Opinião

Reguladores são a última barreira contra os ataques às concessões

A independência dos reguladores tem o propósito de garantir que o que foi assinado será cumprido, mesmo que isso possa desagradar a alguns que querem mudar as regras no meio do jogo e nos momentos que acharem mais convenientes para seus objetivos.

Por Eduardo Müller Monteiro

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Os que se dedicam a estudar o conceito de agência reguladora têm uma referência muito clássica no livro "Economics of Regulation and Antitrust" (Economia da Regulação e Antitruste), cuja primeira edição foi publicada em 1992 e é considerado por alguns como a "bíblia" sobre Teoria da Regulação. Este trabalho de Kip Viscusi e outros autores busca estabelecer as bases do racional que justifica a criação de reguladores.

Os autores elaboram que um dos pilares para a existência de reguladores é a necessidade de se estabelecer instituições independentes de pressões de governos e que sejam capazes de dar uma resposta institucional e técnica para corrigir ou minimizar falhas de mercado (como monopólios e externalidades) e blindar setores regulados de interferências políticas.

Este último aspecto - blindagem contra interferências políticas - tem se provado crítico no ambiente regulatório brasileiro, especialmente no setor elétrico, um setor intensivo em capital em que a maior parte dos investimentos é de natureza irrecuperável (sunk costs), pois tipicamente envolvem dispêndios de capital em ativos muito específicos que não podem ser redirecionados para prestar outro serviço ou para prestar o mesmo serviço em outra região.

Apenas uma instituição independente de pressões políticas (populistas ou eleitoreiras) pode atuar para impedir que governos ou agentes econômicos atuem oportunisticamente para mudar as regras de forma ex post (após o contrato ter sido assinado ou após o investimento ter sido feito). A independência tem o propósito de garantir que o que foi assinado será cumprido, mesmo que isso possa desagradar a alguns que querem mudar as regras no meio do jogo e nos momentos que acharem mais convenientes para seus objetivos.

Outro aspecto também abordado pelos autores é que a complexidade da regulação de preços e qualidade, especialmente sob assimetria de informação, requer um corpo técnico especializado. A delegação de poderes a uma agência independente e tecnicamente competente é um mecanismo para isolar essas decisões complexas da pressão política de curto prazo, mesmo porque este corpo técnico desenvolve seu trabalho a partir do que está definido na legislação e nos contratos e com base em metodologias objetivas que podem ser conflitantes com agendas eleitorais ou que podem desafiar interesses econômicos de outros agentes.

É esse corpo técnico independente que tem a missão de resistir às pressões políticas que buscam decisões que podem até ser populares no curto prazo, mas que são economicamente insustentáveis no longo prazo.

A discussão sobre prorrogação de concessões de distribuição de eletricidade tem sido afetada por ambos os aspectos e recentemente tem ocupado espaço na mídia. Diante da proximidade do calendário de concessões vincendas, algumas delas inclusive já prorrogadas, crescem as movimentações de alguns políticos para desafiar a legislação e a regulação buscando a criação de "bandeiras" com potencial de exploração populista-eleitoreira nas eleições de 2026, evento que já bate à porta.

O mote dos políticos é criar narrativas que os posicionam como "defensores dos consumidores" ou "advogados da população" questionando os critérios técnicos que disciplinam as prorrogações. Puro oportunismo, especialmente quando a própria Aneel tem deixado claro quais são os indicadores de desempenho operacional e econômico-financeiro - especificados na legislação, na regulação e nos contratos de concessão vigentes - que fazem com que a agência encaminhe (ou não) a recomendação da prorrogação da concessão para decisão final do Poder Concedente, representado pelo Ministério de Minas e Energia.

No caso da distribuição de eletricidade esse ataque oportunista às prorrogações é ainda mais absurdo porque um dos possíveis argumentos para ser contra a prorrogação seria questionar os níveis tarifários, níveis estes que têm sido permanentemente "desafiados" a cada quatro anos por meio de Revisões Tarifárias Periódicas que reposicionam as tarifas de todas as distribuidoras brasileiras com base em metodologias que têm incentivado as concessionárias a aumentar sua eficiência operacional e a compartilhar ganhos de produtividade com os consumidores.

É sempre bom lembrar que as metodologias tarifárias desenvolvidas pela Aneel foram submetidas ao escrutínio da sociedade por meio de múltiplas audiências públicas consolidadas ao longo de anos de trabalhos que envolveram milhares de "mãos virtuais" dos cidadãos, empresas, universidades e instituições que enviaram suas contribuições para o aprimoramento da regulação tarifária nacional.

O ruído político chegou a tal nível que o próprio Ministro de Minas e Energia precisou vir a público e dar um sinal claro e firme: as análises da Aneel sobre prorrogação das concessões de distribuição precisam ser feitas de forma técnica e sem "politicagem". Afinal, o Decreto 12.068 que foi assinado pelo Presidente da República em junho de 2024 define claramente os critérios para balizar as prorrogações.

Não há espaço para improvisos ou vontades desse ou daquele ator político ou agente econômico. Há apenas indicadores objetivos e transparentes que precisam ser defendidos pelo corpo técnico da Aneel, um grupo de profissionais que merece nosso apoio para resistir às intensas pressões populistas que só aumentarão nos próximos meses e que provavelmente só diminuirão quando as urnas eleitorais forem fechadas no final de 2026.

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