Opinião
O Congresso Nacional entre a canetada e a redução estrutural das tarifas de energia
Não cabe somente aos agentes do setor elétrico atuarem na busca da eficiência, da redução dos custos e da modicidade tarifária. Faz-se imprescindível uma atuação conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo
Neste mês de maio, mesmo com relevantes discussões acerca da modernização do setor elétrico, da desestatização da Eletrobras, da troca do Ministro de Minas e Energia e das movimentações na Diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), boa parte do debate no setor elétrico brasileiro centralizou as atenções para o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 94/2022, proposto no âmbito do Congresso Nacional, e que tem por objetivo sustar os efeitos de Resolução Homologatória por meio da qual a Aneel aprovou o reajuste tarifário anual de concessionária de distribuição de energia elétrica.
Nos termos do artigo 49, V, da Constituição Federal de 1988, Decretos Legislativos são atos de competência exclusiva do Congresso Nacional e que teriam por objetivo sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou os limites de delegação legislativa.
O tema ganhou grande relevância não apenas pelo seu mérito, mas também pela aprovação, pela ampla maioria da Câmara dos Deputados, do Requerimento nº 613/2022 que estabeleceu sua tramitação em regime de urgência.
Ainda que o PDL em questão tenha sido objeto de grande repercussão, pode-se afirmar não ser algo inédito ou mesmo atípico quando estamos tratando de reajuste tarifário de concessionárias de distribuição de energia elétrica.
Somente entre os anos de 2017 e 2021, foram propostos pelo menos 19 Projetos de Decretos Legislativos questionando os reajustes tarifários anuais e as Resoluções Homologatórias aprovadas pela Aneel: (i) PDC 714/2017; (ii) PDC 814/2017; (iii) PDC 862/2017; (iv) PDC 1107/2018; (v) PDC 1108/2018; (vi) PDC 1109/2018; (vii) PDC 1110/2018; (viii) PDL 337/2019; (ix) PDL 434/2019; (x) PDL 635/2019; (xi) PDL 642/2019; (xii) PDL 142/2020; (xiii) PDL 313/2020; (xiv) PDL 315/2020; (xv) PDL 328/2020; (xvi) PDL 362/2020; (xvii) PDL 365/2020; (xviii) PDL 175/2021; e (xix) PDL 381/2021.
Ainda assim, mesmo com grande volume de propostas neste sentido, não se tem conhecimento de qualquer projeto que, de fato, tenha sido aprovado e tenha suspendido reajuste tarifário anual de concessionária de energia elétrica.
Isso porque, numa breve análise da normativa vigente, pode-se concluir não haver ilegalidade aparente nos reajustes anuais aprovados pela Aneel que pudessem caracterizar exorbitância do seu poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa.
O reajuste tarifário anual e a competência da Aneel para aprová-lo estão fundamentados em uma série de dispositivos normativos como o artigo 175, III, da Constituição Federal, o artigo 9º e seguintes e o artigo 23, IV da Lei 8.987/1995 e o artigo 14 da Lei nº 9.427/1996.
Não fosse suficiente, a fórmula de cálculo e os índices dos reajustes tarifários anuais estão detalhados nos contratos de concessão das distribuidoras de energia elétrica, sendo anualmente aplicados por quase 3 décadas.
Por fim, destaca-se ainda que toda a metodologia para a aplicação dos reajustes tarifários anuais foi previamente definida pela Aneel, com base em normas como os Procedimentos de Regulação Tarifária – PRORET, cuja aprovação/alteração sempre é precedida de Consulta Pública e amplo debate com a sociedade de forma que, em uma análise preliminar, não haveria que se falar em ilegalidade dos reajustes tarifários anuais aprovados pela Aneel.
Ainda assim, mesmo que os reajustes tarifários anuais sejam aplicados com base no ordenamento jurídico vigente, não se pode deixar de reconhecer que os valores aprovados pela Aneel neste ano de 2022 são extremamente elevados, com impacto direto nos índices inflacionários e na vida da população.
Em razão disso, entende-se ser oportuno aproveitar essa comoção do Congresso Nacional para, de fato, iniciar o debate sobre a redução estrutural das tarifas de energia – não por meio de PDLs de cunho político-eleitoreiros – mas por meio de ações de competência do próprio Congresso Nacional, com destaque para os tributos e encargos setoriais.
Como sabido, do valor final a ser pago pelos consumidores de energia elétrica, a depender da localidade, quase 50% é composto por tributos e encargos setoriais cuja definição, ampliação ou redução é de competência direta e exclusiva dos poderes executivo e legislativo.
Nesse sentido, o mesmo Congresso Nacional que hoje questiona os altos índices de reajuste tarifário das concessionárias de distribuição tem contribuído, de forma significativa, para o aumento da tarifa praticada junto aos consumidores finais.
Sem entrar no mérito acerca da adequação de eventuais medidas e seus efeitos indiretos, tem-se, nos últimos anos, o Congresso Nacional aprovou subsídios que pressionarão as tarifas de energia, não só neste ano de 2022, mas ao longo dos próximos 10, 15 ou 20 anos (e.g. benefícios para mini e microgeração distribuída, desconto nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição por geradores por fontes renováveis, obrigatoriedade de contratação de Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs e de usinas termelétricas em locais que que ainda não possuem infraestrutura de gás natural).
Nesse contexto, ainda no final do último mês de abril, foi publicada a Resolução Homologatória nº 3.034/2022 por meio da qual a Aneel aprovou o orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE para o ano de 2022. O valor final – já impactado por ações adotadas nos últimos anos – teve um aumento de mais de 34% frente ao orçamento de 2021, sendo estabelecido em R$ 32.095.717.192,73. E o cenário não é animador para os próximos anos.
Resta, portanto, concluir que não cabe somente aos agentes do setor elétrico atuarem na busca da eficiência, da redução dos custos e da modicidade tarifária. Faz-se imprescindível uma atuação conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo, no âmbito de suas competências, para que sejam adotadas medidas estruturais de redução de subsídios e penduricalhos nas tarifas de energia que tenham o potencial não apenas de solucionar o problema que já está posto, bem como de mitigar os efeitos para os próximos anos.
Mariana Saragoça é advogada e sócia do escritório Stocche Forbes, e atua nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação; Frederico Accon Soares é advogado sênior e sócio do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação com ênfase no Setor Elétrico