Em meado de 2016, o Ministério de Minas e Energia (MME) lançou Consulta Pública intitulada “Gás para Crescer” com o objetivo de adequar as atividades do setor ao novo momento do mercado, ou seja, o fim do monopólio da estatal federal em diversos elos da cadeia de gás natural.
Diante do expressivo número de sugestões apresentadas na Consulta Pública, em abril/2017, através de resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o MME decidiu criar um comitê técnico para o desenvolvimento da indústria de gás natural, a fim de estabelecer as diretrizes estratégicas para o desenho de novo mercado de gás natural (marco regulatório).
O referido comitê técnico foi criado com objetivo de propor medidas que garantam a transição de um modelo centralizador e monopolista para outro que garanta a livre concorrência na oferta de gás natural. Teve como representantes os Ministérios de Minas e Energia, Casa Civil, Ciência e Tecnologia, Fazenda e Indústria e Comércio, além de membros da Empresa de Pesquisa Energética, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, da Agência Nacional de Energia Elétrica, da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia, da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica, entre outros.
Em artigo Adriano Pires alerta que: “... mais uma vez, o governo parece estar caindo na armadilha da síndrome da espiral. Em vez de focar em pontos nos quais existe consenso no mercado, encurtando o caminho para o gás ter participação mais relevante na matriz energética, cria oito grupos de trabalho e manda os agentes do setor se entenderem. Isso é voltar a uma prática que já se mostrou improdutiva.”. Segundo ele “essa síndrome acontece quando as pessoas têm certeza de que o caminho mais curto entre dois pontos não é uma reta, e sim uma espiral.” .
O caminho mais curto para o desenvolvimento da indústria de gás natural seria aplicar o estabelecido nos atuais textos legais.
A legislação existente delineou o mercado de gás natural. Mas não houve a aplicação dos conceitos legais por parte dos órgãos públicos.
O mercado de gás natural manteve-se indiferente aos textos legais, salvo pouquíssimas exceções.
Atualmente, as empresas que prestam os serviços de distribuição de gás canalizado também vendem o produto gás natural. Estas duas atividades – distribuição e comercialização – estando concentradas no mesmo agente gera monopólio, contrariando o espírito de livre concorrência, conforme será demonstrado a seguir.
Comercialização
Sancionada em 4 de março de 2009, a Lei nº 11.909 (Lei do Gás Natural) instituiu normas para a exploração da atividade econômica de comercialização de gás natural em todo o território nacional. Esta Lei também estabeleceu normas para a exploração das atividades de transporte, tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseificação, importação e exportação de gás natural. Foi regulamentada pelo Decreto nº 7.382, de 2 de dezembro de 2010.
A Lei definiu comercialização de gás natural como sendo a atividade econômica de compra e venda de gás natural, realizada por meio da celebração de contrato, negociado entre as partes e registrado na Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Nos termos da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 (Lei do Petróleo), a ANP é responsável pela regulamentação e fiscalização da atividade de comercialização de gás natural. Para o exercício da atividade de comercialização de gás natural, há necessidade de obtenção de registro de agente vendedor junto à ANP perante os requisitos estabelecidos na Resolução ANP nº 52/2011.
São agentes da atividade de comercialização de gás natural:
- Comercializador ou Agente Vendedor: é aquele que detém a propriedade de volume de gás natural, registrado e autorizado pela ANP para exercer a atividade de comercialização (compra e venda) de gás natural.
- Consumidor: é pessoa física ou jurídica que adquirir volume de gás natural de um Comercializador (Agente Vendedor).
O gás natural comercializado por estas empresas é conduzido por:
- Gasoduto (Dutos de Condução): Sob a forma gasosa através de gasoduto em alta pressão - na faixa 40-100 bar.
- Canalizado (Tubos de Condução): Sob a forma gasosa através de tubulações em baixa/ média pressão - na faixa 0,017 - 10 bar.
Distribuição
Previsto no Parágrafo 2º do artigo 25 da Constituição Federal, a modalidade de condução do gás na forma canalizado é um serviço público, regulada pela Lei nº 8.987 de 13 de fevereiro de 1995 (Lei de Concessões de Serviços Públicos).
A Constituição Federal utiliza-se da expressão “serviços locais de gás canalizado” para designar o serviço de movimentação de qualquer fluído em estado gasoso, através de tubulações.
Deste modo, o serviço local de gás canalizado (ou distribuição de gás canalizado) é um serviço público explorado pelo Estado diretamente ou através de concessão. Este serviço compreende a movimentação de qualquer gás, por meio de redes de distribuição, a construção e a operação dos referidos gasodutos de distribuição até os usuários finais localizados nas respectivas áreas de concessão, nos termos e condições estabelecidas nos respectivos contratos de concessão.
São agentes dos serviços locais de gás canalizado:
- Poder Concedente (Estado): é a entidade política que detém a titularidade de exploração do serviço público de distribuição de gás canalizado.
- Concessionária de Gás Canalizado: é pessoa jurídica classificada como prestadora de serviço público na modalidade de concessão.
- Usuário: pessoa física ou jurídica que utilize os serviços de distribuição de gás canalizado prestados pela Concessionária e que assuma a responsabilidade pelo respectivo pagamento e demais obrigações legais, regulamentares e contratuais.
Observa-se que a comercialização e distribuição são atividades distintas que não devem estar concentradas nas distribuidoras estaduais. Portanto, não há necessidade de serem gerados novos textos legais para aprimoramento dos textos legais em vigor, há necessidade do aperfeiçoamento da Lei do Gás Natural e Decreto nos seguintes temas:
- Criar o mercado cativo para consumidores cujo consumo de gás natural seja igual ou inferior a 50.000 m³ por mês.
- Criar o mercado livre para consumidores cujo consumo de gás natural seja superior a 50.000 m³ por mês.
- Vedar a atividade de comercialização de gás natural pelas concessionárias ou empresas estaduais de serviços locais de distribuição gás canalizado, salvo para o mercado cativo (desverticalização para o mercado livre).
- Regulamentar a atividade de comercialização de gás natural para o mercado cativo, através de empresas de serviços locais de distribuição de gás canalizado.
- Criar convênio entre os Estados para uniformização das normas estaduais da distribuição de gás canalizado, inclusive a estrutura da taxa de uso do sistema de distribuição.
- Criar o operador nacional do sistema de gás natural, nos moldes do Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS.
- Criar a câmara de comercialização de gás natural, nos moldes da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE.
- Retomar os leilões eletrônicos para comercialização de volumes de gás natural importado e nacional, nos moldes de 2009.
- Criar regras para as trocas operacionais (Swap) de gás dentro dos sistemas estaduais de distribuição de gás canalizado.
A implantação dos temas acima permitiriam a livre concorrência e o fim do monopólio dos Estados na comercialização de gás natural, cujos resultados seriam benéficos para o desenvolvimento do mercado de gás natural em todo território nacional.
¹ - Resolução CNPE nº 10, de 14 de dezembro de 2016.
² - Artigo intitulado “A Síndrome da Espiral” - no site “O Estado de São Paulo”, de 11 de fevereiro de 2017 - http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,a-sindrome-da-espiral,70001661703
³ - Artigo intitulado “A Síndrome da Espiral” - no site “O Estado de São Paulo”, de 11 de fevereiro de 2017 - http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,a-sindrome-da-espiral,70001661703