
Notícia boa vale? Conta de luz contribui para a deflação do mês
Opinião
Notícia boa vale? Conta de luz contribui para a deflação do mês
Entre 2010 e 2025, a chamada Parcela B, que representa a parcela da tarifa gerenciável pelas distribuidoras, aumentou 100% em comparação com os 135% de variação do IPCA. Os diagnósticos sobre o comportamento da tarifa de eletricidade precisam ser mais honestos intelectualmente e mais cuidadosos tecnicamente

Falar sobre tarifa de eletricidade ou, na linguagem popular, sobre a conta de luz é tarefa desafiadora porque o assunto é tecnicamente complexo e desperta paixões por impactar os orçamentos de todos os consumidores de energia elétrica, sejam eles residenciais, comerciais, industriais ou instalações públicas. Mas ser complexo não significa ser impossível e não pode ser desculpa para interpretações que se afastam da realidade dos números.
A Aneel acaba de divulgar a 2ª edição do seu boletim trimestral infoTarifa, documento que busca apresentar de forma sintética e em linguagem acessível vários aspectos tarifários: projeção de efeitos tarifários médios para o ano, participação de cada componente tarifário sobre os efeitos médios, impacto e projeções de encargos setoriais, bandeiras tarifárias, reajustes tarifários etc.
Esse esforço de comunicação da agência reguladora é crucial e aprofunda uma iniciativa na qual a Aneel tem investido recursos e inteligência há algum tempo, o que inclui o desenvolvimento de ferramentas como o Subsidiômetro (que compila de forma bem didática os principais subsídios embutidos na tarifa de eletricidade) e o Luz na Tarifa (que gera diversos relatórios dinâmicos sobre informações de todas as distribuidoras do Brasil a partir de uma aplicação de BI – Business Intelligence).
As informações tarifárias a partir de fontes oficiais estão disponíveis com vários tipos de cortes temporais e espaciais. Basta querer acessá-las. No entanto, mesmo com tantos dados disponíveis, predomina nos meios de comunicação uma narrativa que busca selecionar dados de forma cirúrgica para confirmar teses que trazem uma visão negativa e distorcida sobre a evolução das tarifas. Vejamos dois exemplos das táticas mais recorrentes usadas por alguns atores para suportar suas teses.
A primeira tática é baseada no que chamaremos aqui de “selecionar vales e picos”. Quem acessar o infoTarifa de agosto/2025, disponível no sítio eletrônico da Aneel, poderá ver um gráfico que mostra que nos últimos 15 anos (de 2010 a 2025) o índice médio de reajuste da tarifa residencial foi de 135%, percentual exatamente igual ao da inflação “oficial” medida pelo IPCA (135%) e bem abaixo da inflação medida pelo IGP-M (185%).
Ou seja, para o consumidor residencial a tarifa apenas acompanhou a inflação oficial em termos médios e no longo prazo, uma constatação bem diferente da declaração de alguns intérpretes que selecionam “vales” – momentos no tempo com tarifas artificialmente baixas, como o que ocorreu em 2012 pela canetada desastrosa da Medida Provisória 579 – e os comparam com momentos de “picos” tarifários – em períodos de severa escassez hídrica, por exemplo – com o objetivo de gerar mensagens hiperbólicas baseadas na tese “conta de luz sobe muito mais que a inflação”.
A segunda tática é mais fácil de apresentar e podemos chamar de “ignorar boas notícias” para manter a sensação de que as tarifas, além de aumentar acima da inflação, só aumentam e nunca diminuem ao longo do tempo. Aliás, a redução de tarifas elétricas está acontecendo agora: o Banco Central acaba de divulgar que o IPCA-15 (que antecipa os números do IPCA) teve deflação de 0,14% em agosto, algo que não acontecia desde agosto de 2023.
Isso só foi possível devido à devolução do saldo positivo acumulado na conta de comercialização da energia de Itaipu, o que levou a tarifa de eletricidade residencial a cair 4,93% no mês, contribuindo para uma redução de 0,20% no IPCA-15. Se não houvesse essa contribuição da tarifa de eletricidade o IPCA-15 de agosto teria apresentado inflação em vez de deflação. Mas boas notícias como essa não têm muito espaço: ou são seletivamente ignoradas ou são rapidamente esquecidas.
Poderíamos fazer muitas outras análises com os dados oficiais. Por exemplo, é possível constatar que, quando olhamos para os 135% de reajuste tarifário residencial médio dos últimos 15 anos, o grande vilão foram os encargos tarifários, que subiram inacreditáveis 268%. O conjunto de subsídios que tem se acumulado ao longo dos anos pode ser visto no Subsidiômetro da Aneel, que revela que os subsídios representaram 13,8% da tarifa residencial de 2024. Foram R$ 48,8 bilhões embutidos na conta de luz para subsidiar certas fontes de energia e classes de consumo, entre os quais fontes incentivadas, geração distribuída, irrigação e sistemas isolados, que oneraram todos os demais consumidores que não receberam os subsídios.
Também seria possível verificar que na mesma janela de 15 anos a chamada Parcela B – que representa a parcela da tarifa que cobre os custos gerenciáveis pelas distribuidoras – aumentou 100% em comparação com os 135% de variação do IPCA. Ou seja, as tarifas para as distribuidoras têm sido ajustadas bem abaixo da inflação e têm contribuído para a redução das tarifas na forma de ganhos de produtividade e aumento de eficiência operacional repassados aos consumidores.
Mas esse crédito nunca é dado às distribuidoras. Pelo contrário: como essas empresas são a interface final com os consumidores, tanto no atendimento quanto na entrega das contas mensais, que agregam todos os custos do setor – geração, transmissão, distribuição, impostos e encargos –, quando há qualquer aumento a prática é responsabilizar a distribuidora de eletricidade local.
Aliás, vale lembrar que, de acordo com estudo anual desenvolvido pela PwC e Instituto Acende Brasil, o peso de impostos e encargos sobre a conta de luz respondeu por 46% de toda a receita do setor em 2023. Ou seja, quase metade da receita que transitou pelas empresas do setor não foi usada para gerar, transmitir ou distribuir eletricidade, mas para encher cofres públicos e custear encargos e subsídios.
Os diagnósticos sobre o comportamento da tarifa de eletricidade precisam ser mais honestos intelectualmente e mais cuidadosos tecnicamente. Só assim conseguiremos interromper a propagação de ruídos, premiar os agentes que têm contribuído para o aumento de eficiência no setor, e sensibilizar a sociedade sobre distorções alocativas e custos desnecessários que oneram nossa conta de luz.