Opinião

Efeito da medição inteligente na estrutura tarifária

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

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Energia elétrica é, em geral, produzida longe do local de consumo e depende da existência de uma rede de transmissão/distribuição para chegar onde é utilizada. Nenhuma rede seria necessária se fosse possível gerar eletricidade localmente, por meio de algum microgerador, em quantidade suficiente para atender à demanda e a um custo competitivo. Será que o crescente uso de microgeração fotovoltaica que se observa nos países desenvolvidos poderá resultar na dispensa dos serviços da distribuidora local? A resposta é não, porque a área disponível para instalação de painéis solares raramente é suficiente para atender à carga, há o hiato de geração no período noturno e, mesmo durante o dia, o sol nem sempre está brilhando.

É de se prever que no Brasil haverá também a disseminação da instalação de painéis fotovoltaicos, que já estão ficando economicamente atraentes, sobretudo para os consumidores residenciais. Isso porque o quilowatt-hora gerado localmente substitui o kWh proveniente da rede, que é bastante caro por embutir diversos encargos e tributos. Trata-se de uma situação ao mesmo tempo boa – energia solar é renovável – e preocupante. Afinal, as distribuidoras continuarão a ter a responsabilidade de manter as redes em boas condições de operação, mas arrecadarão menos.

Para evitar a deterioração dos serviços é necessária uma modificação da estrutura tarifária de modo a tornar a tarifa binômia obrigatória para os consumidores-produtores, inclusive os de baixa tensão. Na tarifa binômia os consumidores pagam uma parcela fixa proporcional à potência colocada à sua disposição, medida em kW. Trata-se de uma espécie de aluguel que remunera a distribuidora e as transmissoras, integrantes da rede básica, pelo investimento feito para permitir acesso permanente à energia gerada alhures. A outra parcela é proporcional à energia consumida, medida em kWh.

Essa modificação tarifária faz sentido porque, pela legislação vigente, o negócio da distribuidora é o aluguel de fios, e não compra e venda de energia. No entanto, seria preciso ir além e disciplinar não apenas o preço do kWh comprado da rede, mas também o preço do kWh vendido para a rede, nos momentos em que ocorra sobra, registrado por uma medição inteligente, que permita a contabilização econômica de fluxos energéticos bidirecionais. 

Medidores inteligentes têm sido instalados em todo o mundo pelas mais variadas razões. Não apenas para viabilizar a contabilização da microgeração, mas também para permitir medição e corte de fornecimento a distância, informar o consumidor sobre temas de seu interesse (a melhor hora para acionar a máquina de lavar, por exemplo) e tornar factível o sistema pré-pago. E, sobretudo, para que o preço percebido pelo consumidor traduza o custo real. Se os reservatórios das hidrelétricas estiverem baixos, o preço do kWh deve ser alto para induzir a redução do consumo. Analogamente, o preço do kWh deve subir durante as horas em que o consumo coletivo se aproxima da capacidade da rede. Por meio da medição inteligente alcança-se o equilíbrio entre oferta e demanda de energia elétrica e minimiza-se o custo da expansão da rede não apenas pelo aumento da oferta, como é tradicional, mas também pela gestão da demanda.

No Brasil, os medidores inteligentes têm sido utilizados principalmente para combater o furto de energia. Como os que não pagam pelo consumo costumam desperdiçar, esses medidores, em conjunto com as redes protegidas (para evitar ligações diretas na rede de baixa tensão) e o sistema de pré-pagamento, têm enorme potencial para induzir o uso mais eficiente e sustentável de nossos recursos energéticos.

Há outros temas relevantes que também deveriam fazer parte da agenda de discussões sobre a estrutura tarifária. Por exemplo, a criação de uma tarifa diferenciada para os consumidores de baixa tensão servidos por redes subterrâneas. O objetivo seria sinalizar tanto para a classe política quanto para a sociedade que, quando se criam leis para obrigar as concessionárias a enterrar as redes em locais nobres, ocorrem duas consequências. De um lado, a indubitável melhoria da paisagem urbana. De outro lado, o custo suplementar (redes subterrâneas são bem mais caras que as aéreas), que deve ser arcado apenas pelos cidadãos que moram nas zonas embelezadas, e não por todos os consumidores da área de concessão.

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses

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