Opinião

A intermitência da geração renovável: A trajetória do sistema elétrico brasileiro

Por Redação

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Nas experiências internacionais do setor elétrico, principalmente entre os países desenvolvidos, o principal desafio consiste na incorporação de fontes renováveis de geração. Países como Espanha e Alemanha, que lideraram a trajetória de difusão das fontes eólicas e solar, atualmente têm de lidar com os custos de operar o sistema elétrico com elevada capacidade ociosa para administrar a participação de fontes intermitentes em um parque de geração predominantemente termelétrico.

O sistema elétrico brasileiro enfrentou a questão da intermitência da geração renovável com bastante antecedência. O desenvolvimento do sistema brasileiro foi caracterizado pela predominância hidrelétrica, que hoje representa 67% da capacidade instalada e já alcançou participação de 86% em 1996. A geração hidrelétrica apresenta características distintas das fontes solar e eólica, mas a volatilidade é igualmente presente. No subsistema Sudeste/Centro-Oeste, em anos de hidrologia mais favorável, a energia natural afluente é quatro vezes superior à de anos de hidrologia menos favorável nos meses do período úmido.

A solução brasileira para lidar com a intermitência hidrelétrica contou com dois elementos principais: os reservatórios hidrelétricos de grande porte e o sistema de transmissão nacional. Os reservatórios brasileiros permitem acumular energia equivalente a cinco meses de consumo nacional, situação sem paralelo em sistemas elétricos de maior relevância. O sistema integrado de transmissão de porte continental permite a complementação entre as diferentes bacias hidrográficas brasileiras. Durante um longo período, essa solução permitiu ao setor lidar de forma satisfatória com a intermitência, recorrendo complementarmente à geração termelétrica.

No entanto, essa solução não foi suficiente para garantir um bom desempenho do setor elétrico brasileiro no século atual. O Brasil passou por um racionamento de eletricidade em 2001 e a escassez de eletricidade causou fortes distúrbios no setor de 2013 a 2015. Por outro lado, o preço da eletricidade ao consumidor final aumentou quase continuamente e deixou de ser competitivo no Brasil.

A principal razão dos problemas enfrentados pelo setor elétrico brasileiro foi a incapacidade do modelo setorial de incorporar as mudanças nas bases de funcionamento do sistema. Em primeiro lugar, em parte como decorrência da tecnologia hidrelétrica, em que os sítios mais propícios são aproveitados primeiro, o custo marginal de longo prazo (expansão) é crescente. As novas hidrelétricas são distantes dos centros de consumo, localizadas em áreas de elevada sensibilidade ambiental e, por razões técnicas e ambientais, não contam com reservatórios de acumulação. Os custos são amplificados ainda pelos atrasos recorrentes nessas obras de elevada complexidade técnica, social e ambiental.

Nesse contexto, os reservatórios hidrelétricos, peça fundamental da coordenação do sistema brasileiro, perdem capacidade de regularização. Na última década, a capacidade de armazenagem caiu de seis para cinco meses de consumo. Na próxima década, a capacidade de regularização cairá para menos de quatro anos.

A geração termelétrica, dessa forma, se torna mais frequente e perde o caráter complementar do passado. O grande problema é que o custo do backup termelétrico no Brasil é muito elevado, como ficou claro nos últimos anos.

Como os modelos de planejamento e a sistemática de contratação nos leilões de expansão no mercado regulado não incorporam corretamente as alterações estruturais do setor (Losekann, Almeida e Romeiro, 2014), o parque de geração termelétrico contratado nos leilões é inadequado ao problema brasileiro. As premissas que baseiam os modelos utilizados para seleção de novas usinas são excessivamente otimistas e indicam que as termelétricas seriam pouco utilizadas. Assim, são priorizadas usinas com menores custos de instalação e maior flexibilidade de operação. No entanto, essas usinas têm elevados custos operacionais, muitas vezes maiores que o teto de preços do PLD (R$ 422/MWh).

Quando essas termelétricas operam com frequência, ao contrário do considerado na sistemática que baseou sua contratação, o custo é insuportável ao setor, tal como aconteceu nos últimos três anos.

Leilões específicos por tecnologia e regionais têm sido apontados como solução para a incapacidade dos métodos atuais (ICB) selecionarem as tecnologias mais adequadas. No entanto, a solução efetiva passa pela readequação do modelo setorial às novas características do sistema. É preciso reconhecer que os reservatórios hidrelétricos têm um novo papel. Com menor capacidade de regularização, a água se torna mais valiosa. Também contribui para isso a premência de incorporar os demais usos não energéticos da água e de administrar a intermitência da geração eólica (e da solar no futuro).

Nessa equação, a geração termelétrica seria mais frequente. Entre 2000 e 2012, a geração termelétrica no Brasil teve uma participação de 9% da carga de eletricidade. Entre 2013 e 2015, a participação saltou para 22%. No entanto, na configuração atual, o impacto da maior participação termelétrica é extremamente danoso. Nesse sentido, é fundamental que as novas termelétricas brasileiras tenham menores custos operacionais. A aceitação de maior inflexibilidade das centrais pode contribuir para esse objetivo, viabilizando a utilização de gás natural proveniente do pré-sal ou contratos de suprimento de GNL com compromissos de compra (take or pay).

Outra componente de um novo paradigma para o setor é maior participação da geração distribuída, que se torna mais competitiva com os preços finais mais elevados da eletricidade. Ainda que não seja a única alternativa, a difusão de placas fotovoltaicas deve ser impulsionada.
Nesse novo paradigma do setor, os fatores que viabilizaram a administração da intermitência hídrica no desenvolvimento do setor elétrico brasileiro, reservatórios de grande porte e sistema nacional de transmissão, podem funcionar como uma vantagem para a difusão das fontes eólica e solar no Brasil. Os reservatórios hidrelétricos são considerados a forma menos custosa de prover backup para as fontes intermitentes, entre as tecnologias disponíveis atualmente. Um sistema de transmissão de grande porte permite explorar melhor as complementaridades das fontes renováveis intermitentes.

ROMEIRO, D. L.; ALMEIDA, E.; LOSEKANN, L. D. Escolha tecnológica no setor elétrico brasileiro. Econômica (Niterói), v. 16, p. 4, 2014.

Luciano Losekann é professor associado da Faculdade de Economia da UFF e pesquisador associado de Economia da Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEE/UFRJ)

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