Opinião

Concessões de geração e o regime de cotas de garantia física

Ainda que se possa suscitar pontos passíveis de aprimoramento no regime de cotas de garantia física, há de se reconhecer que o referido regime parece não ser aderente à nova dinâmica do setor que caminha para uma maior liberalização nas formas de comercialização de energia elétrica

Por Mariana Saragoça

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Ao longo do último ano de 2022, e mais intensamente neste ano de 2023, o setor elétrico voltou a discutir o tratamento a ser dado às concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, cujos contratos de concessão vencem, em sua maioria, a partir do ano de 2025.

Especificamente para o setor de transmissão de energia elétrica, o Poder Concedente editou o Decreto nº 11.314, de 28 de dezembro de 2022 no final de 2022, estabelecendo a licitação dessas concessões como regra geral e facultando a prorrogação de concessões exclusivamente para os casos em que a licitação se mostrar inviável ou contrária ao interesse público.

No que se refere ao setor de distribuição, no artigo A necessária discussão acerca da possibilidade de prorrogação das concessões de distribuição, publicado em agosto do último ano, tecemos alguns comentários sobre a legislação vigente bem como sobre o tratamento conferido pelo Poder Concedente em situações análogas e a relevância de que eventuais diretrizes fossem debatidas com a sociedade.

Ainda que com certo atraso, o tema vem sendo citado pelo próprio Ministério de Minas e Energia, que deve abrir Consulta Pública sobre o tema. De acordo com as declarações até o momento, a sinalização é pela prorrogação das concessões de distribuição de forma não onerosa, mas com a análise do histórico de qualidade dos serviços prestados e com avaliação de possíveis contrapartidas sociais.

Neste contexto, trazemos algumas considerações sobre as concessões de geração de usinas hidrelétricas que também demandarão um tratamento específico nos próximos anos.

Avaliando o histórico recente, destaca-se que situação análoga vivenciada no início da década foi tratada no âmbito da conhecida Medida Provisória nº 579/2012, posteriormente convertida na Lei nº 12.783/2013.

A referida norma permitiu a prorrogação das concessões de geração, inclusive de forma antecipada, mas desde que o então concessionário aceitasse as novas condições definidas pelo Poder Concedente que incluíam a remuneração por tarifa calculada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a submissão a padrões de qualidade de serviço e a vedação à livre comercialização da energia com a alocação de cotas de garantia física às distribuidoras de energia elétrica. Estava criado o regime de cotas de garantia física.

Sem entrar no mérito da adequação ou não da referida medida, não se pode ignorar o benefício social pretendido, com a destinação da energia gerada por usinas hidrelétricas com boa parte dos investimentos já amortizados, e que, portanto, poderia ser comercializada a preços inferiores, às concessionárias de distribuição e, consequentemente, ao mercado cativo.

De outro lado, também não podemos esquecer dos impactos negativos trazidos pelo referido regime de cotas de garantia física, muito em razão da não adesão aos termos citados por alguns concessionários e, em especial, pela assunção dos riscos hidrológicos pelas distribuidoras de energia elétrica, com direito de repasse à tarifa do consumidor final que veio seguida de um cenário hidrológico desfavorável que acabou por impactar negativamente as tarifas praticadas pelas distribuidoras.

Fato é que, com pontos positivos ou negativos, o mercado aderiu ao referido regime seja aceitando as condições de prorrogação antecipada seja pelo êxito das licitações das concessões não prorrogadas.

Passada uma década da publicação da Medida Provisória nº 579/2012, temos que reconhecer que o regime de cotas de garantia física apresenta claros sinais de esgotamento.

Não à toa, observou-se recentemente um movimento de “descotização” dessas usinas, com a alteração de seu regime para produção independente de energia atrelada a privatizações – nos termos dispostos no Decreto nº 9.271/2018 –, como nos casos já concluídos da CEEE-G e Eletrobras e em casos em análise como Celg-G e Copel.

Além de todos os aspectos que se mostraram não benéficos ao setor elétrico e aos próprios consumidores, há ainda de se observar que a situação fática atual difere significativamente daquela vivenciada no início da década. Explica-se.

Ainda como resultado da crise econômica que atingiu o país na segunda metade da década, agravada pela pandemia do COVID-19, verifica-se uma situação de sobrecontratação de energia nas distribuidoras, que pode ainda ser agravada com a migração de consumidores para o mercado livre e o crescimento da micro e minigeração distribuída.

A expectativa para os próximos anos – com a já anunciada abertura do mercado livre, vide Portarias MME nº 465/2019 e nº 50/2022 bem como a Consulta Pública MME nº 137/2022 –, é que as distribuidoras necessitem cada vez menos de contratos de energia, razão pela qual ampliar a destinação de cotas de garantia física decorrentes de novas prorrogações de concessões pode trazer uma complexidade ainda maior para o tratamento a ser dado aos contratos legados.

Tal como no caso das concessões de distribuição é de suma relevância que o tratamento das concessões de geração seja debatido com a sociedade e com o mercado para que, com as variáveis postas, o Poder Concedente defina, de forma fundamentada, a melhor alternativa para o setor elétrico.

Nestes termos, ainda que se possa suscitar pontos passíveis de aprimoramento no regime de cotas de garantia física, há de se reconhecer que o referido regime parece não ser aderente à nova dinâmica do setor que caminha para uma maior liberalização nas formas de comercialização de energia elétrica.

Dessa forma, é também imperioso que a definição destas diretrizes se dê com a maior brevidade possível para, além de garantir a previsibilidade, contribuir nas discussões e planejamento setorial acerca da abertura do mercado livre, da segurança do sistema e da adequada atribuição de custos e riscos.

Mariana Saragoça é advogada e sócia do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação; Frederico Accon Soares é advogado sênior e sócio do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação com ênfase no setor elétrico.

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