Opinião

O Congresso e os jabutis na conta de luz: discurso e prática

Os mesmos congressistas que se revoltam contra os aumentos agem no sentido oposto, criando pressão sobre a conta de luz com a defesa de mais subsídios para grupos de pressão que não precisam de mais recursos

Por Eduardo Müller Monteiro

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Coautor: Claudio Sales

O Congresso derrubou no dia 17 de junho os vetos que o presidente Lula havia enviado para impedir que vingassem vários “jabutis” enxertados em um projeto de lei que deveria tratar do marco sobre eólicas offshore. O efeito desta decisão dos parlamentares é beneficiar grupos empresariais bem articulados e elevar as tarifas pagas pelos consumidores de eletricidade.

É muito comum vermos congressistas se manifestando sobre aumentos da conta de luz e indignados com o seu impacto sobre a população. Mas este discurso inflamado que impressiona nos palanques e rende postagens para as redes sociais camufla uma prática perniciosa. Os mesmos congressistas que se revoltam com aumentos agem no sentido oposto, criando pressão sobre a conta de luz com a defesa de mais subsídios para grupos de pressão que não precisam de mais recursos.

Os parlamentares não agem sozinhos. Hoje chegamos ao extremo do cinismo e da desonestidade intelectual quando ouvimos alguns lobistas veteranos do setor elétrico dizer que são contra subsídios, mas são a favor de “incentivos” para seus constituintes... Há, ainda, consultorias que ousam divulgar “estudos” que buscam defender os subsídios com o argumento de criação de empregos e promoção de investimentos.

Quem acompanha a rotina do Congresso sabe que iniciativas de “bondades” não faltam em temas que afetam o setor elétrico. Por que continuar subsidiando fontes de energia que décadas atrás realmente precisaram de incentivos, mas que agora já são competitivas nos leilões de energia? O que justificaria manter uma transferência de renda absurda - R$ 11,5 bilhões em 2024, de acordo com o Subsidiômetro da Aneel - dos consumidores mais pobres para agentes mais abastados que podem investir em instalações fotovoltaicas próprias classificadas como geração distribuída?

Não há almoço grátis. O cálculo meticuloso feito pela Aneel para definir as tarifas de todas as 52 distribuidoras de eletricidade do país precisa equilibrar custos, de um lado, com receitas, de outro lado. Se algum lobista ou congressista consegue convencer um conjunto de parlamentares a defender um subsídio, isso significa que o grupo beneficiado pela “bondade” pagará uma tarifa menor e, portanto, os demais grupos não beneficiados precisarão pagar uma tarifa maior para resgatar o reequilíbrio inicial que havia antes do subsídio. Esse raciocínio, obviamente, nunca aparece nos palanques.

O estudo que o Instituto Acende Brasil desenvolve com a PwC há muitos anos e que já está na sua 13ª edição faz uma análise agregada da carga de tributos e encargos que oneram toda a cadeia produtiva do setor elétrico (geradoras, transmissoras e distribuidoras de eletricidade) e seus consumidores. No ano de 2023 (os números de 2024 estão sendo processados) mais de 46% da receita do setor foi usada para pagar tributos, encargos e subsídios. Ou seja, apenas metade da conta de luz serve para gerar, transmitir e distribuir eletricidade. A outra metade alimenta cofres dos governos federal e estaduais e custeia encargos e subsídios do setor.

Todas as iniciativas parlamentares que promovem subsídios e transferências de renda contribuem para aumentar a carga de encargos sobre a conta de luz, parcela que mais tem crescido. Entre 2021 e 2023, o maior dos encargos embutido na conta de luz (CDE, ou Conta de Desenvolvimento Energético, rubrica que custeia grande parte dos subsídios) teve um aumento explosivo de 8,5% para 12,9% da receita setorial, saltando de R$ 19,5 bilhões para R$ 30,2 bilhões para a amostra do estudo. Estamos falando de um aumento de mais de 50% em apenas dois anos.

Em 17 de junho de 2025, o Congresso Nacional derrubou alguns dos vetos presidenciais na Lei das Eólicas Offshore (Lei 15.097/2025) que provocarão os seguintes efeitos, entre outros: (a) promover a contratação compulsória de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs); (b) prorrogar por mais vinte anos os contratos das usinas participantes do anacrônico Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica); (c) contratar termelétricas movidas a hidrogênio de etanol e por hidrogênio produzido a partir de geração eólica na Região Sul.

Alguns outros “jabutis” muito prejudiciais não foram deliberados pelos parlamentares, mas se outros vetos presidenciais também forem derrubados, associações de consumidores estimam centenas de bilhões de reais de impacto tarifário até 2050.

Novamente vemos o planejamento coordenado da expansão ser subjugado aos interesses de fortes grupos lobistas e seus aliados em Brasília. Todas as análises técnicas da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e as necessidades operativas do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) são mais uma vez tratoradas pelos interesses de empresários que conseguem apoio de parlamentares em iniciativas legislativas sem estudos e sem modelagens técnicas e econômicas.

A proposta recente do Governo Federal de aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a forte reação negativa da população, dos setores produtivos e do próprio Congresso deram prova contundente de que batemos no limite de aceitação da sociedade para o aumento da carga tributária geral no país.

O mesmo tipo de indignação precisa acontecer no setor elétrico. O que é preciso acontecer para que os congressistas mudem de lado e passem a lutar contra as aberrações de governança institucional e as distorções alocativas econômicas que eles mesmos têm imposto ao setor elétrico e seus consumidores?

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*Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil

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