Opinião

A Reservação e os Serviços Ancilares

Consulta Pública aberta pelo MME relacionada à prestação de Serviços Ancilares, fundamental ao adequado funcionamento do sistema interligado, traz boa oportunidade para retomarmos a discussão sobre a ampliação dos reservatórios hidrelétricos no país

Por Paulo Cunha

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  • Com coautoria de Felipe Gonçalves

A Consulta Pública 145/2022 aberta pelo Ministério de Minas e Energia para receber contribuições relacionadas à prestação de Serviços Ancilares representa mais uma oportunidade para o seu aprimoramento. Essa é uma condição fundamental ao adequado funcionamento do sistema interligado. Observando-se o rol desses serviços, que abrange a reserva operativa, o autorrestabelecimento, o controle de frequência, o suporte de reativo, bem como esquemas de proteção, percebe-se que constituem um subconjunto de um atributo essencial aos sistemas elétricos, que é a Flexibilidade.

Face à necessidade de equilíbrio instantâneo entre a oferta e a demanda de eletricidade, que sempre variam no tempo, a Flexibilidade pode ser conceituada como a capacidade de um recurso em responder às variações previsíveis e imprevisíveis nas condições do sistema[1]. Entre as alternativas para o provimento de Flexibilidade, destacam-se as usinas hidrelétricas dotadas de reservatórios, cuja tecnologia e os arranjos operativos naturalmente já disponibilizam esse atributo.

Essa é também uma boa oportunidade para retomarmos a discussão sobre a ampliação dos reservatórios hidrelétricos no país. Após longa fase de constituição de grandes reservatórios, que caracterizaram a indústria elétrica do Brasil, a ampliação desses equipamentos foi praticamente interrompida, em função dos seus significativos impactos socioambientais. Revelou-se a insuficiência de recursos da sociedade civil para compreendê-los adequadamente, bem como propor e equacionar economicamente as medidas mitigatórias, além de articular de forma racional os múltiplos usos e benefícios desses equipamentos.

Compreensivelmente passou-se da fase de “reservatórios sim, porque sim” para “reservatórios nunca, porque nem sei”. Parte da expansão hidrelétrica passou a ser empreendida através de usinas com pequenos reservatórios, a fio d’água, em desfavor do valioso atributo da Flexibilidade para o sistema elétrico, além de todas as utilidades dos demais usos da água. O próximo passo deverá ser “reservatório sim, quando for a melhor alternativa global”.

O consenso internacional, que já foi muito refratário a grandes reservatórios em função de algumas experiências traumáticas, avançou para uma visão mais favorável, que pode ser observada nas atualizações dos procedimentos do Banco Mundial, tais como a OP 4.37 Safety of Dams, que estabelece os critérios técnicos, operativos e de governança para que o Banco possa financiar esses equipamentos.

O potencial remanescente no Brasil, afastadas as áreas de vedação legal, ainda é relevante. Estudos da EPE indicam aproveitamentos inventariados capazes de ampliar consideravelmente a atual capacidade de armazenamento.

O perfil da matriz elétrica brasileira vem se alterando nos últimos vinte anos, trilhando acertadamente um caminho de diversificação. Nessa trajetória vêm sendo agregadas fontes renováveis variáveis que, embora não colaborem significativamente para a Flexibilidade, muito contribuem para o atendimento energético, trazendo vantagens ambientais, além de custos reduzidos. O parque resultante, mais que nunca, continua a requerer Flexibilidade e capacidade de controle, cuja disponibilidade escasseia pari-passu com a redução da participação relativa da reservação hídrica no atendimento. Torna-se necessário, dessa forma, aprimorar o desenho do mercado atacadista de energia para estimular de forma competitiva o provimento de Flexibilidade. Novas usinas com reservatório bem como as atuais, cujos atributos vêm ao longo do tempo permitindo a forte penetração das renováveis variáveis, são candidatas naturais e deverão dar a sua contribuição.

[1] Oxford Institute for Energy Studies (2016)

 

Paulo Cunha é Sócio-diretor da SEMPI Consultoria Ltda e consultor Sênior da Fundação Getulio Vargas

Felipe Gonçalves é Superintendente de Pesquisa da FGV Energia

 

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