Opinião

O enigma da qualidade dos serviços públicos

Por Redação

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A recente deliberação do plenário do TCU, autorizando o Poder Concedente a formalizar a renovação das concessões de distribuição de energia elétrica a vencer entre 2015 e 2017, reforçou o que já estava previsto no Decreto 8.461/15: as empresas deverão cumprir metas anuais de investimento e melhoria dos indicadores de qualidade do serviço, a cada ciclo de cinco anos. Em caso de descumprimento, perderão a concessão.

Para quem tardiamente passou a se interessar por Políticas Públicas e seu ciclo (na forma das fases de agenda, formulação, implementação, avaliação e encerramento), não existe complexidade maior do que expressar, de forma sintética, o que significa “qualidade” no contexto dos serviços públicos - nos quais se inclui o mais universal dos serviços, a distribuição de energia elétrica.

Em termos doutrinários, até um leigo como eu é capaz de entender o significado do Princípio da Eficiência (incorporado pela Emenda Constitucional no. 19 ao caput do artigo 37 da Constituição Federal), sobretudo quando associada sua leitura ao que dispõe o artigo 22 da Lei 8.078/90: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.

José Eduardo Martins Cardozo, em comentário de 1999 (em Os 10 anos da Constituição Federal, Atlas, 1999, p. 166), nos ajuda a entender a natureza do problema:

“Ser eficiente, portanto, exige primeiro da Administração Pública o aproveitamento máximo de tudo aquilo que a coletividade possui, em todos os níveis, ao longo da realização de suas atividades. Significa racionalidade e aproveitamento máximo das potencialidades existentes. Mas não só. Em seu sentido jurídico, a expressão, que consideramos correta, também deve abarcar a ideia de eficácia da prestação, ou de resultados [grifo meu] da atividade realizada. Uma atuação estatal só será juridicamente eficiente quando seu resultado quantitativo e qualitativo for satisfatório, levando-se em conta o universo possível de atendimento das necessidades existentes e os meios disponíveis [grifo meu]”. 

Em termos práticos, chegamos ao âmago da questão: “qualidade” significa fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e contínuos levando em conta os meios disponíveis. E que meios serão esses no caso do serviço público de energia elétrica? Evidente que tecnologia e gestão são importantes. Tratando-se de um serviço público que é essencialmente capital intensivo por envolver uma vasta rede e um diversificado leque de equipamentos com longa vida útil – e, não menos importante, um longo tempo para que os investimentos venham a ser recuperados -, há um algo a mais envolvido: meios também significa “capital”, próprio e de terceiros, algo que a Nota Técnica 353/2014 da SFF/ANEEL, felizmente, explicitamente reconhece.

Qualidade da energia elétrica deve ser expressa em indicadores técnicos, mensurando a continuidade com que o serviço é prestado. Mas os meios disponíveis não se referem apenas à vontade de prestar um serviço adequado, eficiente e seguro: referem-se, antes de tudo, aos meios econômicos e financeiros da concessionária que viabilizem sua capacidade de operar eficientemente e de realizar investimentos, proporcionando não somente a qualidade desejada como a remuneração adequada dos capitais.

A força legal determinando metas de investimento e melhoria dos indicadores é condição necessária, mas a suficiência só será atingida se acompanhada pelo equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Esse requisito de suficiência é a grande e misteriosa insuficiência que sistematicamente se observa nas políticas públicas, comprometendo a avaliação de resultados e, inevitavelmente, a identificação das reais causas do fracasso de iniciativas, por mais bem-intencionadas que sejam.

O aprendizado sobre as vicissitudes que o setor elétrico brasileiro vem enfrentando nos últimos tempos é uma prova de que o lema positivista da “ordem por base e o progresso por fim” (sem entrar em querelas filosóficas) precisa ser interpretado como “ordem” (no sentido de disciplina financeira e orçamentária) para que o “progresso” (na forma de melhor qualidade nos serviços públicos) possa ser alcançado. Neste momento em que a palavra de ordem (sem trocadilho) é “sobrevivência”, é prudente lançar o olhar sobre o futuro - que sempre vem, mesmo que por vezes pareça longínquo. O exemplo da renovação das concessões, implementada por medidas de última hora, embora desde 1995 se saiba que o momento chegaria... não deixa de ser eloquente. E cinco anos passam muito rapidamente.

Eduardo José Bernini é economista (FEA-USP), com MBA em Governança Corporativa (FIPECAFI) e mestrando em Gestão e Políticas Públicas
(EAESP-FGV)

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