Opinião

20 anos da EPE, com grande legado e visão para o futuro

Com participação decisiva em 104 leilões de geração e transmissão, que por sua vez trouxeram investimentos de quase R$ 900 bilhões, a empresa é um dos braços do Estado para viabilizar o crescimento equilibrado e sustentável da matriz energética

Por Wagner Victer

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Recentemente, participei no Rio de Janeiro de uma cerimônia bastante significativa, marcando os 20 anos da criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). No evento, o que mais me surpreendeu foi a representatividade dos participantes; não só empresários dos diversos segmentos do setor de energia, mas também entidades, tanto públicas como privadas, e a imprensa especializada, todos fortemente representados.

Há muitos anos, também participei ativamente das discussões para a criação da EPE, pois, à época, eu atuava como secretário de Energia e Petróleo do Estado do Rio de Janeiro, ainda no primeiro governo Lula. No debate, eu era muito consciente da importância da sua criação, até por ter vivenciado também, em gestão anterior como secretário, ao longo do segundo governo Fernando Henrique Cardoso, o enfrentamento ao grave colapso no sistema elétrico brasileiro, conhecido como “apagão”, que eclodiu no período de 2000-2001.

Por ocasião do período que cercava os debates para a criação da EPE, pela primeira vez após décadas, o tema “energia” se transformava em um item central nas eleições presidenciais. Mais do que nunca, a conjunção de situações de um setor que começava a ser privatizado, com uma regulação não madura e o enfraquecimento das principais estatais do setor, se alinhava a uma dispersão não integrada do planejamento central. Este, por sua vez, sequer orientava um diagnóstico determinante para enfrentar a crise.

A própria Lei 9.478/97, que na ocasião buscava estruturar o setor energético e criava o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), basicamente focava sua atenção para os conhecidos leilões de concessão dos primeiros blocos da ANP.

Nesse confuso contexto, surgia o diagnóstico para a necessidade da criação de um ente permanente de Estado, que tivesse corpo técnico qualificado, voltado a suportar um planejamento central e integrado e que, subordinado ao MME  pudesse subsidiar decisões de política energética junto ao CNPE e que buscasse se integrar com os principais agentes do setor, em especial aos reguladores como Aneel e ANP e o ONS .

E assim, com a Medida Provisória, transformada na Lei 10.847 de 15 de março de 2004, foi autorizada a criação da EPE. Sua implementação, de fato, deu-se através do Decreto 5.184 de 16 de agosto de 2004.

Recordo-me dos intensos debates no Legislativo Federal, onde, apesar de ainda sensíveis por conta das questões políticas derivadas do processo da disputa eleitoral então recente, conseguimos criar uma convergência do entendimento da importância de sua criação. Aliás, nesse debate sobre a criação da EPE, como no passado já havíamos conquistado para o Rio de Janeiro os escritórios centrais da ANP e ONS, na ocasião, também atuando como secretário de Energia, tive a oportunidade de sugerir e minutar uma emenda que foi defendida por dois então deputados federais fluminenses da chamada oposição: Eduardo Paes e Márcio Fortes. Eles colocaram no texto final do projeto aprovado o escritório central da EPE no Rio de Janeiro, onde permanece até os dias de hoje.

De lá pra cá, além de não termos tido novos colapsos energéticos no abastecimento nacional, tivemos a produção de energia primária no país evoluindo de 190 mil tep para 390 mil tep. Já a capacidade de geração elétrica instalada teve significativo crescimento, de 90 GW para cerca de 200 GW.

Através dos leilões de geração, onde a EPE teve efetiva participação, foram realizados 47 certames, com 93 GW de potência instalada por mais de 1.400 empreendimentos e investimentos da ordem de 500 bilhões de reais.

Na área de transmissão elétrica, um dos grandes gargalos do sistema integrado e que muito contribuíram para o “apagão”, os resultados foram ainda mais contundentes, pois foram implantados cerca de 120 mil km de linhas, o que daria para dar 4 voltas integrais em nosso planeta. Foram realizados 57 leilões, onde foram negociados investimentos da ordem de 390 bilhões de reais.

Na energia renovável, considerada à época como "não convencional", as contribuições da EPE foram muito significativas. Posso citar a geração eólica, que teve um crescimento da ordem de 300 vezes, saindo de 39 MW para 12 GW. Já a produção de biodiesel saiu de 1.500 barris diários para 250 mil barris, um número 160 vezes maior. E a evolução mais significativa aconteceu na fonte solar, que de praticamente inexistente alcançou grandiosos 44 GW. Uma ação decisiva para a chamada Transição Energética muito antes que tal demanda fosse consenso. 

A EPE é um grande case de criação de um órgão para subsidiar e desenvolver políticas públicas de sucesso e sua trajetória, conduzida por titulares com sólida formação técnica desde Maurício Tolmasquim, o mais longevo executivo da empresa, passando por Luiz Barroso, Reive Barros, Thiago Barral, até o atual Thiago Prado, conseguiu dar resultados concretos, também por estar associada a uma equipe de profissionais de carreira. Isso permitiu construir uma razoável blindagem contra interferências políticas e consequentemente confiança e resiliência no setor energético nacional, como sonhávamos na época.

Afirmo com tranquilidade que a EPE mostrou extrema capacidade técnica e idoneidade para planejar o setor elétrico brasileiro nas últimas duas décadas. Seus estudos e projeções foram cruciais para gerar estabilidade e previsibilidade aos investimentos, o que permitiu o crescimento equilibrado e sustentável da matriz energética do Brasil.

 Para o futuro, novos e complexos desafios se avizinham, como a intermitência das fontes renováveis no sistema, mudanças nas frotas veiculares e a expansão da conexão de grandes cargas, como de data centers e possivelmente H₂ verde. Nesse cenário, há a necessidade da continuidade da existência de uma parte neutra e técnica para rediscutir os desenhos de mercado vigentes e coordenar o alinhamento entre o público e o mercado através da proposição de soluções concretas aos desafios vindouros. Após essas duas décadas, confio que a EPE está extremamente apta para dar continuidade a essa missão.

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