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Micro Reator Nuclear pode abastecer 68% das cidades

Projeto pode permitir a disponibilidade de MRNs em escala comercial dentro de 8 anos. Esses micro reatores podem ser uma alternativa aos sistemas isolados, em atividades industriais, data centers, mineração de criptomoedas e até O&G offshore

Por Chico Santos

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Reator de pesquisa Argonauta, no Rio de Janeiro, onde será instalado o microrreator brasileiro que está sendo desenvolvido com recursos da Finep e Diamante (Foto: Acervo IEN)

Enquanto as grandes potências nucleares do mundo, como China, Rússia e Estados Unidos, disputam a primazia de colocarem em operação comercial o primeiro Pequeno Reator Modular (SMR, na sigla em inglês), com ligeira vantagem para os russos que já tem o seu em testes, o Brasil, sem perder de vista aquela corrida e as suas perspectivas de inserção nela, envereda por uma rota autóctone, apostando no desenvolvimento de seu próprio projeto em tamanho menor, um Micro Reator Nuclear (MRN).

Diferentemente do SMR, que pode ter até 300 MW de capacidade, rivalizando com uma hidrelétrica de médio porte, o MRN chega, no máximo, a 20 MW, porte de uma PCH.

Nasceu na época da corrida espacial, como alternativa para suprir de energia satélites e naves, mas aqui pode transformar-se em alternativa para dar segurança energética ao grid. Em tese, com módulos de 5 MW, um conjunto de quatro desses reatores pode atender até 68% dos 5.570 municípios do país, aqueles com até 20 mil habitantes.

E se os planos derem certo e a vontade política prevalecer, é possível que esta solução já esteja disponível comercialmente daqui a oito anos, em 2033.

O cálculo é do engenheiro nuclear Adolfo Braid, à frente de um projeto P&D de três anos, com financiamento de R$ 50 milhões, dos quais 60% (R$ 30 milhões) em subvenção da principal financiadora estatal à inovação do país e 40% (R$ 20 milhões) em contrapartida da Diamante Energia.

Juridicamente, a personalidade do projeto é a Terminus Pesquisa e Desenvolvimento em Energia, startup liderada por Braid, engenheiro pelo IME, com mestrado em engenharia nuclear na Universidade da Califórnia (Berkeley) e doutorado na Coppe/UFRJ.

O projeto prevê parcerias com pelo menos nove instituições científicas e tecnológicas, incluindo as universidades federais do Ceará, Minas Gerai e Santa Catarina e a Amazul, empresa da Marinha do Brasil voltada para o desenvolvimento nuclear.

O micro reator eVinci, desenvolvido pelas empresas Bruce Power e Westinghouse para fornecer energia limpa e com custo competitivo para mercados descentralizados e fora da rede no Canadá (Foto: Westinghouse)

Ex-diretor Industrial da Nuclep na época da fabricação dos geradores de vapor da UTN Angra 1, Braid explica que quando foi procurado por colegas da comunidade tecnológica nuclear para discutir as perspectivas dos SMRs no Brasil, ponderou que, embora existam cerca de 80 projetos desses pequenos reatores mundo afora, a primazia no primeiro momento será dos países mais avançados no domínio da tecnologia nuclear.

Mas ressaltou que se essa busca inicial se concentrasse nos MRNs, o Brasil tinha condições de “projetar, fabricar e operar”, com a vantagem de ser uma instalação de fácil logística de movimentação.

O MRN seria ainda possível de ser fabricado em série, como em uma linha de montagem, e passível de contribuir com a transição energética na maior parte do território brasileiro, produzindo energia limpa, combinada ou não com fontes renováveis intermitentes (solar e eólica) e com instalações de armazenamento, como baterias.

A proposta de Braid aponta para um MRN de 5 MW, capaz de ser instalado em um contêiner de 12m e transportado facilmente para qualquer ponto do território brasileiro.

E uma bateria de quatro desses MRNs, totalizando 20 MW de capacidade, poderia abastecer uma cidade de 20 mil habitantes, o que abarca aqueles 68% dos municípios do país.

Em terra e no mar

Mas até que seja possível projetar e produzir um protótipo com tamanho e potência operacional era preciso projetar e desenvolver um reator em dimensões e potência de laboratório, uma potência economicamente irrisória, segundo o pesquisador, como a de uma lâmpada doméstica.

Foi no contexto desse debate que surgiu a oportunidade representada pelo edital da Finep para a seleção de projetos. A Terminus, uma startup independente nascida de “uma conversa entre amigos”, apresentou sua proposta que foi aprovada com nota máxima.

A exigência da Finep de uma contrapartida de 40% permitiu o encontro com a Diamante Energia que se dispôs a fazer a complementação da verba. O contrato foi assinado no dia 17 de junho passado, com prazo de três anos para apresentação do resultado que será aquele micro reator, chamado tecnicamente de unidade crítica, suficiente para permitir no seu interior uma reação nuclear em cadeia.

MRNs podem suprir sistemas isolados, data centers e atividades de exploração e produção de petróleo no mar (Fonte: Apresentação Terminus)

Braid ressalta que o projeto não tem relação direta com a busca da Diamante, concessionária do complexo termelétrico Jorge Lacerda de geração a carvão, em Santa Catarina, por uma alternativa limpa para depois de 2040, quando está previsto o fim da outorga com o uso do combustível fóssil.

A ideia da geradora é examinar a possibilidade de trocar o carvão por combustível nuclear, instalando SMRs no lugar do atual complexo de UTEs. O fundador da Terminus disse que o projeto do MRN independe dessa ideia, cuja perspectiva é mais de longo prazo, embora no futuro os dois caminhos possam se cruzar.

Nas apresentações que vem fazendo em diversos fóruns, Braid mostra que os MRNs têm aplicações muito mais pulverizadas do que os SMRs, começando pela possibilidade de suprir sistemas isolados, hoje dependentes de combustíveis fósseis, passando por suprimento a diversas atividades industriais, data centers, mineração de criptomoedas e até de suprir de energia a exploração e produção de óleo e gás no mar, reduzindo a pegada de carbono dessas atividades em meio à transição energética.

Unidade crítica

Entre as muitas vantagens técnicas e logísticas dos MRNs, o especialista destaca, além da produção de energia limpa com fator de capacidade de 100% em regime de 24/7, a possibilidade ser operado e monitorado remotamente, a facilidade de transporte, a possibilidade de fabricação em instalações de médio porte, a necessidade de pouco espaço por unidade de 5 MW – cerca de 4 mil m2  –  e, especialmente, uma delas: a dispensa do uso de água para resfriamento do reator.

O desenho do MRN prevê o funcionamento do reator acoplado a um sistema de trocadores de calor, tecnicamente chamados de heat-pipes, que fazem a função da água, insumo indispensável e de uso abundante nas UTNs e nos projetos de SMRs até agora apresentados.

Apenas por meios físicos naturais, sem necessidade de propulsão, os heat-pipes coletam o vapor quente produzido pelo gerador que transitam da ponta quente para a de menor temperatura onde se liquefazem, retornando ao ponto de origem por capilaridade e voltando ao circuito anterior em uma espécie de moto contínuo, alimentando ainda o conjunto de geração de energia.

O cearense Braid considera esses trocadores de calor como a parte mais importante da unidade crítica que deverá resultar do projeto. A dispensa da água de resfriamento elege o MRN como alternativa para o semiárido do Nordeste brasileiro.

Ele destaca nas suas apresentações que a região Nordeste possui 26,9% da população brasileira e consome 17,5% da energia, enquanto a região Sul, com 14,6% da população, consome 18,6% da energia.

Ou seja, a disseminação dos MRNs pelas cidades pequenas do semiárido seria um fator de mitigação da pobreza energética que caracteriza a região, apesar de ser ela a maior produtora do país de energia renovável intermitente.

Sem contar que, enquanto a geração das demais fontes estiver suprindo a demanda sem problema, a energia dos MRNs poderá ser usada para outras finalidades essenciais da transição energética, como a produção de hidrogênio verde, ou simplesmente armazenada em baterias para uso nos horários de pico.

Como o micro reator é uma instalação nuclear cuja capacidade vai além do uso médico ou para pesquisa, Braid entende que a difusão do seu uso passa pela necessidade de uma ação do Congresso Nacional.

Será preciso portanto flexibilizar o monopólio estatal da geração de energia nuclear que, na sua avaliação, está hoje incluída no monopólio estatal das atividades do setor para além do uso médico ou para pesquisa sob permissão (artigos 21, 22, 49, 177 e 225 da Constituição Federal).

Para o pesquisador, essa flexibilização será essencial no futuro para que a energia nuclear possa ser um dos vetores da descarbonização energética, condição que considera inevitável. Removido este obstáculo e o avanço ocorrendo no ritmo esperado, Braid projeta que a sequência deste projeto é a unidade crítica em três anos, o protótipo em cinco e operação comercial do primeiro MRN em oito.

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