Opinião

O inevitável caminho da eletrificação

Os sistemas elétricos deverão ser os tabuleiros dos próximos jogos globais da energia

Por Paulo Cunha

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Os modos de produzir, disponibilizar ou utilizar energia são indiscutivelmente os principais responsáveis pelas emissões dos gases de efeito estufa no planeta. A óbvia decorrência dessa constatação é que nesses segmentos devem se concentrar os esforços para a mitigação desse efeito. Nesse sentido sobressai o conceito de integração energética como pano de fundo para a eficientização global da indústria da energia e a consequente redução das referidas emissões. 

A parte mais simples desse desafio, apesar da magnitude dos obstáculos técnicos e econômicos, encontra-se em marcha: substituir em larga escala as fontes fósseis por renováveis na produção de eletricidade. Ela vem sendo endereçada através da disruptiva penetração das  fontes eólica e, principalmente, solar nos sistemas elétricos. Primeiro passo na dramática busca pela descarbonização, necessária e urgente pelas razões climáticas fartamente conhecidas.  

Em paralelo, observa-se a progressiva eletrificação das atividades com vistas a ampliar o alcance do atendimento energético oriundo de fontes de baixo carbono. Essa eletrificação ocorre de maneira direta, onde se utiliza a eletricidade como substituto dos combustíveis fósseis em aplicações de uso final nos transportes, aplicações prediais ou nos processos industriais, quando possível.  

A alternativa para os segmentos mais refratários à eletrificação direta é a modalidade indireta, onde a eletricidade comparece como insumo para a sua conversão num vetor energético, conforme se apresenta na nascente indústria do hidrogênio verde, obtido a partir de eletrólise da água. Também integram o rol de soluções os carregadores químicos associados a essa rota tecnológica, a exemplo do metanol ou da amônia, bem como a produção de combustíveis sintéticos.

Em face dessas ambições, mais que nunca será necessária a integração entre os vários segmentos da indústria da energia. Ganham relevância os papéis dos usuários, principalmente nas modalidades de geração e armazenamento distribuídos, bem como nos arranjos para resposta da demanda e aumento da eficiência energética nos usos finais. Espera-se o engajamento dos novos prossumidores1, atuando isoladamente ou por meio de agentes agregadores capazes de potencializar o efeito de seus comportamentos nas “usinas virtuais2

Acaba de ser publicado pela Comissão Europeia o “Estudo sobre a promoção da integração do sistema energético através do papel crescente da eletricidade renovável, dos ativos descentralizados e do hidrogênio”3. Relatório que avalia o status da “Estratégia de Integração do Sistema Energético da União Europeia”, formulada em 2020, propondo medidas políticas e legislativas para moldar gradualmente um novo sistema energético. Destaca sobretudo os desafios que deverão ser superados para a efetiva integração naquele continente. A despeito de tratar do caso europeu, o estudo endereça validamente questões aplicáveis a todo o mundo.  

Importa destacar que na base do avanço das fontes eólica e solar, além das motivações climáticas estão presentes os interesses da China, principal promotor dessa expansão, na redução de sua dependência energética do petróleo.

A crescente eletrificação das atividades motivada pelas razões mencionadas, bem como pela acelerada penetração da indústria da tecnologia, particularmente nas aplicações de inteligência artificial, deverão provocar aumentos sem precedentes dos fluxos energéticos e econômicos nas redes elétricas. Parte deles atualmente encontra-se no domínio dos hidrocarbonetos. Essa é uma das razões para reiterar o mantra que diz “os sistemas elétricos deverão ser os tabuleiros dos próximos jogos globais da energia”.

No Brasil sabidamente a participação das fontes renováveis é elevada, a infraestrutura de transporte é robusta e a capacidade de armazenamento hidrelétrico facilita a acomodação de vigorosa expansão das fontes eólica e solar, que não são controláveis. É um contexto favorável ao aproveitamento da provável ampliação da importância econômica da indústria da eletricidade em benefício de sua sociedade. Para tanto, o estado brasileiro necessita resgatar a capacidade de formular políticas coerentes e regular a sua execução, que foi progressiva e perigosamente erodida nos últimos doze anos.

Prossumidor – Agente descentralizado que autoproduz, consome e eventualmente armazena energia elétrica

2  Usina Virtual ou  Virtual Power Plant (VPP)  –  Arranjo produtivo no qual um agente agregador mediante uso da tecnologia de informação e comunicação, relações contratuais e precificação dinâmica gerencia e induz  o comportamento energético de um conjunto de  prossumidores de modo que seu efeito combinado  passa ser percebido pelos operadores do sistema e pelo mercado como o de uma usina de grande porte.

3 Disponível em  https://data.europa.eu/doi/10.2833/560304.

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