Opinião

A governança do Setor Elétrico Brasileiro não está compatível com o nível de complexidade do setor

Por Redação

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A citação de Morin talvez seja um bom ponto de partida para apresentar as conclusões recém-obtidas em pesquisas na UFRJ, que apontam sensíveis possibilidades de aperfeiçoamento da coordenação institucional do Setor Elétrico Brasileiro (SEB) – ou seja, da sua governança.

Uma visão histórica das mudanças no marco regulatório do SEB, desde 1995, depois de duas décadas, colocaria o Brasil numa trajetória inicial assemelhada à de muitos países que adotaram reformas liberalizantes, mas que, já em 2004, optou por escolhas únicas, que demandaram instrumentos e procedimentos específicos, tais como a coexistência e articulação entre os mercados regulados e livres, e os leilões de oferta, pilotados pelo Governo Federal.

De fato, a experiência internacional das várias tentativas de reformas, do tipo a que se submeteu o SEB, indica que as condições específicas de cada país são determinantes em grande medida para a evolução com melhores ou piores resultados. Dois institutos diferenciadores em particular se articulam nessas trajetórias: a regulação (formulação, implantação e gestão das regras e instrumentos de mercado); e a solução de governança setorial (princípios e mecanismos que regem a interação entre agentes).

No caso brasileiro, temos dado atenção quase que exclusivamente à regulação, deixando a governança de lado, sem os devidos cuidados com a forma como as instituições se percebem, se influenciam mutuamente, como, enfim, se relacionam. 

Particularmente, o SEB atual enfrenta diversas questões: dúvidas sobre a efetividade do planejamento setorial e a viabilidade da expansão da matriz energética, com predomínio hidroelétrico; questionamentos sobre regime tributário, políticas socioambientais e regime de leilões; contestação sobre a segurança energética, envolvendo até mesmo o Tribunal de Contas da União (TCU); arguições sobre a efetividade do ferramental de estudos de apoio à operação interligada; dúvidas sobre o grau de obsolescência das instalações de transmissão do Sistema Interligado Nacional (SIN); e uma perspectiva de complexidade crescente na gestão combinada de recursos hídricos.

Este é claramente um ambiente complexo, com características tais que exige um tipo de governança com flexibilidade e adaptabilidade que não deixem que o setor acumule questões numa escala em que se projetam necessárias reformulações e correções do modelo setorial a cada intervalo entre cinco e dez anos.
Este tipo de ambiente pode e deve ser tratado como um Sistema Complexo Adaptativo (SCA), onde imperam: a conectividade entre agentes; o alinhamento natural entre subsistemas; a auto-organização interna das partes diante de mudanças; a coevolução das partes; e a emergência de reações ou novas regularidades e padrões que não têm nenhuma contrapartida no passado. Tais sistemas são compostos por uma rede dinâmica de agentes em ação em paralelo, constantemente reagindo ao que os próprios agentes fazem, o que, por sua vez, influencia o comportamento dos mesmos agentes e da rede como um todo. O controle nestes sistemas é disperso e descentralizado. De fato, o comportamento geral de um SCA é resultado de várias decisões tomadas individualmente pelos agentes. A história nestes sistemas é impossível de ser revertida, e seu futuro é de difícil previsão, ou mesmo estritamente imprevisível. 

Cientes da importância da governança em tais contextos cada vez mais complexos, alguns países, destacadamente na União Europeia (EU), vêm investigando e desenvolvendo modelos complexos de governança, onde se caracterizam como base a coexistência de multiagentes, multimecanismos e multiníveis de atuação. Nestas concepções, o papel de governo está assegurado pela sua ação direcionadora, sempre num contexto de uma governança pública que reconheça o caráter autodeterminativo dos agentes e das forças vivas na sociedade; e a necessidade de induzir (no jargão da área: provocar ressonância no agente individual levando a) comportamentos convergentes com as necessárias políticas públicas, dado que neste ambiente há convivência entre múltiplos interesses.

Reconhecido o SEB como um SCA, pode-se, portanto, conceber uma estruturação para sua governança pública, que leve em conta sua real natureza, e crie, assim, melhores condições para harmonização entre o papel governamental de formulador de políticas públicas e os demais interesses que coexistem no setor.
Tal concepção pode ser representada esquematicamente como se mostra a seguir, onde se destacam a ação direcionadora do governo (regulação), seus mecanismos de atuação, os objetos do direcionamento (agentes) e todos os integrantes do SEB (inclusive a sociedade em geral) no papel de observadores e avaliadores dos resultados efetivamente alcançados pelas ações de direcionamento.

É muito importante destacar que tal estrutura considera uma ação em ciclos que se sucedem indeterminadamente, ajustando-se, ciclo a ciclo, os desvios entre o pretendido e o efetivamente alcançado.

Um ponto chave no redesenho da solução de governança está, justamente, em instituir instâncias e mecanismos que sustentem um aprendizado organizado sobre o vivido e o necessário aperfeiçoamento dos processos envolvidos. Estudos iniciais indicam a potencialidade de tal abordagem no aperfeiçoamento da governança pública de setores como o SEB, com investigações ambientadas no contexto dos leilões de oferta de geração, quando se evidenciou a urgência no cuidado com o aprendizado que se obtém a cada ciclo. Aprendizado este que só se obtém com a participação ampla e contínua de todos os agentes do SEB, e que resulta em economia e sustentabilidade institucional, com redução de riscos e custos em escala nacional.


Luiz Alberto Machado Fortunato, professor de Engenharia Elétrica do Cefet-RJ

Luiz Pinguelli Rosa, professor do Programa de Planejamento Energético/Coppe/UFRJ

Adriano Proença, professor de Engenharia de Produção da UFRJ

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