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Geração nuclear reacende, como alternativa para descarbonização

Agência internacional avalia que o mundo precisa construir 600 GW em capacidade nova para viabilizar compromisso assumido na COP28, em Dubai. Enquanto isso, Russia, China e EUA seguem a rota do small scale

Por Chico Santos

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Canteiro de obras inacabado da usina nuclear de Angra 3 (Foto: Chico Santos)

Desde 2023, quando 28 países na COP28 de Dubai assumiram o compromisso de triplicar até 2050 seus investimentos na geração nuclear, a percepção global sobre o uso da tecnologia do átomo tem aumentado a cada ano. Na semana passada, durante o Nuclear Trade & Technology Exchange (NT2E) 2025, realizado no Rio de Janeiro, o vice-diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Mikhail Chudakov, disse que para o mundo alcançar esta meta serão precisos 600 GW em novas centrais nucleares, considerando os descomissionamentos que precisarão ser feitos ao longo dos próximos 25 anos.

Hoje o planeta tem capacidade instalada de 377 GW em centrais nucleares, distribuída por 417 reatores, instalados em 31 países. Os Estados Unidos lideram com 94 reatores e 97 GW de capacidade, segundo dados da Associação Nuclear Mundial (WNA, na sigla em inglês).

Para o presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha, a resistência de setores ambientalistas à tecnologia nuclear está em franco declínio. Ele chamou de “rótulos do passado” os argumentos contra o uso pacífico da fonte, focados principalmente na segurança das instalações.

Esses argumentos ganharam força em 11 de março de 2011, quando um terremoto de 9,1 graus na escala Richter, seguido de tsunami de 15 metros de altura, basicamente destruiu a central nuclear Fukushima Daiichi, no Japão. O acidente provocou o derretimento de três dos seus quatro reatores, levando pânico à população japonesa, eternamente traumatizada pelos efeitos das bombas de Hiroshima e Nagasaki e ao mundo por extensão.

Posteriormente, após os esforços japoneses para controlar os riscos decorrentes do impacto da tsunami sobre o complexo, os dados oficiais constataram, segundo a WNA, que nenhuma das 19.500 mortes ocorridas em consequência do desastre geológico se deu por radiação e que não foram constatadas doenças posteriores originadas pelo vazamento de combustível nuclear.

Ainda que o trauma e o medo decorrentes devam permanecer por décadas ou séculos na memória da sociedade japonesa e do mundo, a constatação de que o temido impacto nuclear foi controlado sem consequências mais graves e a necessidade de fontes limpas de base para a transição energética levaram o Japão não só a retomar a produção de energia nuclear em fevereiro de 2023 como a ser um dos signatários do documento da COP28 no final do mesmo ano.

De acordo com dados da WNA, o Japão possui atualmente 33 reatores nucleares em condições operacionais, totalizando 31.679 MW de capacidade (6% da capacidade instalada de energia elétrica do país), além de dois em construção, com 2.653 MW de capacidade. Os reatores existentes vêm sendo reativados paulatinamente e no final do ano passado foi religado, por exemplo, um dos reatores da Central Nuclear de Onagawa, a apenas cerca de 60 km de Fukushima.

O caso japonês é emblemático, dado o tamanho e a relativa proximidade do acidente. Mas a confiança do mundo na segurança das instalações nucleares, expressa em projetos de novos reatores ou na reativação de outros já existentes, cresce a cada ano, apesar dos acidentes de Fukushima (2011), Chernobyl, na Ucrânia (1986), e Three Mile Island, EUA (1979) continuarem na memória de todos.

Three Mile Island, na Pensilvânia (EUA), vai voltar a operar para alimentar centros de dados da Microsoft no país (Foto: Divulgação)

A usina norte-americana, foco do mais leve dos três acidentes, tem retorno à operação esperado para 2028, quando toda sua produção de 830 MW será fornecida à Microsoft. A empresa está patrocinando a reativação da usina para obter a exclusividade da energia gerada para seus datacenter (DCs) devoradores de energia.

A encruzilhada da Alemanha e da Itália

De acordo com os dados da AIEA, existem atualmente no mundo 61 reatores em construção em 15 países, totalizando 64 GW de capacidade adicional de geração de energia termonuclear. A China, que não figura entre os 28 países signatários do documento da COP28 lidera a estatística, com 28 usinas em construção, segundo Chudakov, ou 25, de acordo com dados de julho do ano passado do site Statista (https://www.statista.com/statistics/513671/number-of-under-construction-nuclear-reactors-worldwide/).

Seja qual for a fonte, o dado não inclui outras dez usinas nucleares convencionais (reatores entre 1.000 e 1.400 MW de capacidade) que o governo chinês acrescentou ao seu portfólio de projetos no final de abril deste ano, com investimentos adicionais previstos de US$ 28 bilhões, segundo informação de Cunha, da Abdan. Sendo que a China já possui 57 GW de geração nuclear em operação, segundo a WNA.

OS outros países que ocupam os cinco primeiros lugares da lista do Statista de reatores em construção - Índia, Turquia, Egito e Rússia - também não subscreveram o compromisso da COP28. Segundo os dados, a Índia está construindo sete reatores e os outros três países, quatro cada um. Ou seja, são pelo menos 44 das 61 obras em andamento que correm por fora do compromisso da COP.

Muitos acompanham também o posicionamento da Alemanha e da Itália, dois países que optaram por banir a geração nuclear dos seus territórios, a primeira após Fukushima e a segunda lá em 1987, logo depois de Chernobyl.

Ambas seguem fiéis ao compromisso assumido, mas cada vez mais indicando a intenção de revê-los. A renúncia italiana foi referendada em consulta popular realizada logo depois do acidente da Ucrânia, na época, parte da União Soviética. Em junho de 2011, três meses após Fukushima, outra consulta resultou em previsíveis 94% da população italiana a favor de se manter distante da geração nuclear.

O governo italiano, pressionado pelas dificuldades de descarbonizar sua matriz elétrica muito centrada em geração fóssil (gás natural, principalmente), trabalha para reverter o cancelamento da fonte nuclear em nova consulta, ainda não marcada.

Quando e se forem votar os italianos terão um poderoso argumento do lado do sim. A Alemanha, que desligou sua última usina termonuclear em 2023, cada vez mais cogita rever a decisão tomada sob pressão do poderoso Partido Verde, logo após o desastre natural japonês.

Agora, igualmente e até mais pressionada que a Itália para baratear e limpar sua matriz elétrica, a Alemanha volta a enxergar a geração nuclear como uma perspectiva possível. Pesquisa divulgada pela empresa de marketing Innofact no começo de abril deste ano mostrou que 55% das pessoas consultadas se disseram favoráveis à reativação da fonte no país. Quando tomou a decisão de banir a geração nuclear o país tinha 19 reatores em operação.

Uma mudança de sinal, principalmente na Alemanha, é vista por especialistas como a virada de chave definitiva para encorajar muitos outros países a abraçar de vez a alternativa nuclear como uma das principais rotas para a descarbonização.

Um dos grandes obstáculos, especialmente para países mais pobres, é o elevado investimento exigido para a construção de uma UTN convencional, associado ao longo tempo de construção, geralmente entre oito e dez anos em obras que não sofram interrupções. Um dos grandes motivos para o encarecimento das UTNs é o aumento dos custos relacionados à segurança que tendem a crescer a cada ocorrência de acidentes.

Mas, segundo Cunha, da Abdan, até este senão começa a cair por terra. A China, mais uma vez na vanguarda da mudança, teria conseguido reduzir seu tempo de construção de um reator convencional para 56 meses, ou menos de cinco anos, dentro das normas internacionais de segurança.

Esse esforço estaria refletido no custo do pacote de dez novos reatores anunciado em abril, com investimento total de US$ 28 bilhões, ou seja, US$ 2,8 bilhões (aproximadamente R$ 15 bilhões ao câmbio atual) por reator. A francesa EDF, maior geradora nuclear da Europa, teria se comprometido a construir em 70 meses, o que estaria sendo considerado um grande avanço em termos ocidentais.

O futuro e os SMRs

As projeções e construções em curso se baseiam por enquanto na tecnologia de reatores convencionais de fissão nuclear. O ciclo da fusão nuclear, que não gera resíduo radioativo, ainda está longe de ser dominado com segurança. Mas outra rota começa a figurar na revolução da tecnologia do átomo: a construção de pequenos reatores modulares, os SMRs.

Por enquanto, o único SMR em operação no mundo é o Akademik Lomonosov, da Rússia, de 100 MW distribuída em dois reatores, instalados sobre uma plataforma flutuante em Pevek, Península de Chukotka.

Usina Akademik Lomonosov, da Rússia, instalada sobre plataforma flutuante, tem 100 MW (Foto: Divulgação)

No entanto, segundo Chudakov, da AIEA, existem no mundo perto de uma centena de projetos em gestação, não só para uso em geração de energia elétrica, mas para várias outras aplicações, como dessalinização de água do mar e aquecimento.

A Rússia, que saiu na frente com o gerador flutuante, promete colocar em operação seu primeiro SMR em terra entre 2028 e 2029. Ele terá dois módulos de 110 MW cada e está sendo construído na região ártica de Yakutia. Mas China e Estados Unidos seguem no mesmo passo.

Os chineses correm com seu projeto ACP100, de SMRs de 125 MW de capacidade, prometendo colocar em operação até 2028 um total de 800 MW. E a estadunidense Holtec acelera para viabilizar sua Missão 2030, que prevê colocar em operação naquele ano seu SMR 300.

Filipinas e Indonésia projetam o uso de reatores modulares para abastecer ilhas remotas de seus respectivos arquipélagos, hoje atendidas por geração a diesel. O mesmo ocorre com o Brasil onde os defensores do uso da energia nuclear sonham usar SMRs para substituir sistemas isolados a diesel em centenas de localidades da Amazônia.

O SMR é também a aposta da Diamante Energia, concessionária do complexo Jorge Lacerda (Santa Catarina) de geração a carvão (857 MW), para substituir o atual combustível do seu parque gerador a partir de 2040, quando está previsto que o Brasil banirá o uso do carvão como combustível para geração elétrica.

Transformadores de Angra 3 já instalados, expostos à ação do tempo (Foto: Chico Santos)

No plano estatal, enquanto o governo federal hesita entre concluir a UTN Angra 3 (65% pronta) ou descomissionar o projeto inconcluso a custos muito próximos (R$ 23 bilhões para concluir e R$ 21 bilhões para desmontar, segundo o BNDES), a Amazul, empresa da Marinha, trabalha no projeto de um SMR nacional que, segundo o diretor técnico da empresa, vice-almirante Carlos Alberto Matias, conta com a retomada de Angra 3 como locomotiva para acelerar este e outros projetos do Programa Nuclear Brasileiro.

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