Opinião

O complexo jogo das fontes de geração de energia elétrica na transição para uma economia de baixo carbono

Por Redação

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“É inútil fechar os olhos à realidade. Se o fizermos, a realidade abrirá nossas pálpebras e nos imporá a sua presença.” (Juscelino Kubitschek)

Em 2050, segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), 80% da eletricidade no mundo deveria ser de baixo carbono. Atualmente está em torno de 33%. Para que seja alcançada a meta de aumento máximo de 1,5°C na média da temperatura do planeta – proposta na 21a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP21), realizada no final de 2015, em Paris –, os modelos de negócios e os investimentos em energia deverão ser voltados ao estabelecimento de matrizes energéticas sob um paradigma de um mix energético de baixo carbono.

No entanto, para complicar o atendimento a essa meta, todos os cenários indicam que a demanda mundial por energia elétrica continuará a crescer. Segundo o World Energy Outlook (2014), esse crescimento será em média de 2,1% ao ano até 2040, o que implica uma maior procura de fontes geradoras de baixo impacto ambiental.

Atualmente, os combustíveis fósseis são as principais fontes de geração de energia elétrica no mundo, com destaque para a participação do carvão (41%).
Há duas questões em pauta. A primeira é como serão as escolhas do planejamento energético – respeitando a diferenciação das realidades dos países desenvolvidos e em desenvolvimento – no enfrentamento de desafios, quanto à segurança energética, à competitividade em relação a preços, à flexibilidade no fornecimento e à necessidade de redução das emissões de CO2 na transição para uma matriz mais renovável. Em adição, o que esperar da relação de competição entre as fontes energéticas, no médio prazo, olhando o portfólio atual das tecnologias de geração de energia elétrica mundial.

O menu atual de tecnologias que atendam aos desafios citados acima em um horizonte de cerca de 15 anos são: a energia nuclear; as fontes renováveis, com ênfase em eólica e solar; e o Gás Natural Liquefeito (GNL).

A indústria nuclear vem experimentando expansão importante nos últimos anos. Em 2014, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), a nuclear foi a quarta fonte global de eletricidade, respondendo por 11% do fornecimento mundial. 

A maioria dos países aumentou sua geração nuclear a partir de 2012, com exceção de Japão e Alemanha. O primeiro desligou grande parte de suas usinas após ter uma porção de seu território devastado por um terremoto, seguido de tsunami, em março de 2011, o que causou um acidente na Central Nuclear de Fukushima. O drástico evento levou ao desligamento dos 43 reatores em condições operativas do Japão. Em 2014, o Japão não gerou energia elétrica via energia nuclear. Também a Alemanha, após o acidente nuclear de Fukushima, desativou rapidamente 8 dos 17 reatores nucleares do país. Em seguida o Parlamento alemão votou por fechar suas usinas definitivamente, estabelecendo um plano de aposentar os reatores restantes até o ano de 2022, dentro de uma política energética denominada energiewende. A Alemanha volta a usar essa expressão, traduzida aqui por “virada ou revolução energética”, muito empregada naquele país durante a crise do petróleo na década de 80 e após o acidente de Chernobyl.

No entanto, passados quase seis anos do acidente em Fukushima, constata-se que existem 65 reatores em construção, em 15 países. O maior destaque vai para a China com 21, seguida pela Rússia com 9, Índia com 6 e Estados Unidos com 5. A potência total dessas novas usinas representa 17% de acréscimo à potência instalada das 433 usinas em operação. Apesar do aumento do número de reatores em operação, a quantidade de energia gerada caiu a partir do acidente de Fukushima.

No caso do Japão, como o país é bastante dependente de fontes externas de energia primária (96%), o desligamento dos reatores nucleares levou a um aumento das importações de GNL, petróleo e carvão para alimentar suas usinas termelétricas. Tal política levou o país a ter um déficit comercial muito grande. O Japão passou a ser o maior importador de GNL no mundo, sendo o destinatário de 36% do GNL comercializado internacionalmente. O crescimento da importação pelos japoneses – de 32% de 2011 em relação a 2010 – pressionou os preços do GNL no mercado asiático, que subiu mais de 30%, passando de US$ 10,84/MBTU, em 2010, para US$ 14,65/MBTU, em 2011. Assim, o GNL deu sinais aos planejadores de que assumiria o papel da fonte de transição para uma economia de baixo carbono.

No entanto, a ausência de clareza da política energética japonesa entre 2012 e 2014, quanto à possibilidade de retomada da geração nuclear, provocou incerteza no mercado global de GNL. Atualmente o governo japonês estima que a energia nuclear passe a gerar 22% da energia elétrica do país até 2030. Embora seja um percentual menor do que antes de Fukushima, que respondia por 27% da geração de energia no Japão, esse movimento vai influenciar a gestão dos negócios das indústrias nuclear e de GNL.

A demanda mundial de GNL entre 2001 e 2013 cresceu cerca de 7% ao ano. Para os próximos anos, as previsões indicam que continuará avançando, considerando a perspectiva de crescimento econômico dos países não OCDE, principalmente Índia e países do Sudeste Asiático e da própria China, mesmo em patamares menores. Ressalta-se, porém, que as estratégias de negócios da indústria de GNL mundial terão de considerar a retomada da geração nuclear pelo Japão, pois afetará a demanda global do energético.

Um ponto relevante no jogo de opções de geração de energia elétrica entre GNL e nuclear é que há riscos associados a uma economia dependente de um energético importado. Também é relevante considerar que há riscos pelas implicações decorrentes da volatilidade do preço do GNL que trazem impactos à economia doméstica. Afinal, os preços básicos da economia estão fortemente influenciados pelos preços da energia. Mas como as projeções indicam o início de um ciclo de sobreoferta de GNL com preços baixos para o médio prazo, o planejamento energético dos países terá de pesar suas prioridades entre segurança energética, compromissos com diminuição das emissões de CO2 e investimentos fixos e variáveis na expansão da oferta de energia elétrica.

Por outro lado, tanto nos mercados estabelecidos quanto nos potenciais, energia nuclear e GNL enfrentam o desafio crescente da concorrência das fontes renováveis já no curto prazo. Após dois anos em declínio, o investimento global em energia renovável aumentou para US$ 270 bilhões em 2014, perto do recorde de US$ 278 bilhões em 2011, e quatro vezes o total de 2004, segundo o World Nuclear Industry (WNI). As energias renováveis foram responsáveis por 49% da capacidade adicional da geração de energia elétrica mundial ?? em 2014. Em 1995, a participação das fontes renováveis, excluindo hidroeletricidade, representava pouco mais de 1% na produção mundial de energia elétrica. Já em 2014 a participação alcançou 6%, e a tendência é continuar aumentando, segundo a IEA. Países como Brasil, China, Alemanha, Índia, Japão, México, Holanda e Espanha geraram mais eletricidade a partir dessas fontes do que via energia nuclear, por exemplo. Esses países representam 45% da população mundial. A energia eólica já alcançou avanços tecnológicos que proporcionaram reduções de custos, tornando-a competitiva. A energia solar fotovoltaica através da geração distribuída deverá, também, no médio prazo, ter a mesma trajetória.

As fontes renováveis para a geração de eletricidade incitam ainda a novas soluções operativas. A integração de grandes blocos de fontes de energia renovável intermitentes representa um desafio tecnológico sob a ótica da operação dos sistemas de transmissão e pode acarretar custos sistêmicos, que serão computados na avaliação de sua competitividade em relação a outras fontes de disponibilidade mais regular. Ademais, se o preço do petróleo continuar nesse patamar baixo, a expansão das renováveis, ainda não competitivas, será mais lenta.
Enfim, as preocupações com as mudanças climáticas, a segurança do abastecimento de energia e a volatilidade dos preços deverão estar encabeçando a agenda das políticas energéticas dos países nos próximos anos, considerados como um período de transição para uma sociedade global fortemente descarbonizada.

Dentro desse contexto, haverá uma competição no direcionamento dos investimentos para a expansão da geração de eletricidade entre a fonte nuclear, o GNL e as fontes eólica e solar fotovoltaica.

Niágara Rodrigues, MSc em Economia Aplicada, doutoranda em Economia, é pesquisadora do GEE/UFRJ
Renato Queiroz, engenheiro, MSc em Planejamento Energético, é pesquisador do GEE/ UFRJ

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