Opinião
Alcançarmos salvação climática sem co-opetição?
Sistema onde concorrentes podem se unir em projetos específicos sem perder suas identidades nem as vantagens comparativas pode ser aplicado ao setor energético brasileiro
A COP 28 terminou. No tocante ao tema mais relevante da Conferência, as alternativas para a produção de energia, sua declaração final se mostra como um copo meio cheio: sem a contundência dos que almejavam visualizar de imediato a trilha de eliminação dos combustíveis fósseis mas, a despeito das objeções dos países produtores, explicitando pela primeira vez a necessidade da retirada dos subsídios a essa família de fontes, bem como de uma transição energética capaz de neutralizar o balanço de carbono até meados deste século. Isso não é pouco.
O embate sobre o assunto naturalmente traz para a arena interesses contrapostos sobre recursos ou tecnologias que envolvem agentes privados, sociedades e países. Não poderia ser diferente, uma vez que as repercussões econômicas e climáticas das escolhas na indústria da energia afetam toda a humanidade. A gravidade do contexto estimula a busca de posicionamentos que superem a simples competição entre os divergentes em busca da satisfação de seus interesses. O advento de grandes catástrofes usualmente propicia a temporária emersão de espaços de cooperação que potencializam enormemente as soluções requeridas. Já vimos isso. Entretanto, ainda que extremamente prováveis, ameaças potenciais não tornam realísticas as esperanças de franca cooperação.
Buscando enfrentar problemas complexos em ambiente corporativos, no final do século passado, os professores Nalebuff e Brandenburger[1], que se dedicavam às estratégias competitivas respectivamente nas Universidade de Yale e Harvard, desenvolveram um sistema de ideias que cunharam co-opetição. Sua tese central propõe que concorrentes podem se unir em projetos específicos sem perder suas identidades nem as vantagens comparativas, de modo a se fortalecerem mutuamente e maximizar seus benefícios. Nessa abordagem privilegia-se a coletivização e a formação de redes diversas, proporcionando a inovação.
O senso comum reconhece e propaga as vantagens comparativas do Brasil com relação à abundância e à diversidade das fontes de energia de baixo carbono, sendo desnecessário repeti-las. Essa situação configura uma extraordinária oportunidade para o país se apropriar dessa potencialidade para, além de vir a participar da liderança energética global, produzir riqueza e proporcionar bem-estar à sua sociedade.
Ocorre que, a despeito da maturidade institucional e de sua excelência técnica, a indústria da energia no Brasil encontra-se capturada na armadilha da competição rasteira, onde os legítimos embates entre os diversos interesses deixaram de ser solucionados mediante a autocomposição, passando a ser arbitrados não raro no âmbito jurisdicional ou mesmo através de intervenções legislativas casuísticas, num parlamento voraz e desobrigado de responder pelas consequências de suas escolhas. Isso em desfavor de todos, principalmente dos usuários. Há muito e de forma progressiva essa escalada vem desgastando as bases institucionais da indústria, enfraquecendo a regulação, provocando aumento dos custos e distorções na sua alocação, bem como elevando a percepção de riscos.
Competir de modo colaborativo não é inédito na experiência energética brasileira. Identificar objetivos comuns e trabalhar para o aproveitamento sinérgico dos recursos é um caminho para conduzir a indústria da energia a um patamar capaz de aproveitar as oportunidades proporcionadas pela transição energética. Inovar considerando a composição de distintas visões poderá permitir a obtenção de repostas capazes de superar os benefícios sectários.
Daqui a dois anos nos caberá a responsabilidade de sediar mais uma COP. Poderemos cumpri-la de modo virtuoso, aproveitando as oportunidade de exercer liderança e traduzir em riqueza as potencialidades energéticas do país. Contrário senso, lamentaremos desperdiçar mais um cavalo selado, se continuarmos nos desconstruindo em escaramuças paroquiais. A escolha é nossa.
[1] NALEBUFF, B. and BRANDENBURGER, A. Co-opetition. Profile Books Ltda. London. 1997. ISBN 978-0385479509
Paulo Cunha é sócio-diretor da Sempi Consultoria Ltda e consultor sênior da Fundação Getulio Vargas