir a responsabilidade de garantir o suprimento de derivados durante a transição energética da economia brasileira, das fontes tradicionais de energia (basicamente a lenha) para o petróleo. O monopólio das suas atividades foi delegado à Petrobras. Para cumprir sua missão, a empresa construiu refinarias em diversas regiões do país. Dado o fato de, naquela época, ainda não terem sido identificadas reservas relevantes de petróleo nas bacias sedimentares brasileiras, essas refinarias eram abastecidas com óleo importado. A descoberta de reservatórios de petróleo relevantes no offshore deu início aos esforços governamentais para inserir a IPB na indústria global do petróleo (IPG). Porém, o monopólio da Petrobras representava uma limitação regulatória para a inserção da IPB no mercado petrolífero global. Eram necessárias mudanças no regime regulatório da IPB para atrair as empresas petrolíferas globais para o mercado brasileiro.

A grande mudança regulatória atrativa para a inserção da IPB no mercado petrolífero global foi introduzida no governo Temer, com a fixação dos preços dos derivados no mercado doméstico alinhados aos preços internacionais (PPI). Essa regulação criou ambiente favorável para os investimentos da IPG no mercado brasileiro. Porém, contrariando as expectativas, para surpresa dos formuladores da política petrolífera doméstica, ela não surtiu os efeitos desejados. O Brasil tornou-se exportador crescente de petróleo e, paradoxalmente, importador de quantidades crescentes de derivados de petróleo. A estratégia de internacionalização da IPB do governo atual pretende ampliar esse cenário nesta década, apesar de ela não ter sido capaz de alcançar o objetivo de inserir a produção brasileira de derivados no mercado petrolífero global.

O planejamento governamental estima que a produção brasileira de petróleo deve passar dos atuais 3,1 milhões de barris/dia para 5,2 milhões de barris/dia em 2031. Porém a produção doméstica de derivados ficará praticamente estagnada, pois não está programada uma expansão significativa da capacidade de refino. Dessa forma, a vulnerabilidade da economia brasileira aos avatares do mercado global do petróleo será intensificada. Essa situação esdrúxula é resultado da expectativa dos formuladores governamentais da política petrolífera de que o déficit doméstico na oferta de derivados motivará a IPG a investir no downstream brasileiro, adquirindo refinarias da Petrobras que estão sendo privatizadas. Contudo, as incertezas atuais do mercado petrolífero global, especialmente após a invasão da Ucrânia pelos russos, induzem as empresas globais do petróleo a ficarem na expectativa do avanço das privatizações das refinarias da Petrobras. As empresas globais de petróleo esperam comprar essas refinarias a preços substancialmente abaixo dos custos de construção de uma nova refinaria.

Os efeitos práticos dessa situação têm sido intensos e crescentes. Os lucros das empresas petrolíferas, inclusive da Petrobras, explodiram com o aumento do preço do petróleo e de seus derivados. Porém, esses aumentos dos preços dos derivados de petróleo ofertados no mercado doméstico têm crescido muito acima da inflação, penalizando toda a economia doméstica. Os impostos pagos também têm crescido, incrementando a capacidade financeira das diversas esferas de governo e, contudo, reduzindo a renda das famílias.

Os países industriais formulam políticas energéticas que pretendem acelerar a transição dos combustíveis fósseis para as fontes renováveis de energia, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade de suas economias ao comportamento do mercado global de petróleo. O ritmo do crescimento da economia brasileira, apesar do incremento significativo da produção doméstica de petróleo em um período de preços elevados, permanece abaixo do crescimento da economia global. Mais importante, passadas sete (7) décadas da criação da IPB, o Brasil voltou a perder a capacidade de proteger sua economia do comportamento errático do mercado global dos combustíveis fósseis, especialmente relevante durante a atual transição energética para as fontes renováveis de energia.

Atualmente, o Congresso debate projetos que pretendem alterar essa situação. Esses projetos de lei pretendem canalizar parte relevante dos recursos financeiros obtidos na atividade petrolífera para a proteção da economia brasileira dos movimentos nos preços do mercado global do petróleo. Porém, eles não dão a atenção necessária para a importância da política petrolífera para apoiar a transição energética dos combustíveis fósseis para as fontes renováveis de energia. Preocupam-se essencialmente com a proteção da economia brasileira, no curto prazo, em face das mudanças abruptas do mercado global do petróleo. No entanto, a inserção da produção doméstica de petróleo será fundamentalmente governada pelo ritmo da atual transição energética para as fontes renováveis de energia.

A recente decisão americana, que deverá ser proximamente apoiada pelos países da OCDE, de eliminar as importações de combustíveis fósseis da Rússia, deve acelerar essa transição. E o aumento significativo do saldo da produção doméstica de petróleo oferece uma oportunidade excepcional para a inserção em condições favoráveis da IPB na IPG.

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