Opinião

Há um papel para setor público na atração de financiamento privado para infraestruturas?

Por Redação

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Repensar o papel do setor público no financiamento de infraestruturas é uma questão fundamental para retomada dos investimentos, principalmente em um contexto de diminuição dos gastos públicos. A dicotomia financiamento privado ou financiamento público é reducionista escondendo um grande número de arranjos entre o setor privado e público. Recentemente, um desafio que tem se colocado em diversos países é a redefinição do papel do setor público para atrair financiamento privado para investimentos em infraestruturas.

Do ponto de vista analítico, podemos estruturar a análise do papel da intervenção do setor público a partir da identificação do problema. Nesse sentido, um primeiro passo requer uma decisão sobre o papel que o financiamento público objetiva ter no setor de infraestruturas. Podemos organizar o raciocínio considerando três possíveis objetivos para o financiamento público em projetos de infraestrutura:

Objetivo 1 – Subsídio de infraestruturas economicamente insustentáveis, mas essenciais para o desenvolvimento social.  Infraestruturas que gerem externalidades, cujo benefício social é superior à soma dos benefícios individuais dos usuários. Visto a incapacidade de ser remunerado pelos usuários, este projeto necessita de aporte governamental para ser realizado. Geralmente estes projetos não interessam especialmente ao setor privado financiar, na prática o financiamento privado deste tipo de projeto é um tipo de financiamento ao setor público (ou uma forma diferente de dívida pública). Este tipo de projeto certamente depende da intervenção direta da administração pública para garantir a sua construção.

Objetivo 2 – Substituir o mercado de dívida de longo prazo. Simplificando esta perspectiva, considera-se impossível o surgimento de um mercado de longo prazo líquido no Brasil. Visto as ineficiências geradas por esta incompletude, a intervenção pública é a única forma de financiar projetos de longo prazo mesmo que estes sejam eficientes e sustentáveis economicamente. Se este é o objetivo, o papel do setor privado no financiamento de infraestruturas é residual, se limitando a operações pontes (de curto prazo).

Objetivo 3 – Desenvolver um mercado de dívida de longo prazo. Assume-se que o financiamento de longo prazo no Brasil não existe, mas que sob certas condições este pode se desenvolver. Nesta visão, o setor público teria o papel facilitar à entrada de capital privado, facilitando assim o surgimento do mercado de longo prazo.

Quando se pensa em grande parte das infraestruturas na indústria de energia, por exemplo, geração elétrica, pode-se pensar que buscar o objetivo 3 seja factível e requerido para garantir um crescimento de investimento sustentável. Assumindo este objetivo, a pergunta seguinte é: como deveria ser a intervenção pública para facilitar o desenvolvimento de financiamento privado de longo prazo?

Analisaremos o problema do ponto de vista do investidor. Podemos caracterizar um projeto de infraestrutura por quatro etapas, atendendo ao perfil dos riscos envolvidos (o que, no final, determinará a demanda por instrumentos de financiamento):

Projeto – Neste momento se preparam as atividades, se calculam as formas de remuneração, etc. Esta é uma etapa cujo capital empregado é proporcionalmente pequeno, mesmo havendo incertezas em relação a efetiva remuneração do capital investido o risco é relativamente pequeno. 

Construção sem fluxo de caixa – Esta etapa é a que envolve mais risco, visto que se deve aportar uma grande parte do investimento e ainda não se pode contar com nenhum fluxo de caixa. Em outras palavras, presença de custo afundado relevante, incertezas sobre a real finalização do projeto e necessidade de investimentos para que haja possibilidade de remuneração futura.

Construção com fluxo de caixa – Neste momento alguma parte do projeto de infraestrutura entrou em funcionamento aportando fluxo de caixa. Assim, há custos afundados, mas parte da remuneração já está sendo realizada.

Operação – Esta etapa é a de menor risco, visto que frequentemente a maior parte dos investimentos já foi feita e existe fluxo de caixa. A existência física e a sua rotina de operacionalização diminuem fortemente as incertezas das construções infraestruturas. Os riscos que se mantém estão relacionados ao negócio, que muitas vezes, devido a sua essencialidade possui baixo risco econômico (apesar de continuas havendo potenciais riscos regulatórios e políticos).

Observando as características das diferentes fases, pode-se pensar que a tanto a primeira quanto a quarta fase são aquelas mais propícias para atrair capital. A primeira fase é aquela frequentemente financiada com equity das empresas interessadas.  A quarta fase seria o ambiente propício para atrair capital privado interessado em investimento de longo prazo de remuneração estável (atrair potencialmente fundos de pensão, por exemplo). A segunda etapa é aquela de maior risco, incluindo vários riscos associados com interações entre institucionalidades governamentais (como licenças) e com outras partes da cadeia (como conexão da geração com a linha de transmissão). As especificidades e incertezas da fase de construção geram a necessidade de contratos complexos e pouco críveis. O setor privado, principalmente aquele interessado em financiamento de longo prazo, possui pouca compatibilidade com as características desta fase. A terceira fase é um mix entre a segunda e a terceira, dependendo da proporção do que já foi construído e do fluxo de renda já existente.

O que se observa no Brasil atualmente possui uma lógica muito distinta, as diversas tentativas e criar mecanismos para atrair financiamento privado não se preocuparam em adaptar as características do investidor às fases da infraestrutura. A combinação financiamento privado e público é proposta de independentemente das diversas etapas do desenvolvimento de infraestrutura. Inclusive, o setor privado entre com financiamento ponte na espera do financiamento de longo prazo (muitas vezes pré-acordados) de bancos públicos, como BNDES. Esta pode ser uma estratégia equivocada. Criar um mecanismo que permita a intervenção pública nas fases mais incertas e com menor duração, vendendo esta dívida de longo prazo para agentes privados interessados em fluxos de caixa estáveis e de longo prazo pode ser uma forma de promover o tão esperado financiamento privado de longo prazo no Brasil.

Ademais, tal mecanismo poderia permitir recapitalizar ao agente público (BNDES) permitindo uma multiplicação na capacidade de financiar infraestrutura do mesmo.

Ademais, outras possibilidades que pode ser considerada são: a) Proporcionar instrumentos de credit-enhancement, tanto na fase de construção quanto na fase de operação (o que é equivalente a ficar com o risco de crédito nas fases de operação e construção); e b) aumentar ou estabilizar a receita da SPE (o que é equivalente ao setor público ficar com o risco de receita). Ambos os pontos representam riscos dificilmente geráveis no mercado privado de capitais. A sua gestão por parte do setor público facilitaria consideravelmente a participação do setor privado. Existem instrumentos utilizados internacionalmente em ambas as dimensões, e alguns exemplos e propostas para o setor brasileiro. A sistematização dessa intervenção pode melhorar a atuação do setor público, sempre que o objetivo seja facilitar a entrada de capital privado.

Miguel Vazquez é Ph.D em Engenharia Industrial.Professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense e Pesquisador Associado do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ.

Michelle Hallack é doutora em Economia.Professora da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense e Pesquisadora Associada do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ.

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