A correta defesa do meio ambiente

O bem-estar e o desenvolvimento social passam por prover à população os benefícios da energia elétrica. Pelo planejamento do setor, é necessária a instalação de 6 mil MW por ano. O potencial hidrelétrico brasileiro é estimado em 246 GW, e menos de um terço dele é explorado. 

Desde o final do século 19 a geração hidrelétrica tem sido o principal propulsor do desenvolvimento nacional, com a produção de energia econômica, limpa e de fonte renovável. O susto ocorrido desde outubro passado, porém, quando todas as termelétricas precisaram ser despachadas, trouxe de volta os discursos de necessidade da instalação de novas térmicas.

Especial menção de benefícios ambientais deve ser feita à operação dos reservatórios hidrelétricos. Mesmo não sendo sua principal finalidade, essa operação procura minimizar os deletérios efeitos de descargas extremas de estiagens e de cheias. 

O sistema elétrico brasileiro atingiu sua máxima confiabilidade nos anos 80, mesmo nas mais drásticas condições de estiagem já registradas. Era garantido o fornecimento por 7,5 anos sucessivos, o que revela a alta confiabilidade do suprimento elétrico da época. Essa confiabilidade, no entanto, começou a entrar em colapso por falta de investimento na capacidade de regularização dos novos reservatórios, resultando na crise de abastecimento de 2001. 

Com as generalizadas resistências políticas, autodefinidas como ambientais, nos processos de licenciamento ocorridos nas últimas décadas, aliadas à falta de combatividade do setor elétrico, os projetos hidrelétricos têm sido de usinas a fio d’água, sem reservatórios com volumes capazes de contribuir para armazenar energia e regularizar cursos d’água  – e, consequentemente, sem capacidade de firmar maiores blocos da energia para todo o sistema interligado. Assim, observa-se a perda gradual da possibilidade de gerar para acompanhar o crescimento da demanda, e sem acréscimo da capacidade de regularização. 

No projeto da UHE Belo Monte, as renúncias na produção elétrica pela redução da regularização fizeram com que a capacidade da usina passasse de 55% para menos de 40%, um benefício renunciado superior a R$ 2 bilhões por ano, que terá de ser compensado com outras fontes de energia. Outro exemplo dessa usina é claro para todos atualmente: se não tivesse havido retardos em sua construção devidos a injunções políticas, Belo Monte estaria hoje produzindo a energia equivalente à que está sendo gerada por todas as termelétricas que estão em operação a um custo superior a R$ 1 bilhão por mês.

A sociedade deve entender que, ao reduzir ou eliminar a capacidade de regularização das novas hidrelétricas, surge a necessidade de instalar elevadas capacidades termelétricas para garantir o fornecimento, pois usinas a fio d’água, eólicas e solares não conseguem armazenar energia. Dessa forma, ambientalistas, mesmo com a melhor das intenções de combater impactos negativos locais, contribuem para aumentá-los no território nacional, pelo despacho cada vez mais frequente de termelétricas, com operação até oito vezes mais dispendiosa e muito mais poluente. 

Prevê-se que o setor elétrico passará por momentos difíceis já este ano, quando as termelétricas deverão permanecer operando. Afinal, a carência de capacidade de regularização hidrelétrica está aumentando com as novas usinas estruturantes, praticamente desprovidas de volumes úteis em seus reservatórios, e com o grande número de eólicas, que não dispõem de recursos físicos para estocar energia. Nossa matriz elétrica está se tornando aceleradamente suja em função de uma falsa proteção ambiental, que, além de demandar a necessidade de térmicas poluidoras, contribui para a perda de economicidade do setor, com os acréscimos de tarifa que penalizam consumidores residenciais e encarecem os produtos industrializados, diminuindo a competitividade da indústria nacional. 

Numa matriz de recursos renováveis, é importante lembrar que os reservatórios hidrelétricos virtualmente estocam também bagaço de cana, vento e insolação.

Flavio Miguez de Mello é diretor Técnico da BrazilHydropower