
Jaguatirica II vai manter segurança de abastecimento de energia de Roraima mesmo com o Linhão de Tucuruí
Revista Brasil Energia | Termelétricas e Segurança Energética
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Jaguatirica II e a segurança de Roraima mesmo com o Linhão
A UTE de 141 MW, que aproveita o gás da reserva de Azulão, estabilizou o consumo do estado mais ao norte do país e vai ter papel especial mesmo após a operação do Linhão de Tucuruí

No último dia 25 de julho a Transnorte Energia (TNE), consórcio formado pela Eletrobras e a Alupar, completou a instalação da 1.390º e última torre do Linhão Manaus-Boa Vista, mais conhecido como Linhão de Tucuruí, via de transmissão que, finalmente, permitirá a integração de Roraima, último estado brasileiro fora do Sistema Integrado Nacional (SIN) de fornecimento de energia elétrica. A inauguração da linha de 721,4 km está prevista para este semestre.
A integração chega com dez anos de atraso em relação ao cronograma original que previa a disponibilidade da linha a partir de 2015, ano em que o vizinho estado do Amazonas foi incorporado parcialmente ao SIN. Contudo, após, não uma, mas muitas décadas de insegurança energética, o estado mais ao Norte do Brasil vive relativa estabilidade desde 2022, quando entrou em operação a UTE Jaguatirica II, usina a gás natural de 141 MW fruto de um engenhoso arranjo que inclui um “linhão” rodoviário de 1.100 km, via BR-174.
Um dos estados que mais crescem em população no Brasil, Roraima passou de 450,5 mil habitantes no Censo de 2010 para 636,7 mil no de 2022, segundo dados do IBGE, um aumento de 41,3%. A projeção mais recente do órgão estatístico federal aponta que a população do estado atingiu 716,8 mil em 2024, crescimento de 12,6% em relação ao Censo de 2022, sendo 470,2 mil (65,6%) concentrados na capital, Boa Vista.
De acordo com Álcio Adler (foto), diretor de Operações da Regional Norte da Eneva Energia, empresa titular da concessão da Usina, a geração de Jaguatirica II responde por 70% do abastecimento de Boa Vista e dos municípios conectados ao sistema da capital. De acordo com os dados do IPDO/ONS, obtidos dia 13/08, a carga total de Roraima foi de 191 MWmed e Jaguatirica II gerou 114 MWmed, ou 60% de todo o consumo do estado.
Adler conta que a história da usina começou em 2018, quando a Eneva comprou da Petrobras o campo de gás de Azulão, localizado no município de Silves, Região Metropolitana de Manaus, iniciando o projeto de abastecimento de Roraima que ganhou corpo quando a empresa venceu o leilão 01/2019, com o compromisso de entrega de 117 MW de energia flexível por 15 anos. O investimento total no projeto foi de R$ 1,8 bilhão.
O linhão do GNL
No contexto em que foi concebido o projeto de Jaguatirica II, Roraima vivia um momento particularmente complexo no seu abastecimento de energia elétrica por si só já complicado, dada a localização geográfica do seu território de 223,5 mil km2, segundo dados do IBGE, majoritariamente coberto pela Floresta Amazônica.
Em 2001, ano em que o Brasil viveu seu maior racionamento de energia elétrica no passado recente, foi articulada a solução de substituir parte do abastecimento 100% a óleo diesel do estado por energia hidrelétrica importada da UHE Guri, da Venezuela.
O que parecia a solução ideal acabou enfrentando dificuldades à medida que o país vizinho enfrentava problemas econômicos e acabou interrompida em março de 2019 após uma série de apagões na Venezuela e em uma conjuntura de hostilidades diplomáticas entre os governos dos dois países.
Campo de Azulão, adquirido pela Eneva em 2018, fornece o gás para a termelétrica em Roraima, depois de percorrer 1100 km pela rodovia BR -174 em carretas de GNL (Foto: Divulgação/Eneva)
De acordo com Adler, a solução imediata para evitar o colapso no abastecimento de Roraima foi o acionamento do parque termelétrico a óleo diesel do estado, com o consumo diário superior a um milhão de litros, aumentando os custos deste suprimento e a carga de poluentes lançados na atmosfera.
Segundo cálculos publicados pela Abegás em janeiro deste ano, elaborados a partir de dados do MME, desde a substituição da maior parte das usinas a diesel pela solução do gás natural até aquele momento houve uma economia de R$ 3,2 bilhões em subsídios cruzados via Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), a rubrica da CDE que equaliza o preço da energia para os consumidores dos sistemas isolados, o que corresponde, segundo a publicação, a R$ 1,3 bilhão por ano.
Em termos de emissões de CO2 na atmosfera, a informação, extraída de artigo publicado por Lucas de Almeida Ribeiro, gerente de Regulatório da Eneva, a redução foi de 762,7 mil toneladas, correspondente a menos 52% em comparação ao que seria emitido pela geração a diesel.
Para suprir a UTE Jaguatirica II de gás natural, localizada a mais de mil km do campo produtor da molécula, a solução encontrada foi um “linhão rodoviário”. Adler explica que o gás produzido em Azulão passa por processo de liquefação na unidade produtora, ganhando a forma de GNL na qual é transportado por carretas equipadas com tanques criogênicos de 43,5 m3 de capacidade, especiais para transporte em baixíssima temperatura, até a área da UTE onde passa por processo de regaseificação para alimentar a usina.
De acordo com o executivo da Eneva, durante um mês de operações os caminhões que suprem Jaguatirica II percorrem aproximadamente 1,38 milhão de quilômetros. “Essa solução logística, desenvolvida pela Eneva, é um projeto inovador e eficiente que contribui para transformar vidas e gerar oportunidades na região Norte do Brasil”, pontua.
Segurança em dobro
Jaguatirica II é uma usina de ciclo combinado equipada com duas turbinas a gás natural e uma a vapor que reaproveita os gases liberados pelas outras duas. Segundo Adler, a UTE utiliza condensador a ar, o que permite redução expressiva do consumo de água, além de aumentar a eficiência operacional.
A usina é equipada com diverter damper, equipamento que direciona os gases quentes segundo a necessidade, permitindo operação flexível tanto no ciclo simples (a gás) quanto no combinado (gás e vapor). De acordo com o executivo, as turbinas a gás alcançam carga plena em aproximadamente 45 minutos, enquanto o equipamento a vapor estabiliza cerca de uma hora após o sincronismo.
Mesmo com o linhão Manaus-Boa Vista, previsto para entrar em operação nesse semestre, a termelétrica a ciclo combinado garantirá a confiabilidade de suprimento para Boa Vista (Foto: Divulgação/Eneva)
Todo este esquema e recurso perderão o sentido após a entrada do Linhão Manaus-Boa Vista nos próximos meses? Adler responde que não. Segundo ele, “o ONS indica a necessidade de manutenção de 50% de geração local para critérios de confiabilidade de suprimento”. A precaução está relacionada ao fato de Roraima, mesmo quando interligada, ter a característica de “ponta de rede”, exigindo uma redundância “in loco” que assegure a continuidade do abastecimento em situações de instabilidade do Linhão.
Adler explica ainda que hoje a rede de abastecimento elétrico de Roraima funciona com o critério de confiabilidade “N”, diferentemente do SIN que opera com confiabilidade “N-1”. A diferença, simplificadamente, é que no critério “N-1” a rede é equipada com recursos que permitem a manutenção do abastecimento mesmo com a perda súbita de um elemento do conjunto, enquanto no critério “N” essa perda pode levar a um colapso.
Até que haja uma provável evolução do critério, esperada para após a chegada do Linhão, todo cuidado continuará sendo pouco, até porque, conforme explica o executivo, Roraima vem apresentando forte crescimento da demanda por energia elétrica desde 2022, tendo registrado elevação da demanda máxima de 22% entre 2023 e 2024, e sendo esperado aumento de 11% para este ano, em linha com o ritmo de crescimento econômico.
Em 2022, último dado do IBGE disponível, o PIB de Rondônia teve aumento de 11,3%, o maior entre os 26 estados e o Distrito Federal brasileiros.