Opinião

Portfólios híbridos – Quando um mais um somam mais que dois

Em alguns casos, a garantia física do grupo de projetos é quase 30% superior à soma das garantias físicas individuais de cada um

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Este trabalho debruça-se sobre uma característica brasileira ainda pouco explorada pelo setor: a complementaridade das nossas fontes renováveis. Será visto que o desenho de projetos híbridos, tal como atualmente executado, é interessante do ponto de vista do uso de transmissão – mas oferece resultados potencialmente pobres do ponto de vista do aproveitamento ótimo das diversas fontes.

O portfólio híbrido, aqui proposto, vai além. Aproveita e otimiza a potencialidade de cada fonte em cada lugar, levando a um resultado multiplicador: em alguns casos, a garantia física do grupo de projetos é quase 30% superior à soma das garantias físicas individuais de cada um.

Volatilidade,  Variabilidade e Risco

Muito se fala sobre a volatilidade das fontes renováveis, em especial a da energia eólica. No entanto, a definição encontrada no dicionário fala em “caraterística do que é volátil, do que não é firme, daquilo que muda constantemente ou se vaporiza” – o que leva a um conceito de incerteza, quase que de desconhecimento.

No entanto, o regime de velocidades de ventos é razoavelmente conhecido e acompanhado pelas instituições setoriais (como a EPE e o ONS). Por exemplo, a Figura 1 mostra a geração horária na Bahia para cada dia do mês de maio de 2017. Apesar da natural incerteza, é possível observar um padrão recorrente: velocidades mais altas durante a noite e madrugada, decrescendo até o início da tarde, quando começa a ocorrer o seu mínimo.  O fenômeno é sujeito à variabilidade (conhecida e esperada e portanto modelável) e não à volatilidade (não se “desvanece” inesperadamente).

Figura 1 – Variabilidade da geração eólica na Bahia – fonte:ONS

Esta variabilidade, entretanto, encerra riscos: o atendimento à demanda de energia, que costuma ser mais alta entre as 14 e as 17 horas (período de “calmarias”) dependerá da existência de outra fonte e o custo de suprimento será determinado pelo custo da fonte complementar.

A Complementação Térmica

É razoável – e correto – intuir que, nos momentos de baixos ventos, é necessária uma fonte complementar. Com os reservatórios bastante baixos (situação constante ao longo dos últimos anos, para não dizer décadas), resta às térmicas o (caro) trabalho da complementação.

Sabe-se que o Nordeste tem experimentado um intenso despacho de geração térmica este ano. Por exemplo, a Figura 2 apresenta a geração térmica despachada em Abril de 2017, segundo informações do Operador Nacional do Sistema (ONS). Foram gerados aproximadamente 2,5 GW médios, com um custo aproximado de R$ 345 milhões. É interessante notar o alto custo marginal: o custo variável da térmica mais cara, na ordem de mérito, chega a ultrapassar os R$800/MWh, se considerarmos as usinas despachadas fora da ordem de mérito.

 

Figura 2 – Geração Térmica no Nordeste – Abril de 2017 – fonte: ONS

Uma Candidata Natural à Complementação

Boa parte da geração térmica mais cara poderia ser substituída por uma energia mais limpa – e mais econômica. A chave é o uso de uma energia que o Brasil tem em abundância: o sol – mais especialmente, focalizamos neste trabalho a fotovoltaica.

A Figura 3 mostra as médias horárias para o ano de 2015 para a velocidade dos ventos e a radiação solar na Bahia: pode-se observar uma complementaridade quase que perfeita; o sol é “mais forte” à medida em que os ventos enfraquecem. (Evidentemente, haverá um conjunto de locais com complementaridade ótima; este trabalho debruça-se apenas sobre um deles).

Figura 3 – Complementaridade eólico/solar ao longo do dia

(Elaboração ENGENHO a partir de dados CDC)

A complementaridade mantém-se ao longo do ano, como mostra a Figura 4: meses associados a ventos mais fracos experimentam radiações mais fortes.

Figura 4 – Complementaridade  eólico/solar ao longo do ano

(Elaboração ENGENHO a partir de dados CDC)

Finalmente, a Figura 5 e a Figura 6 apresentam respectivamente o panorama  eólico/solar a longo prazo através de séries históricas mensais e anuais de irradiância solar e velocidades de ventos. Nota-se que até mesmo as tendências (provocadas talvez pelas mudanças climáticas) são complementares – enquanto as velocidades de ventos caíram, a radiação solar aumentou.

Figura 5 –  Complementaridade  eólico/solar a longo prazo – dados mensais

(Elaboração ENGENHO a partir de dados CDC)

 

Figura 6 –  Complementaridade  eólico/solar a longo prazo – dados anuais

(Elaboração ENGENHO a partir de dados CDC)

Em outras palavras, a energia solar – e a fotovoltaica, em particular, é uma alternativa natural para a complementação da fonte eólica, “compensando” a sua variabilidade. O produto eólico/solar é capaz de oferecer um produto mais seguro, constante e confiável, assegurando ao consumidor a disponibilidade de energia independentemente dos regimes ou anomalias climatológicas.

A mitigação dos riscos climatológicos com fontes renováveis é uma importante característica brasileira, rara – talvez até única – no mundo. Se bem explorada, podemos construir a longo prazo um portfólio único no mundo, privilegiando a sustentabilidade.

 

Caso Estudo

Apresentamos a seguir um caso estudo com a construção de um portfólio eólico-solar para o interior da Bahia. Para proteger a confidencialidade de dados e investidores, o artigo não informa a localização exata dos parques ou a empresa proprietária. Podemos entretanto dizer que os dados e resultados são reais e podem servir como uma base para propostas mais abrangentes e estudos mais aprofundados.

A produção eólica

A produção eólica é calculada a partir da curva típica das turbinas na região, ilustrada na Figura 7

Figura 7 – Curva típica de produção eólica a partir da velocidade de ventos.

A geração diária é apurada hora a hora para todo o histórico disponível (desde 1979) e apresentada na Figura 8. É possível notar a distribuição irregular, bem como a diferença significativa entre os critérios de garantia física P50 (produção garantida ao menos em 50% do tempo) e P90 (produção garantida em ao menos 90% do tempo.

Figura 8 – Distribuição da Produção Eólica Diária

A produção solar

O histograma da produção (neste caso, fotovoltaica) apurado hora a hora para um parque típico com potência instalada igual a 30 MW é apresentado na Figura 9. Observa-se uma variabilidade menor, que por si só já seria um mitigador para a incerteza eólica.

Figura 9 – Distribuição da Produção Solar Diária

O Portfólio Híbrido

A próxima questão seria a composição do portfólio ótimo. Qual seria a proporção ideal (fotovoltaica/ eólica) de modo a conseguir o produto ideal?

Nosso objetivo, neste trabalho, será o produto mais constante (“Flat”). Nada impede, evidentemente, a construção de um portfólio capaz de seguir a modulação da carga do sistema ou de um consumidor específico. Nosso critério será sempre a “garantia de produção” de cada projeto, definida em nossa avaliação pelo indicador P90. Vale notar que, graças à complementaridade observada, é correto esperar que a garantia do portfólio híbrido seja maior que a soma das garantias de cada fonte, observando sempre o mesmo critério (em nosso caso, P90).

Em outras palavras, desejamos calcular a potência fotovoltaica a ser adicionada ao parque já existente (em nosso caso, 21 MW) que maximize a garantia total para o projeto híbrido. A Figura 10  apresenta o ganho da garantia do projeto híbrido (sobre a soma das garantias de cada projeto (eólico/solar) como função da potência instalada da fonte fotovoltaica. Pode-se notar que, a partir da potência igual a 30 MWp, os ganhos oferecidos pelo projeto híbrido são mais modestos – motivo pelo qual este valor foi escolhido.

Figura 10 – Ganhos de produção garantida em função da adição de energia fotovoltaica.

Finalmente, A Figura 11 apresenta a produção por fonte e conjunta ao longo de um ano (neste caso, 2014)

Figura 11 – Produção Eólica/Solar para o ano de 2014

A estabilização do produto obtido fica ainda mais evidente se observado o histograma de produção do portfólio híbrido ilustrado na Figura 12

Figura 12 – Distribuição de produção do projeto híbrido

e na Tabela 1

Tabela 1 – Ganho em garantia de produção do projeto híbrido

Conclusões

O portfólio híbrido (em nosso caso, eólico/fotovoltaico) encerra um conjunto de vantagens importantes, que podem ser profundamente exploradas, de forma a brindar ao consumidor uma energia de melhor qualidade, graças a

  • A complementaridade diária, sazonal e interanual, que permitem a mitigação de riscos climatológicos com fontes renováveis, evitando o custo econômico e ambiental de usinas térmicas mais caras e poluentes.

 

  • O ganho em segurança e garantia de suprimento, que reduz a chamada volatilidade (melhor caracterizada pela variabilidade) da produção e leva a uma operação mais ágil e confiável.

Finalmente, é interessante notar que nosso objetivo não é o simples aproveitamento de “restos” de capacidade de escoamento em conexões ou linhas de transmissão. Na verdade, limitar a capacidade fotovoltaica pela capacidade da conexão significaria limitar o ganho na qualidade do produto total e na garantia de produção.

Ao contrário, sabe-se que a distribuição geográfica de radiação solar pelo Brasil, e principalmente pelo Nordeste, é muito generosa. A fonte fotovoltaica não está restrita a locais específicos, e pode ser instalada onde houver capacidade de escoamento. Este fato torna o portfólio híbrido único, amoldando-se à rede e às necessidades do consumo, oferecendo ao sistema e ao mercado uma energia de qualidade, limpa, à medida das necessidades do país.

O esgotamento da fonte hídrica, concretizado pelo deplecionamento de nossos reservatórios, pede a adoção de novas soluções, de um pensamento “fora da caixa”.  É tempo de aproveitarmos a potencialidade de nossas renováveis, tão necessária a um país que quer, e precisa, crescer.

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