Opinião

O Brasil e as energias renováveis

Por Redação

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A primeira crise do petróleo em 1973, ocasionada pelo cartel dos exportadores, foi um evento significativo para motivar os governantes das economias ocidentais a buscar novas alternativas energéticas que viessem reduzir a dependência do petróleo. O então ministro de Minas e Energia, César Cals, tomou a iniciativa de implementar um programa de apoio às energias renováveis através de sua pasta, o qual resultou num incremento significativo nas pesquisas sobre energia, particularmente solar, eólica e biomassa orientada para biodigestores.

Naquela década, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) apoiou pesquisadores brasileiros e programas de intercâmbio nacional, o que gerou um número importante de boas publicações, bem como a consolidação de núcleos de pesquisa de energia renovável nas universidades públicas e em alguns institutos de pesquisa estatais. Foi instituída a Associação Brasileira de Energia Solar (Abens), que promoveu eventos de peso nacional, com contribuições internacionais significativas.

O apoio governamental, porém, praticamente cessou no início da década de 80. A conseqüência previsível disso foi a desagregação dos poucos núcleos de pesquisa existentes, que reduziu a participação da comunidade científica nas atividades de pesquisa de energia renovável, e por fim sua virtual exclusão da comunidade científica internacional. Ao mesmo tempo, nos países desenvolvidos, sobretudo EUA, Alemanha, Israel e Austrália, foram iniciados programas de fomento ao desenvolvimento de energias renováveis, direcionados principalmente para energia solar, eólica, a biomassa e a hidrogênio, esta última por meio de pesquisas em tecnologias de células a combustível.

Esses países investiram bastante até 1990 e continuam a fazê-lo. Os resultados efetivos alcançados por esses programas planejados, consistentes e duradouros se traduzem em patentes de grande alcance, em tecnologias de produção de células fotovoltaicas, de fabricação de coletores solares de alto desempenho, turbinas eólicas de grande porte e novos materiais de aplicação em sistemas de energia. Essa é a razão pela qual os países desenvolvidos detêm a quase totalidade das propriedades intelectuais de energia renovável.

A China, por seu turno, iniciou um programa de energias renováveis na década de 90 em que o governo investiu maciçamente na área de energia solar, o que resultou num parque industrial que produz cerca de 80% de todos os coletores solares fabricados no planeta. As energias renováveis voltaram à pauta das questões emergenciais a serem endereçadas aos governos das economias ocidentais e por eles resolvidos, pois o efeito estufa está sendo confirmado, através de teses oriundas de várias vertentes científicas.

A energia que outrora tinha importância capital no desenvolvimento das economias alcança hoje importância vital, à medida que os combustíveis fósseis são substituídos por alternativas energéticas limpas, seja formas convencionais com tecnologias inovadoras de retenção de gás carbônico, seja as energias nuclear, solar, eólica e a biomassa. Por isso, as principais economias do planeta consideram estratégica a criação de redes de pesquisa, com a participação de suas principais universidades e a co-participação do setor empresarial, sem o qual não será possível disponibilizar essas novas tecnologias a um custo aceitável.

O Brasil é um país de alta incidência de radiação solar, cujo potencial médio por metro quadrado alcança o dobro do potencial médio europeu. No sertão baiano o potencial é da ordem de 6 kWh/m2. A incidência média na região Sul é cerca de 15% inferior à média nordestina anual, enquanto a incidência média no verão, quando a demanda energética decorrente do turismo aumenta, é comparável à média nordestina.

O potencial eólico bruto nacional é equivalente a 150 GW, cerca de dez vezes a potência da hidrelétrica de Itaipu. O potencial hidrelétrico ainda inexplorado é da ordem do potencial hidrelétrico instalado até o presente. No entanto, a matriz energética nacional está agregada a uma forte inflexibilidade decorrente do clima, o que demanda a complementaridade com a energia firme termelétrica.

Na região do rio São Francisco constatou-se que a oferta de energia eólica é sazonalmente complementar à oferta de energia hidráulica. Essa particularidade é uma característica mais marcante no caso da energia solar, que é de fato complementar à oferta de energia hidráulica por conta dos mecanismos de modulação de cobertura de nuvens de precipitação.

Também é sabido que o Brasil possui uma das mais robustas variedades de biomassa entre todos os países do planeta, ao mesmo tempo que o território nacional é contemplado por um ciclo hídrico relativamente generoso, à exceção das secas prolongadas na região Nordeste e em muito menor grau na Amazônia. Sem dúvida, o Brasil é um dos poucos países que exibem grande potencial de energias renováveis - a solar, a eólica, a hidráulica e a biomassa -, com perspectivas de alcançar uma matriz de energia renovável importante.

Entretanto, ainda são poucas as contribuições brasileiras na área científico-tecnológica de energia orientadas para um planejamento de longo prazo para as energias renováveis. Pelo menos é o que demonstram os veículos de comunicação científica afins. Os progressos alcançados dependeram muito mais da abnegação de alguns pesquisadores do que da estabilidade do apoio governamental, ao contrário do que ocorreu e ocorre na China e na Coréia, para não mencionar os países desenvolvidos.

Nos dois países asiáticos as academias de ciências são consideradas foro legítimo e instituído para discutir e endereçar questões de relevância para o planejamento do desenvolvimento de sua economia no longo prazo. No Brasil, contudo, as iniciativas governamentais na promoção de eventos de densidade acadêmica e comercial nas áreas afins têm sido áridas e pouco representativas.

Um agravante é o fato de o Brasil ainda não investir, de forma consistente, na formação de recursos humanos de engenharia avançada, o que pode ser constatado pelo número de doutores formados em 2003: apenas 13% deles são das áreas de engenharia e computação, o que corresponde a cerca de 2.700 doutores, número que não será suficiente sequer para suprir os quadros das universidades nos próximos dez anos. Nunca é demais reafirmar que nenhum país conseguirá fazer pesquisa sem dispor de recursos humanos qualificados com doutorado.

Sergio Colle e Júlio César Passos são professores do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e integrantes do Comitê Técnico da Eco Power Conference - Fórum Internacional de Energia Renovável

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