Opinião

O acidente de Macondo e seus reflexos no Brasil

A coluna bimestral de Wagner Freire

Por Redação

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Os aborígenes maoris da Nova Zelândia protestaram quando souberam que a Petrobras assinou com o governo de seu país um contrato de concessão para exploração de petróleo em bloco offshore da Bacia de Raukumara. Trata-se de contrato decorrente de licitação do governo neozelandês, ganho pela Petrobras. Alegam que não foram consultados, que viram o histórico da Petrobras no Google. “Há pelo menos quatro grandes catástrofes”, segundo informaram, em fins de junho, à Folha de S. Paulo, e “sabemos o que está acontecendo no Golfo do México.”

Certamente a Petrobras, em sua estratégia, deve ter considerado não só a atratividade econômica do bloco, mas também os aspectos políticos, para disputá-lo. Afinal, a Nova Zelândia é o país com a melhor nota no Índice de Percepção de Corrupção da Transparency International (o Brasil está em 75º!). Não sei por que os maoris não foram consultados. Aqui, sem dúvida poderiam participar pelo menos das audiências públicas sobre os trabalhos de exploração.

Nos EUA, as reservas indígenas têm a garantia e a supervisão do MMS para permitir a exploração de petróleo nessas terras e o recebimento dos royalties devidos. Aqui, a exploração de petróleo ou de minerais nas terras indígenas simplesmente é proibida, sem prejuízo dos garimpeiros fazerem suas aventuras.

Quanto aos acidentes da Petrobras, devem ter sido os dois de Enchova, o de Roncador e o da Refinaria Duque de Caxias, há muitos anos, que motivaram grande reação da empresa para evitar novos acidentes dessa natureza. De qualquer forma, os acidentes com as plataformas de produção, embora tenham provocado lamentável perda de vidas, quase não causaram danos ambientais. O mesmo não se pode dizer do acidente da refinaria, com grande impacto ambiental e na atividade dos pescadores na Baía de Guanabara.

Os acidentes nos poços de petróleo em perfuração são cada vez mais raros, apesar de as operações se desenvolverem em condições cada vez mais difíceis. A indústria já perfurou 14 mil poços em águas profundas, inclusive muitos em condições mais difíceis que as observadas no Golfo. Vejamos, então, a situação de Macondo. Em 20 de agosto deu-se um blowout na plataforma de perfuração Deepwater Horizon, da Transocean, no poço Macondo, da BP (associada com Anadarko e Mitsui), no Golfo do México, seguido de incêndio e afundamento da plataforma, quando o poço se achava na fase de completação para abandono provisório, depois de descoberta de petróleo, a cerca de 5.500 m de profundidade.

O acidente, um dos mais graves da indústria, provocou a morte de 11 ocupantes da plataforma e considerável dano ambiental pelo grande derrame de petróleo, estimado em 3 milhões a 4 milhões de barris, que ocorreu por cerca de três meses. A sonda vinha da descoberta do campo de Tiber, também da BP (associada com Petrobras e ConocoPhillips), ocorrida em setembro do ano passado, com mais de 3 bilhões de barris de reservas estimadas, com o poço pioneiro considerado um dos mais profundos da indústria de petróleo, a 10.685 m.A perfuração de Macondo fora iniciada com outra sonda, danificada por um furacão, motivando sua substituição pela Deepwater Horizon.

Pouco depois do acidente, foram iniciados os procedimentos tradicionais em ocorrências dessa natureza: a perfuração de poço de alívio, no caso, dois poços, que em agosto atingiram os objetivos. Ao mesmo tempo, foram executados processos inovadores nesse tipo de acidente: a instalação de uma cápsula na cabeça do poço para direcionar o fluxo dos fluidos para armazenamento em navio, seguido da obstrução desse fluxo, na cabeça de poço, com pleno êxito.O acidente, como era de se esperar, motivou grande repercussão na mídia, ações do governo americano e das empresas e, naturalmente, a indagação de seus reflexos no Brasil.

Há inúmeros pontos de convergência e divergência entre a situação prevalecente no Golfo e no cluster de Santos. A produção de óleo e gás do Golfo teve a tendência de queda dos últimos anos revertida e hoje alcança 2,6 milhões de barris de óleo equivalente (BOE) por dia – maior que o total da produção brasileira –, dos quais 65% provenientes de águas profundas (mais de 300 m de cota batimétrica), tendência que continua crescendo, graças à contribuição de grandes descobertas nos últimos anos, sobretudo nos reservatórios abaixo de espessa camada de sal, designada subsal. [Tecnicamente “alóctone”, porque o sal, depositado no jurássico, atravessou as camadas mais novas, penetrando em sedimentos superiores e formando um grande “chapéu” que se estende de forma irregular por uma vasta área de águas profundas, situação que, de resto, tudo indica está presente também no Brasil.]

As operações de E&P são mais intensas no Golfo que no Brasil e muito competitivas, com inúmeros operadores com larga experiência. A distância dos campos à costa, lá como aqui, é considerável. Tiber, já referido, está a 300 km da costa; Tupi, a 280 km; Cascade & Chinook (Petrobras operadora), a 250 km; Kaskida (BP), a 320 km. As cotas batimétricas dos campos são semelhantes: Tupi, 2.150 m; Chinook, 2.650 m; Perdido (da Shell, com a mais profunda plataforma SPAR), 2.382 m.

Por outro lado, os reservatórios do Golfo são quase sempre arenitos de melhor previsibilidade de comportamento permoporoso que os carbonatos de Santos, embora isso tenha mais importância na comercialidade do campo que nos aspectos de segurança.

A dificuldade comum às duas províncias é a presença das camadas de sal, que requerem cuidados especiais na perfuração, na escolha e na programação de revestimentos e liners e, com frequência, originam problemas, como ocorreu recentemente com o poço “estratigráfico” da ANP – crivado de irregularidades, inclusive de natureza de licenciamento ambiental e de definição de responsabilidade das partes envolvidas em caso de acidente em perfuração fora das áreas com concessões –, que foi perdido, pouco depois de atingir o sal.

No cluster, outro problema muito sério é a presença de CO², em elevada concentração, que requer cuidados especiais para a proteção das instalações de perfuração e produção e seu posterior descarte ou aproveitamento. Claro, os furacões que periodicamente se abatem sobre o Golfo não estão presentes aqui – ainda. O “Catarina” não apareceu mais! Somados, esses problemas apresentam considerável risco para a atividade e precisam ser bem avaliados por aumentarem a possibilidade de acidentes.

As causas do acidente de Macondo ainda estão em processo de investigação, com a participação de inúmeras organizações governamentais e privadas, num processo de elevado nível técnico e absolutamente transparente. Seja como for, não há sentido em paralisar a atividade de perfuração no Golfo do México enquanto as causas do acidente são investigadas, pelo enorme prejuízo adicional que isso causa às atividades econômicas e às comunidades locais.

Enquanto isto, quatro operadoras de grande porte – Exxon, Shell, Chevron e ConocoPhillips – estão formando uma companhia de fins não lucrativos para desenvolver e disponibilizar recursos que permitam atuação imediata em situações de emergência como a de Macondo, objetivando reparar uma das falhas, agora reconhecida. No Brasil, com praticamente um único operador – situação que irá se agravar se a mudança do marco regulatório emplacar –, fica difícil imaginar modelo semelhante.

Falando nessa mudança, enquanto não há definição regulatória, o país, com largo potencial para desenvolvimento da atividade petrolífera, relacionada ou não com o pré-sal, vem sofrendo a fuga dos investimentos nas atividades de E&P e deixando de arrecadar receitas importantes, via bônus, logo no momento em que se mostra altamente atraente para investimentos.

Tudo por conta da mal concebida mudança do marco regulatório, que vem causando enorme desequilíbrio na atividade, num mercado de trabalho superespecializado, com reflexos diretos na conta corrente e no futuro do Brasil – inclusive no que diz respeito à sua capacidade de resposta a acidentes como os de Macondo.

* * *

Recursos do subsolo não explorados e explotados não geram receitas nem progresso. E isso precisa ser feito quanto antes. As fontes alternativas de energia e até dos produtos petroquímicos sem o “petro” vêm por aí a passos largos. A idade da pedra não acabou por falta de pedras, como vem se repetindo com frequência.

Voltando à conta corrente, vale a pena ressaltar, conforme dados de The Economist, que a Alemanha voltou, há tempos, a passar à frente da China no balanço comercial (BC): US$ 210,4 bilhões versus US$ 156,6 bilhões, e com boa saúde na conta corrente (CC, onde também estão lançados os saldos do BC e dos investimentos): US$ 185,5 bilhões versus US$ 282,2 bilhões. Já o Brasil tem um modesto BC, de US$ 19,3 bilhões, e uma CC negativa, de -US$ 36,4 bilhões!

Estaremos seguindo o modelo do México, grande produtor de petróleo, com seu monopólio, ignorando o enorme potencial em sua área do Golfo – onde, aliás, ocorreu um dos maiores acidentes da indústria, em 1979, com o blowout na Ixtoc I, em 50 m de cota batimétrica! –, com BC negativo de -US$ 2,3 bilhões e CC negativa de -US$ 5 bilhões? Não seria melhor seguir Singapura (com parcos 639 km² de área!): BC de US$ 29,9 bilhões e CC de US$ 34,2 bilhões?

Outros Artigos