Opinião

O desafio de remunerar de forma justa

Desenhos de mercado atacadista de energia baseados somente em parâmetros volumétricos não são capazes de capturar as diferentes contribuições de cada fonte para o atendimento energético

Por Paulo Cunha

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“Todas as famílias felizes se parecem,
cada
família infeliz é infeliz à sua maneira

Liev Tolstói

Apurar e alocar custos, remunerar adequadamente os benefícios proporcionados pelos variados participantes. Essas são premissas observadas em atividades econômicas bem-sucedidas. Dessa forma buscam-se o equilíbrio, a justiça e o estímulo à expansão dos sistemas correspondentes. A produção de energia elétrica tem a felicidade de ser obtida a partir de diversas fontes primárias, em variadas rotas tecnológicas. Mais ainda, a integração sistêmica desses recursos permite a alavancagem dos benefícios, no conhecidíssimo fenômeno da sinergia. A despeito dessas possibilidades, a modelagem econômica desse sistema pode às vezes não favorecer ao aludido aproveitamento.

A indústria da energia elétrica brasileira foi concebida de modo cooperativo e construída com base no aproveitamento otimizado do potencial hidrelétrico do país, caracterizado por elevada capacidade de armazenamento e relativa diferenciação de regimes hidrológicos entre as várias regiões do país. O complexo problema de atendimento elétrico, conforme sabido, além das quantidades de energia disponibilizadas, requer a satisfação de outras necessidades igualmente relevantes ligadas à potência, flexibilidade, regulação, controle e estabilidade. Entretanto, dada à quase exclusividade da fonte hidrelétrica na gênese dessa indústria no Brasil, os desenhos de mercado historicamente utilizados fundaram-se em modalidades de contratação baseadas nos volumes de energia produzidas e consumidas, o que, à época, correspondeu a uma conveniente simplificação.

A necessária e bem-sucedida diversificação das fontes primárias de energia elétrica empreendida nos últimos anos trouxe a contribuição de diversas tecnologias cujas caraterísticas operativas lhes permitem, de modo bastante vantajoso, disponibilizar grandes volumes de energia. É notório, entretanto, que os demais atributos não se apresentam de maneira uniforme entre elas e, dessa forma, desenhos de mercado baseados somente em parâmetros volumétricos não são capazes de capturar as diferentes contribuições de cada fonte para o atendimento energético.

Há algum tempo o problema da quantificação e valoração dos atributos das diversas tecnologias vem desafiando os esforços que visam ao aprimoramento setorial no sentido de aumentar sua eficácia e, principalmente, reduzir seus custos para os usuários. Diversas iniciativas nesse sentido têm progressivamente descortinado alternativas para superar as deficiências no modelo do mercado atacadista de energia no Brasil, tendo em vista também as experiências internacionais sobre o tema. Mais recentemente o centro de estudos da Fundação Getúlio Vargas, FGV Energia, vem desenvolvendo pesquisas que buscam inicialmente quantificar e valorar os atributos de flexibilidade nas diversas tecnologias com base na modelagem de aspectos como os seus comportamentos nas rampas de variação da carga líquida, ou nos serviços de reservação. Partindo de um modelo conceitual simplificado, pretende-se extrapolar essas avaliações através do aproveitamento de parâmetros já existentes ou passíveis de serem adaptados nos modelos oficiais da operação do sistema.

Resultados preliminares sinalizam que a metodologia apresenta aptidão para revelar os custos e os benefícios aportados pelas diversas tecnologias que concorrem para o atendimento energético da sociedade. Esse passo é imprescindível para posteriormente suportar proposições de desenhos de mercado atacadista que sejam capazes de reconhecer e valorizar as múltiplas dimensões do produto energia elétrica num sistema como o brasileiro, onde a diversificação e a diferenciação dos agentes não mais permitem simplificações como a precificação monômia.

*Este artigo expressa a opinião do autor, não apresentando necessariamente a opinião institucional da FGV

 

Paulo Cunha é sócio-diretor da Sempi Consultoria Ltda e consultor sênior da Fundação Getulio Vargas

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